Equinocial escrita por Babi Sorah


Capítulo 5
Insônia - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo editado.

boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/379429/chapter/5

__________***__________

*Capítulo 05*

Insônia - Parte II

__________~{}~__________

.:

"Estou bem consciente que tudo

Está longe de 'tudo bem'

Estou bem consciente que todos nós

Podemos ser algumas vezes

Um pouco preocupados demais

E possivelmente, o remédio

Seja uma dose de apatia

Você aponta seu dedo para você...

E eu apontarei o meu de volta para mim".

(Relient K Apathetic way to be)

:.

É irônico como não suportamos o tempo e sua constante implicância com nossos ânimos.

Algumas vezes você só deseja vê-lo passar o mais rápido possível e em outras, se odeia quando percebe que na verdade, era apenas você quem estava sendo passado para trás.

Algumas pessoas vivem nessa contradição todos os dias. Zero Kiryuu é uma delas. Ele procurava qualquer atividade para ocupar o tempo. O problema é que havia tempo demais e pouca coisa para fazer.

E agora que estava sob detenção e proibido de sair dos limites da Área Sul, o resto da semana foi ainda mais insuportável, tanto que em diversos momentos Zero lembrou a si mesmo de que não fora apenas por formalidade que Yagari escolheu afastá-lo da Associação como castigo.

Pois para alguém como ele, acostumado a viver numa rotina que se sustenta na adrenalina de constantes missões diárias, na intensidade de longas noites escuras repletas de caçadas e matanças, a inércia da normalidade é simplesmente uma interminável tortura. No entanto, o jovem Kiryuu estava mais que decidido a não ceder a própria amargura, esforçando-se ao máximo para tornar seu "tempo livre" o mais produtivo possível.

Durante os dois primeiros dias, ele passou horas á fio nas salas de treinamento, e já que fora proibido de ter qualquer acesso a armas, dedicou-se a praticar arduamente técnicas de combate e artes marciais como não o fazia há anos.

Infelizmente, nem todos apreciaram seu empenho: Não demorou muito e logo se espalharam rumores de que "uma fera assassina" estava aterrorizando as arenas de treino, e pouco tempo depois Zero se viu sendo expulso de lá pelo Sr. Dan, o zelador; sob as acusações de que a sua presença estava "perturbando a paz e intimidando os novos recrutas" – em favor da verdade, é necessário dizer que de fato ele realmente estava.

Mas apesar de Zero ainda acreditar que aquilo tudo não passasse de um grande exagero, ele aceitou ser escoltado para fora da arena enquanto ouvia os sermões ásperos e rabugentos do velho Dan, pois sabia que não era prudente acumular mais confusões em seu já infame histórico.

Algumas horas depois de voltar ao alojamento, ele começou a preencher todos os relatórios acumulados durante o mês e aproveitou para fazer os deveres de casa e atividades de verão da Academia, inclusive as redações absurdas com mais de três mil palavras para as aulas de Ética e Sociologia, lecionadas por seu (não muito estimado) colega de trabalho, mais conhecido nas salas de aula como "Professor Kaito Takamiya".

E quando já havia preenchido e organizado tudo em ordem alfabética, cronológica, por tamanho, ordem de cor, espessura... E não havia sobrado mais nenhum cálculo ou texto a serem feitos, o garoto deixou-se afundar no encosto surrado do sofá e analisou de maneira displicente os arredores da sala de estar, tentando se lembrar de algum trabalho ou serviço que ainda lhe restava para fazer.

Passados alguns instantes sem ter sucesso em se lembrar de qualquer outro compromisso pendente, Zero ergueu-se do sofá e recolheu todos os papéis e envelopes que acabara de organizar sobre a pequena mesa de centro. Por fim, optou por dedicar o resto de seu tempo executando uma faxina geral em todo o alojamento.

E ele se empenhou com louvor.

Aspirou o pó, esfregou o chão, limpou os banheiros e as escadas, lavou as janelas, lustrou os móveis, limpou a cozinha e poliu os poucos talheres e panelas que ficavam acomodados em um antigo guarda-louças. Lavou toda a roupa de cama e as cortinas, varreu a área ao redor do prédio e fez questão até de limpar o telhado.

E a cada vez que ele se aproximava de concluir alguma tarefa, procurava metodicamente por erros ou inventava diversos defeitos e imperfeições no próprio trabalho, apenas para obrigar-se a refazer tudo de novo.

Talvez este comportamento possa parecer exagero ou drama, mas o fato é que em algum lugar no fundo de sua consciência, Zero receava a possibilidade de ficar parado sem fazer nada. Pois quando a inércia finalmente chegava, e o silêncio ensurdecedor e a solidão escura se faziam presentes, era quando ele mais temia acabar perdendo o pouco de controle que ainda tinha sobre si mesmo.

Eram nestes momentos que os fantasmas do passado rastejavam através do teto e desciam como aranhas pelas paredes. E eles teciam teias nos porões de sua mente, alimentavam-se dos últimos pontos de luz, assombravam e faziam morada em seus pesadelos; ameaçando ressuscitar as lembranças que ele se esforçou tanto para enterrar.

E acredite, você não iria querer testemunhar tal cena.

Por isso, não importava o que fosse, valia tudo a fim de manter a cabeça ocupada e se distrair.

Mas infelizmente, ainda que ele tentasse adiar de todas as maneiras possíveis esfregando desnecessariamente o chão até que a superfície brilhasse ainda mais, limpando manchas imaginárias nos azulejos da cozinha e reescrevendo várias e várias vezes os mesmos relatórios e textos, finalmente chegou o tão temível momento em que já não restava mais nada a ser feito no alojamento.

E foi então que as horas começaram a se arrastar no ritmo da eternidade, e a tensão e a abstinência vieram assombrar sua consciência.

Dormir já se tornara algo impossível, então nem se dava mais ao trabalho de arrumar a própria cama. À noite, quando o silêncio dominava o campus, Zero se dirigia para a biblioteca do pátio sul e passava a noite inteira lendo algum livro e folheando jornais ou revistas.

No sexto dia, agora extremamente ansioso por espairecer a mente e acalmar os próprios nervos, ele resolveu sair para caminhar e tomar um pouco de ar fresco antes do por do sol.

Enquanto se afastava sem pressa do alojamento e direcionava-se para o jardim do pátio sul, a brisa refrescante lhe acariciava o rosto e desalinhava seus cabelos. A seu redor, os galhos das árvores dançavam e já derramavam as primeiras folhas amareladas, sussurrando para o vento palavras cheias de segredos que poucos são capazes de compreender.

O céu era tingido de um lindo dégradé azul e alaranjado. A luz solar se derramava de maneira gentil, sem ferir a pele e os olhos claros do garoto.

A grama seca que exalava um aroma leve e salgado, o grande chafariz jorrando água pelas ventas das sombrias gárgulas esculpidas na pedra. As trepadeiras enroscando-se nas colunas e arcadas do claustro... Tudo ali parecia tão calmo. Silencioso.

Mas internamente, Zero reprimia uma vontade insana de gritar.

Sua cabeça zumbia pela falta de sono, as têmporas doíam como se lâminas estivessem atravessando-as e seus pensamentos latejavam em sua mente com as mesmas perguntas de sempre.

Qual era o problema com todo mundo naquele lugar?

Por que não deixam de ser hipócritas e acabam logo com aquela coisa ridícula de protocolo e "coexistência pacífica"?

Ele tinha quase certeza de que com exceção de Kaien Cross, o atual presidente da Associação, ninguém ali realmente acreditava nesse tipo de coisa. Em ambos os lados, sejam vampiros ou humanos, todos apenas aturam essa farsa para manter algum tipo de ordem no sistema.

Uma ordem bem caótica, diga-se de passagem.

Talvez a situação dele fosse até engraçada, se vista de certo ângulo: em qualquer outro lugar, se um empregado cumpre suas obrigações e excede as expectativas em seu cargo, ou é nomeado como o funcionário do mês ou recebe uma promoção. Mas ali, quando Zero aplicava sua "eficiência" ao alvejar uma lista inteira de vampiros assassinos numa única noite, era tratado como um workaholic¹ psicótico.

E ele se perguntava, afinal, o que diabos os outros viam de tão errado em sua conduta.

Ora, ele é um caçador! E caçadores existem apenas para caçar e matar. Paz e estabilidade estão fora de contexto. Destruir monstros é a sua missão, e ele é muito, muito bom nisso. Ponto final.

Mas...

Pensar e agir dessa maneira fria não fazia dele igualmente um monstro?

Talvez.

Ele já não era mais o tipo de criatura que pode ser chamada de humano.

Mas algumas vezes, só conseguimos derrotar os monstros que nos perseguem quando descobrimos em nós mesmos um pouco de monstruosidade...

Ou não?

Apenas seguindo em frente, sem olhar para os lados e nem para trás, um caminho reto e sem retorno.

Por que deveria se importar com algo além de seus próprios objetivos?

Para a Associação, Zero não é nada mais que uma ferramenta cujo único direito é ouvir e cumprir ordens. E como tal, quando se tornar inútil, será descartado sem o menor remorso: sempre havia alguém à espreita, apenas esperando que ele falhasse ou decaísse para apunhalá-lo pelas costas.

Ou no coração, onde a morte é mais eficaz.

Ele sabe e sempre soube disso.

E aceitou, porque esta é a indulgência que o permite continuar vivendo, ou para ser mais específico, sobrevivendo dia após dia.

Pois é.

A vida dele consegue ser estranha em diversos sentidos, mesmo quando não fazia sentido algum. E ironicamente, ele tinha praticamente assinado o próprio nome na lista dos carrascos da Associação, por ter atirado naquela garota estranha. Isto é, se ela morrer. Se for realmente apenas uma humana – coisa que ele definitivamente não acreditava.

Entretanto, de uma maneira que era estranha até para ele mesmo, não se sentia tão preocupado com isto. Já havia decidido e tinha plena convicção: não importava como, iria obter as respostas necessárias e acabaria com o infeliz que o deixou nessa situação, seja lá quem fosse.

Ainda que precisasse esperar tantas outras semanas detestáveis como aquela. E por sorte ou azar, ele não precisaria esperar muito tempo.

:::

__________~{}~__________

:::


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

¹ Workaholic: trabalhador compulsivo/ viciado em trabalho. Basicamente, são aquelas pessoas que ficam loucas quando estão fora do trabalho e colocam o emprego acima de tudo. Até de si mesmas.

E agora, adoráveis leitores e leitoras... Estamos chegando muito, muuuuito perto dos capítulos inéditos. Aguardem!