A Filha da Sabedoria escrita por Annabel Lee
Notas iniciais do capítulo
Então... meio que sete anos depois!
Naquela manhã tive finalmente meu dia de paz no Chalé de Atena.
Meus irmãos e irmãs decidiram tirar o dia para estudar o mapa de guerra da Califórnia, onde sugere-se que o Acampamento Romano se esconda. Como já fiz isso ontem, dei para mim mesma um dia de folga e descanso no Chalé 6.
Resolvo pintar o cabelo já que os fios loiros começaram a ficar visíveis. Sim, odeio cabelo loiro. Principalmente pelo fato de que sempre existem piadinhas com loiras, ainda mais quando se é filha de Atena e mega inteligente. E sempre achei que ficava mais bonita morena, então pinto o cabelo constantemente.
Coloquei música clássica no último volume sem me importar com os Chalés vizinhos e saio rodopiando pelo Chalé, sentindo o cheiro da química do meu cabelo encher minha narinas.
O Chalé 6 era enorme. Cheio de estantes de livros, vídeo games, laptops, mapas de guerra, armamentos e plantas arquitetônicas. Resumo: era o Paraíso no Acampamento Meio-Sangue!
Rodopio até o banheiro do Chalé, enquanto meus ouvidos deleitam-se com o som de Vivaldi e abro o chuveiro no modo quente. Espero a água esquentar enquanto tiro minhas roupas com cuidado para não sujá-las com a tinta de cabelo preta.
Entro embaixo do chuveiro e meus músculos relaxam de imediato. Vou tirando a tinta do cabelo enquanto a visão de quando fui reclamada se repassa em minha mente.
Fiquei dois anos entupida no Chalé de Hermes até minha mãe finalmente me reconhecer. Lembro até hoje quando a estranha coruja vermelha brilhou acima de meus cabelos e todos os campistas gritaram alegremente.
Para mim não foi uma alegria.
Atena nunca apareceu para mim. Nunca respondeu minhas preces. Nem mesmo quando meu pai me rejeitou e minha madrasta e irmão foram assassinados por romanos. Eu guardava tanto ódio dela, quanto daqueles malditos assassinos.
Saio do boxe com o humor despencado. Mas ao reconhecer a Nona Sinfonia de Bethoven, que agora tocava em alto e bom som, voltei a sorrir mais calma.
Sequei meus cabelos, agora completamente negros, e pus uma camiseta laranja do Acampamento sobre minha calça jeans. Ponho meu colar de sete contas e pego meu arco, minha aljava de flechas e meu punhal de bronze celestial. Sou a única filha de Atena que usa arco-e-flecha, por isso ando mais com os filhos de Apolo. Dentre eles, fiz um grande amigo. Gabriel.
Quando Thomas está ocupado buscando semideuses pelo mundo e acertando os detalhes finais de seu cargo de Buscador, fico com Gabriel pelo Acampamento. Atirando em alguns alvos e aves aleatórias ou amaldiçoando os romanos.
Escuto uma forte batida na porta do Chalé.
Pego a toalha e a penduro na janela. Logo depois, abro a porta.
À minha frente, com a cara carrancuda e o cabelo castanho preso num rabo de cavalo sob a bandana com a bandeira da França estampada, está a conselheira-chefe do Chalé de Ares, Miranda L'Fleir. A Francesa mais macho do Acampamento Meio-Sangue.
- Posso saber o por quê dessa música alta e insignificante? - ela grita com seu sotaque francês e voz rouca de homem.
- Isso aqui é Bethoven, L'Fleir. Creio que está longe de seu entendimento intelectual...
- Vai se fuder, Garcia. Isso aqui virou o Chalé de Apolo, agora? Você ainda quer que ele seja seu papai?
Meus ouvidos queimam de raiva. Quando cheguei no Acampamento e fiz amizade com Gabriel, rezei para ser sua irmã. Tudo para não ser filha daquele crápula que chamo de "pai biológico". Amo música, arco-e-flecha e sou boa curandeira. Apolo deveria ser meu pai...
Mas claro que não o digo em voz alta.
- Se tudo isso é só para abaixar o volume, eu o faço, Miranda. Não precisava da apelação.
Miranda gargalha alto.
- Você me emociona, Garcia. Pra caralho! Vou ali fazer algo de útil e deixar você... fazer o contrário.
Miranda pisca um olho para mim e sai rindo consigo mesma.
Desligo o som enquanto xingo Miranda L'Fleir em pensamento e saio do Chalé, fechando a porta em seguida.
Caminho até os campos de "tiro ao alvo", onde encontro Gabriel mirando mais uma flecha no ponto exato que ele queria que ela atingisse: no perfeito meio do alvo. Ele me vê se aproximar e sorri.
- Ei, Lexy! - ele me cumprimenta com um soquinho - pintou o cabelo de novo?
- Bom que notou! - sorrio.
Gabriel tinha cabelos loiros como quase todos filhos de Apolo, porém mais escuros que da maioria. Seus olhos eram cor de mel e seu aparelho azul-claro chamava atenção sempre que ele sorria. Seu arco era dourado e magnífico. Do tipo que todo caçador inveja.
- Veio treinar? - ele pergunta.
- Imagina, Gabriel, vim comer pudim - respondo sarcasticamente.
Ele ri.
- Desculpa! Alguma novidade da guerra?
Entendi rapidamente o que ele quis dizer. A guerra entre romanos e gregos se estende desde o dia que eles incendiaram minha escola, onde haviam misteriosos mapas do Acampamento Meio-Sangue. Mas os mapas são magicamente modificados. Demoraria anos para decifra-los.
Para meu azar, anos se passaram desde aquele dia.
- Nenhuma. Começo a temer que eles tenham nos localizado.
- Eu duvido - Gabriel mira mais uma flecha, ainda olhando para mim, e acerta o outro alvo no centro - romanos são bem lentos. Deixaram aquele mapa exposto de seu Acampamento cair.
- É isso que me deixa nervosa. Ninguém deixa um mapa tão fácil de decifrar se perder nas mãos inimigas tão facilmente. É uma armadilha. Sei disso.
- Hum... Finalmente o senso de filha de Atena está falando mais alto.
Rio alto. Se fosse outra pessoa, eu certamente espancaria até a morte. Mas Gabriel é meu amigo desde que cheguei lá e tem sido o melhor de todos... Então simplesmente o acompanhei na risada.
Depois do ataque de risos, tiro uma flecha da aljava e preparo o arco. Fecho o olho esquerdo para visualizar melhor o círculo azul que marcava o centro do alvo e atiro com convicção. A flecha penetra o exato centro, tão precisa quanto a que Gabriel acertou.
Ele bate palmas.
- Você está ficando boa nesse negócio... - diz.
- Agradeço.
Um grito é escutado. Dois. Urgentes e alarmados. Também desesperados. Dentre eles duas palavras são repetidas em berros de mesmo tom urgente. As palavras eram: FRONTEIRA ULTRAPASSADA.
Quando eu e Gabriel olhamos para a Colina Meio-Sangue visualizamos uma gigantesca hidra de nove cabeças de serpente cuspindo fogo na grama da Colina. Troco olhares com meu melhor amigo, e juntos corremos para defender a fronteira.
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Sem pinheiro de Thalia, sem proteção.