Não conhecia aquele lugar. Mas o seu sorriso suave era tão fantasmagórico que chegava a ser cativante. Bastou um momento pensando nisso e já me vi de pé, à sua frente. Ele sorriu com mais gosto, mostrando todos os dentes.

— Então é assim que funciona?

— O quê?

— Você é uma criatura interessante…

— Não sou só uma criatura. Sou uma criadora!

— Ah sim, feita à imagem e semelhança, blá blá blá. Você sabe mesmo do que está falando?

— Claro que sim! E você, eu conheço bem você. Não vai conseguir mexer comigo. Se tem a resposta é só isso que eu quero.

Ele sorri ardiloso, como se soubesse de toda a minha vida. Como se não ligasse para qualquer coisa que eu pudesse fazer.

— Você não está em busca de uma resposta?

— Acho que você já sabe, mas não sei se é uma boa ideia que a resposta venha de você…

Ele ri com a boca fechada, como se o que eu digo fosse engraçado.

— Não tenha medo. Você sabe que não posso te fazer nada não é?

— Sei…

— E então…

— O que você tem a dizer?

— Na verdade, eu tenho algo para te mostrar.

Ele se levanta andando com majestade. Cabeça erguida e sorriso suave. Caminhando lentamente em minha direção, ele lança um olhar forte mostrando os dentes em um sorriso assustador.

— Por que está sorrindo?

— Porque estou feliz…

— Feliz?

— Sim, sempre feliz em ajudar alguém.

— Aham… - respondo desacreditando.

— Vou te mostrar algo que te fará entender o que você tem visto em suas viagens.

Loki levanta e aponta o seu cetro para o ar. Tudo em volta começa a mudar. Loki mostra o tempo em que os Vikings viviam juntos em suas sociedades ao norte. Eram um povo rico e corajoso. Que vivia de acordo com suas próprias convicções, sem se abalar com os problemas causados pelos outros povos. Pelo menos era isso que Loki quer que pareça, mas eu já sei qual é a dele.

— Os seres humanos sabem muito bem o que os faz felizes. Viver com conforto, sem preocupações, sem ter que pensar muito em decisões difíceis. Com alguém que possa cuidar de tudo para eles. É isto que todos precisam para ser felizes. Já viu quando se dá muitas opções para alguém escolher apenas uma, e ela fica extremamente angustiada por ter de escolher? - aparece a imagem de um jovem em uma festa, olhando para várias garotas, indeciso e inseguro - Porque seja lá qual opção escolher estará perdendo todas as outras.

Evitando responder continuo observando o que ele diz.

— E quando se tem apenas uma opção? - a imagem muda para uma cena de casamento arranjado, os pais da moça a entregando para a família do rapaz, os dois se beijando no casamento, caminhando juntos, sorrindo juntos, com filhos, envelhecendo, idosos de mãos dadas na cadeira de balanço - A vida não é bem mais tranquila para os seres humanos? Só uma opção de almoço, só um caminho para o trabalho, só uma pessoa para dar atenção… Entende o que estou dizendo?

— Não está me dando a resposta que preciso.

— Acho que você entendeu muito bem onde quero chegar.

— Claro que sim… Mas não vou tirar nenhuma conclusão com base no que você diz. Só irei ouvir o que tem a dizer. Sei que tudo o que faz é apenas para si próprio, mas a sua história não é das mais felizes... Não sei como consegue sorrir desta maneira…

— Eu sou um deus! Tenho muitos motivos para sorrir! Mas e aqueles pequeninos lá embaixo? O sorriso deles é realmente verdadeiro? Eles não podem sorrir se não se sentirem seguros, se não se sentirem protegidos por algo muito maior que eles. Se não houver uma magia que os faça acreditar que tudo é possível.

— Você é só um trapaceiro Loki. Se não me disser nada, não há por quê eu estar aqui. Já sei o que quer dizer, mas não é bem assim que funciona.

— Como sabe? Não é você que busca resposta? E não sou eu quem a está dando?

— Você só está tentando me manipular, se é só isso, vou me retirar.

— Espere. Ainda há algo que quero te mostrar.

— Até agora tudo o que me mostrou foi invenção sua. Omitindo fatos importantes, fingindo coisas que não existem, você é só um mágico de circo fazendo os seus truques.

— Ok, então tá. Vou te mostrar só mais uma coisa e você decide se vai acreditar em mim ou não.

Então ele me mostrou cenas horríveis, de pessoas lutando pela liberdade, de chacinas gigantescas, guerras, roubos, terrorismo.

— Isto, é o que os seres humanos fazem quando se sentem livres. É por isso que muitos não conseguem sorrir. Eles podem escolher. Esta, é uma das coisas mais ridículas sobre a existência da humanidade. Eles podem escolher o que farão, e sempre fazem a escolha errada. é por isso que só podem sorrir e ser felizes, quando tem alguém para lhe dizer o que fazer. Por isso muita gente desiste de trabalhar por conta própria, ninguém quer ser o chefe, o líder da própria vida! É tão difícil ter que decidir tudo, não é mais fácil deixar alguém fazer isto? Não é melhor ter um chefe do que ser um? Não é melhor esperar a sua mãe te mandar fazer as suas tarefas ao invés de ficar lembrando? Não é melhor ter a lei te obrigando a fazer o que é certo do que ter que pensar antes de agir? Não é melhor ter o medo te dizendo até onde ir do que arriscar ultrapassar os seus limites? - neste momento eu começara a concordar com ele - Não é melhor esperar que alguém te ordene a ser o que ele quer que você seja, ao invés de viver uma vida miserável em busca de algo que você nunca vai encontrar?

— Chega Loki! - ele sorri, vendo que mexeu com a minha cabeça - Você é egoísta e não dá a mínima para a humanidade! Você só quer satisfazer a si mesmo! Não há por quê a humanidade pagar pelo que você passou. Se você acha mesmo que é um deus, aprenda a lidar com os seus problemas dentro de você!

Ele fica sério, seu olhar entra em fúria. Seu rosto se enche de raiva, como se fosse gritar ou lançar um ataque mortal. Não há mais motivos para estar aqui, sei que sair assim o deixaria mais bravo, mas é que posso fazer agora.

Então fecho os olhos, e novamente estou no meu quarto.

Deixei alguém furioso para trás… Comigo ele não pode fazer nada, mas não dá para eu cuidar de tudo… Como o tempo passa quando estamos viajando!

Já é mais de meia noite, as estrelas ainda estão rindo de mim. Especialmente aquela da direita. A bem brilhante.

É como se ela me dissesse: “Venha, aqui você sorrirá para sempre.” Então para lá eu vou.

Fechando os olhos mais uma vez, vou até aquela estrela, a segunda à direita, e sigo direto neste caminho, até ver a luz do dia.