Equinocial escrita por Babi Sorah


Capítulo 3
Vítima Suspeita - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Capítulo com alguns detalhes e informações sobre a Associação adicionados.

Boa leitura!



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*Capítulo 03*

Vítima Suspeita - Parte II

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As cenas do incidente vieram à mente de Kaito e ele se viu mais uma vez naquela rua suja e mal iluminada, observando o corpo da garota inerte e estirado no chão.

O rosto dela estava ensanguentado e repleto de sujeira. As roupas que ela vestia eram puídas, velhas e imundas como as de um mendigo.

O tecido de seu casaco de lã ostentava grandes rasgos diagonais, onde era possível ver as lacerações profundas que ainda sangravam em seu abdome. Sangue escorria por baixo das costas e ombros dela, formando uma poça rubra que molhava os fios de seu cabelo sujo e desgrenhado. Seu braço esquerdo, torcido e inclinado numa estranha posição ao lado do corpo, estava quebrado.

Kaito abaixou-se para checar a frequência cardíaca. As batidas do coração dela eram cada vez mais fracas e vacilantes.

Ela já não respirava.

"... ela é humana... E eu acho que você a matou...''

Imediatamente tentou reanimá-la e chamou a equipe de emergência médica mais próxima.

Zero, tomado pela perplexidade, apenas permaneceu ali, estático, como se seu cérebro estivesse lutando para processar o que acabara de ouvir.

"Isso não pode estar certo..."- ele indagou consigo mesmo. "Eu saberia... ''

E estas foram as únicas palavras que Kaito ouviu seu colega dizer desde que deixaram o local do incidente.

Zero manteve-se em silêncio enquanto ajudavam os paramédicos a transportar a menina para uma das clínicas clandestinas da Associação, e permaneceu assim até finalmente chegarem ao QG, mesmo quando foi interrogado e exigiram-lhe explicações. Ele simplesmente se manteve frio e distante, como se nada de alarmante houvesse realmente acontecido naquela missão.

Ele continuou a se comportar desta maneira pelas próximas três noites, até que o Mestre finalmente retornou de viagem. Apesar de concordar que a atitude de Zero foi sábia - visto que a presença dele na Associação não era aceita por todos, e qualquer erro que ele cometesse poderia desencadear em sua expulsão - Kaito ainda tinha o pressentimento de que seu parceiro estava escondendo algo importante.

E se pretendia contar a alguém, seria ao Mestre e nenhuma pessoa a mais.

Nem mesmo a mim...

Mas Kaito não era tolo.

Não importava se pretendiam lhe esconder alguma coisa.

Ele simplesmente usaria seus próprios recursos e descobriria tudo por outros meios, ainda que precisasse pedir a ajuda de Karen Nyckell e seu irmão nerd.

E pelo menos, apesar do mau humor, ela parecia até bem disposta a cooperar.

— Observe estes dois diagramas. - Karen orientou, indicando com o compasso de metal os detalhes de um elaborado desenho na superfície do papel.

"No primeiro, vemos uma das armas de fogo fabricadas de acordo com os padrões atuais. E no segundo diagrama, está a representação planificada da Bloody Rose. Há algumas diferenças sutis entre ambos. Entretanto, a estrutura no primeiro diagrama é mais aprimorada. Você consegue perceber isso no interior deles?"

— Ah! Eu já tinha ouvido falar disso. Estas armas modernas são feitas para disparar projéteis especiais recheados de um composto fabricado a partir do Metal-Mãe. Com isso, a facilidade em usá-las é maior, sem contar que permite uma grande economia e aumento na escala de produção... – Wesley completou enquanto olhava admirado para todos os diagramas e esboços, parecendo uma criança que baba pelos doces da vitrine de uma confeitaria.

— Você andou lendo as minhas anotações sem permissão outra vez?

— Um pouco, me desculpe. É que eu estava em casa, sem nada para fazer, e então... – o garoto deu de ombros.

— Não faça mais isso. – ela disse, fuzilando o irmão com o olhar.

Karen voltou a seu discurso.

— Sim, é como Wess disse. Todavia, o Metal-Mãe também pode ser misturado com aço inúmeras vezes e ainda manter seu poder anti-vampiro intacto. Aliás, é por isso que ainda dispomos dele. Mas eu me referia às alterações gerais feitas de tempos em tempos nestas armas. Por exemplo, hoje em dia a maioria delas é composta pela mesma liga.

"Mas a Bloody Rose... É uma das mais antigas que tive a oportunidade de examinar. É até provável que sua forma original tenha sido uma das primeiras a serem forjadas há milhares anos. Apenas isso já a torna especial."

— Ok, todos aqui já conhecemos a sua paixão por seu trabalho. - Kaito interrompeu, erguendo a voz com impaciência. — Mas será que dá para adiantar logo para a parte que tem haver com o incidente?

— Absolutamente tudo, seu imbecil. Quer vir explicar em meu lugar? Acredite, eu tenho coisa muito melhor para fazer do que ficar aqui, gastando com você o meu precioso tempo.

Kaito abriu a boca pra rebatê-la, mas se deteve. Em parte por não ter nenhum bom argumento em mente e outra, porque queria saber logo o ponto daquilo tudo. Ele inspirou fundo, obrigou-se a engolir todas as palavras ácidas que ameaçavam estalar em sua língua e desculpou-se com a pesquisadora, pedindo a ela para prosseguir.

— O Metal-Mãe possui uma aura, emana uma energia especial capaz de repelir vampiros. De certa forma, é quase como se fosse algo "vivo". E quanto mais puro for o metal, mais forte será a energia que a arma emite. Mas a Bloody Rose, além de ser uma arma pura possui mais um detalhe peculiar: seu usuário é um Hunter ex-humano.

"Isso a faz liberar ainda mais energia tanto nos disparos, quanto para se autoproteger de seu mestre. O resultado é um poder tão denso que chega a ser perceptível pelo rastro luminoso deixado após os tiros. Logo, eu suponho ter sido essa mesma energia liberada de forma brusca a responsável por deixar a garota inconsciente. A energia foi descarregada diretamente da cabeça para o cérebro dela. Com o corpo já num estado debilitado, os efeitos foram ainda piores."

Karen silenciou-se por um momento e caminhou em direção a um estreito armário de metal que ocupava a parede dos fundos da sala. Ela abriu uma das portas e pegou sobre a prateleira uma pequena caixa prateada.

— A evidência está aqui... - disse, ao retornar á mesa.

Kaito observou enquanto a pesquisadora removia cuidadosamente a tampa da caixa, revelando um canivete sujo de sangue embrulhado dentro de um saco de plástico transparente.

— Este é o canivete da garota?

— Sim. Mas há algo mais.

Com as mãos devidamente protegidas por luvas, ela retirou o objeto de dentro do saco e o posicionou sob um microscópio. Depois, acendeu uma pequena lanterna e lançou a luz sobre a lâmina.

— Seja lá quem for, ela tem o meu respeito por ter lutado com tudo o que tinha. Veja aqui, são manchas de sangue, dos vampiros que a atacaram. Observe como algumas já começaram a se desintegrar. Em breve as células se transformarão em cinzas.

Kaito analisou a imagem ampliada no aparelho. De fato, ele conseguiu identificar algumas células sanguíneas arruinadas na superfície do metal. —Ah, entendo. Você quer dizer que no momento do disparo ela estava segurando isto. E então, a lâmina acabou absorvendo um pouco da energia da Bloody Rose.

— Exato. - ela concordou com um leve aceno. — Além do mais, é possível que a energia da arma também tenha bloqueado os sentidos de Zero. Isto explicaria a razão de ele não perceber que a garota ainda estava viva, quando provavelmente teria ouvido os batimentos cardíacos dela. Isto é, tendo os sentidos aguçados de um vampiro.

Wesley, que ouvia atentamente as palavras de sua irmã, limpou a garganta e chamou a atenção para si.

— Espere... Há algo que ainda não faz sentido. Ela estava toda suja de sangue quando a encontramos. E isso que você descreveu só aconteceria depois do Kiryuu atirar nela. Antes disso ele certamente conseguiria detectar a presença de um civil. Vocês sabem, por causa do cheiro. E por ele ser um... – o garoto deteve-se, receoso de concluir a frase, embora não tenha sido necessário que ele a terminasse.

Todos ali conheciam a condição crítica de Zero Kiryuu. Ele não era um caçador comum.

— É como eu havia dito anteriormente. O sangue não pertencia apenas a ela, também havia muito dos dois agressores. Com o corpo cheirando a sangue de vampiro, no lugar errado e na hora errada, não é difícil imaginar qual conclusão o Kiryuu deve ter feito. Ou talvez... a resposta possa ser um motivo muito mais simples.

— Do que você está falando, Nyckell?

A mulher estreitou levemente os olhos e seu rosto assumiu uma expressão fria e indiferente.

— Sejamos razoáveis, Takamiya. Alguma vez você parou para refletir que naquela hora, o seu parceiro poderia estar fora do juízo perfeito? Afinal, não podemos ignorar a natureza obscura dele. Ou mais especificamente, o que ele é. - ela respondeu, parecendo não gostar do som das próprias palavras.

E Kaito também não gostou.

Por alguns segundos, um silêncio pesado e desconfortável pairou entre os três.

Ele se afastou da mesa sem olhar para os irmãos e seguiu até a porta.

— Bem, se isso é tudo, já estou de saída. Reportarei isso ao mestre Yagari. Agradeço pela colaboração.

— Ei, Takamiya... Você acha que o Kiryuu vai conseguir sair dessa?

Ele não sabia se tinha mesmo ouvido um duplo sentido nas palavras de Karen.

— Não faço ideia. Mas de qualquer maneira, a punição só será decidida quando o Presidente Cross retornar. Até lá, nada de oficial vai ser dito. E lembrem-se, este caso deve ser mantido sob extremo sigilo. Ninguém mais além de nós, o Comandante e o restante de nossa equipe estão cientes da situação. Não mencionem isto em nenhum relatório, nem falem a respeito com qualquer outra pessoa. Até logo.

E foi embora da sala.

Wesley baixou os olhos para a mesa com uma expressão confusa.

— Qual é o problema, Wess?

— Você não acha que esta situação é um pouco estranha? É só que... No passado, já houve casos onde Hunters optaram por não priorizar os civis em prol do sucesso das missões. Eles foram punidos de maneira justa, é claro.

"Mas boa parte continuou ativa e nunca houve todo esse alarde. Em casos especiais como esse, o objetivo é destruir os alvos para evitar mais caos e mortes no futuro. Essa sempre foi a política da Associação. Eu compreendo como tudo está meio conturbado agora, mas ainda assim..."

O menino voltou-se para o rosto da irmã mais velha.

— O Kiryuu nem sequer fez aquilo de propósito, não é? Foi um acidente e a garota ainda está viva. Então por que o comandante da Divisão Primária está agindo como se fosse expulsá-lo ou coisa pior?

— Simples. Existem outros interesses em jogo. Mesmo aqui, dentro do Quartel general, há muitos membros que ainda não aceitam a presença de Kiryuu na Associação e isso não vai mudar, não importa o quão útil e obediente ele seja ou tente ser. Eu poderia apostar que não veem a hora para conseguirem se livrar dele. E esta pode muito bem ser a grande oportunidade que tanto esperavam.

Karen se virou, ajeitou mais uma vez os óculos na altura do nariz e voltou a dedicar-se a seu trabalho.

— E que fique bem claro: Isto não é assunto nosso.

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Em pé, de frente para a mesa de Yagari, Zero tentava reunir toda sua calma para explicar-se mais uma vez para seu Mestre.

— Eu me precipitei, talvez tenha até me confundindo com o cheiro deles. Fui negligente. Cometi um erro e admito isso. Mas foi apenas quando a retiramos do local que fui capaz de perceber o verdadeiro motivo. Eu não atirei nela só por acreditar que fosse um vampiro. Eu simplesmente não pude discernir que ela era humana.

— Oh! isso é muito esclarecedor. - Yagari desdenhou com uma boa dose de sarcasmo. — Com certeza você será inocentado com uma justificativa tão racional como esta.

— Ainda não está entendendo, Mestre. Aquela garota não tem a aura e nem o cheiro de um ser humano. Não sei como ou o porquê, mas depois que realmente olhei para ela, senti absolutamente nada. É como se aquela pessoa fosse uma miragem.

"Não tem como alguém assim ser apenas um humano comum. O senhor me treinou e ensinou tudo que sei sobre ser um caçador. Acha mesmo eu que faria uma tolice dessas se não tivesse algo muito errado acontecendo?"

Com certo alívio, Zero percebeu que suas últimas palavras pareciam ter provocado algum efeito e que Yagari começou a levar suas declarações um pouco mais a sério.

Passados alguns instantes, o Mestre finalmente se pronunciou.

— Está errado. Eu não lhe ensinei tudo. Você se tornou mais forte, mas ainda há muitas coisas que não conhece. Coisas que você aprenderá apenas por sua própria conta. E nunca se esqueça de que aqui, dentro da Associação, os seus inimigos são muito mais traiçoeiros do que qualquer vampiro que apareça na lista. Use sua força para se defender deles também. Pois você vai precisar.

Em seguida, Yagari inclinou o tronco para trás e acomodou-se melhor no encosto da poltrona de couro. Ele massageou a lateral da cabeça com uma das mãos e relaxou os músculos tensos de suas costas. As mechas de sua cabeleira preta e ondulada caíam-lhe na altura dos ombros, e os fios negros refletiam um brilho quase azul devido a luz emitida pelas luminárias.

E assim que ele apagou seu último cigarro no cinzeiro, e sua face reassumiu aquela habitual expressão de frieza e ceticismo, Zero soube que o Mestre havia dado aquela conversa por encerrada.

— Agora, saia daqui. - ele ordenou, em tom de voz calmo, mas autoritário. — Tenho muita papelada para ler. Ah, e antes que eu me esqueça, você está suspenso até o fim da semana, então seria bom aproveitar e ir para casa descansar um pouco. Você está um lixo."

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