POV Narradora

Ford demorou quase uma hora e meia até encontrar Julia. A mulher estava a beira de um pequeno filete de água a alguns metros de uma nascente. Ao lado dela havia uma arvore enorme, mais a direita uma menor e, aproximadamente ao meio delas, um tronco caído onde o jovem garanhão castanho estava preso e sobre o qual se encontrava a cela do animal. Cerca de 15 metros a frente havia uma cerca que marcava o final da propriedade dos Johnson’s e o começo da antiga fazenda dos McClean’s.

Julia estava em pé, de braços cruzados e olhando para a cerca. Ford chegou com a égua perto da arvore menor e parou. Ficou olhando para a garota por alguns segundos. Julia estava perdida em pensamentos; tanto que não ouviu o som dos cascos se aproximando. Ford desmontou e, rapidamente, soltou a cela colocando a mesma no chão e prendendo a guia da égua num galho mais baixo da árvore.

Assim que ouviu os passos chegando perto de si Julia acordou de seus pensamentos.

--Vá embora, Johnson. Não quero falar com você agora. Na verdade, poderia ficar sem olhar pra essa sua cara pro resto da vida.

Ford parou de caminhar quando ela falou. Mas não se afastou. Ao contrario; ele continuou encarando as costas dela com um olhar sério e pensativo.

--MAS QUE PORRA!!!!! Vai embora duma vez, caralho!! Não ta vendo que eu quero ficar sozinha, seu imbecil?!?!? – gritou ela irritada se virando pra ele.

Ford continuou calado, apenas a encarando sem expressão alguma.

--O que foi, merda!! – ela falou um pouco alto – Veio aqui pra ficar olhando pra minha cara??

--Não – ele responde calmo e suspira se aproximando dela enquanto continuava a falar – Vim aqui entender o que está acontecendo.

--Não há nada pra você entender – ela retruca irritada – E pode ir parando aí mesmo e dando meia volta. Me deixe em paz, Johnson, antes que eu resolva te expulsar de um jeito pior que palavras.

--Não vou deixar você em paz. Não antes de compreender tudo o que esta acontecendo, ou melhor, compreender todas as coisas que você fez.

--De que merda tu tá falando?!?! Não tem nada pra você entender; você só tem que voltar pra sua casa que antes que perceba eu já vou ter ido embora e sumido de vez da tua vida.

--Não vou deixar isso acontecer – ele fala voltando a se aproximar dela.

Julia puxa o revolver que tinha nas costas e aponta pra ele. Ford para e a encara erguendo uma sobrancelha.

--Vai embora, Johnson. Vai embora ou juro que vou atirar em você – ela fala séria e num tom controlado.

--Atira – ele responde voltando a caminhar na direção dela.

--MAS QUE PORRA!!!! – ela grita irritada destravando a arma e apontando pra ele de novo – Eu vou te dar um tiro, idiota. Dá o fora logo.

--Atira – ele repete a dois passos e para a encarando.

Os dois se encaram. Ele calmo e aparentemente despreocupado e ela irritada e raivosa.

--Some da minha frente, animal. Ta achando que não vou puxar esse gatilho, mas você não me conhece o bastante pra saber do que eu sou capaz ou não de fazer. Só está sem um buraco de bala te agora porque a Tia Jes iria ficar muito irritada comigo, mas senão der meia volta e me deixar sozinha, Tia Jes que me perdoe, mas o filhinho dela vai tomar um tiro – fala Julia estreitando os olhos.

--Você também não sabe nada de mim, McClean. Não tem ideia do que eu sou capaz – respondeu Ford dando mais um passo e fazendo o cano da pistola de Julia encostar em seu peito – Aquela mulher, lia, me disse pra vir atrás de você e me desculpar, mas eu não tenho motivo pra fazer isso. Não que eu não ache que estava errado, porque eu estava, mas porque você também não estava certa. Mas eu vim aqui atrás de respostas e não vou embora antes de consegui-las.

--Que respostas, Ford? – ela fala um pouco irritada, sem abaixar a arma – Você já ouviu tudo o que tinha que ouvir. Se ainda tem perguntas sua mãe pode responder, não precisa ser eu.

--Precisa ser você sim.

--Vai à merda, Ford – falou Julia desviando o cano da arma dele e atirando; a bala atingiu o chão um pouco atrás dele – a próxima vai ser em você, então some logo.

Ford olha pra trás, vendo a marca do tiro no chão e depois volta a encarar Julia. Ele simplesmente suspira e faz uma expressão mais decidida e firme.

--Vai precisar de mais do que isso pra me afastar – diz ele antes de segurar o pulso dela com a mão esquerda e, com a direita empurrar Julia contra o tronco da enorme arvore ao lado deles.

--Hey – grita ela surpresa; nunca teria imaginado aquela reação dele, mas como sua arma ainda estava contra o peito de Ford ela não se intimidou pela velocidade e força do rapaz – Filho de um... Tira as mãos de mim, Johnson, antes que eu decida que meu respeito à Tia Jes não vale te deixar inteiro.

--Atira – ele repetiu de novo, mas dessa vez sua expressão estava irritada, e não calma. Aquilo surpreendeu Julia.

--Acha que eu não faria? – ela pergunta tentando intimidá-lo.

--Ao contrario, tenho certeza de que poderia muito bem já ter me acertado – ele responde deixando-a confusa – Mas quer saber de uma coisa. Eu cansei. Cansei de ficar calmo; de me controlar; de manter a razão. Sinceramente, desde que você me beijou e depois me ignorou como seu eu fosse um nada eu estou com vontade de mandar a razão se fuder. Sabe por quê? Porque eu não consigo entender a lógica e a razão das coisas que você faz. Porque toda noite eu deito a cabeça no travesseiro e fico me perguntando o motivo de você ter feito aquilo. Porque Julia?

--Então tudo isso é só por causa de um beijo, é – ela fala rindo irônica – Não me diga que era seu primeiro e por isso tá assim toda nervosinha.

--Sem piadas. Não vou me deixar levar pelas suas gozações – ele responde realmente não ligando para o que ela disse.

--Escuta aqui seu cowboyzinho metido a interrogador – disse ela apertando mais o cano da arma contra o pescoço dele que ainda segurava tanto a arma quanto ela contra a arvore – Eu fiz cagada vindo pra cá. Admito que deveria ter analisado tudo o que tinha antes de agir. Mas entenda uma coisa: se eu me arrisco o problema é meu; só que nunca foi minha intenção colocar a Tia Jes e voce e todo o resto em perigo. E não vou permitir que outras pessoas fiquem ameaçadas por causa dos meus problemas.

--É problema meu também – ele retrucou pouco se importando com a arma.

--Não – Julia fala irritada afrouxando a pressão da arma contra o pescoço dele – Voce viveu sua vida toda sem ter noção disso, não precisa começar a se preocupar agora.

--Não é esse o problema.

--ENTÃO POR QUE, RAIOS, VOCE CONTINUA ME MANTENDO PRESA CONTA A PORCARIA DESSA ARVORE, CARALHO!?!?!?!?!?!?!?!?!

--Dois motivos – ele respondeu ao grito de Julia com uma voz calma, mesmo que sua expressão ainda estivesse irritada.

--Diz logo a porra desses motivos que daí tu pode me largar, imbecil.

--Primeiro de tudo: eu não acho que você é o que faz os outros pensarem a seu respeito – ele fala e ela bufa de irritação – Mas o que está realmente me incomodando, o que realmente me fez vir atrás de você, é uma coisa que aquela tal de Lia falou – Julia o encara com uma sobrancelha erguida ao ouvir isso – Ela disse que você afasta ao máximo as pessoas para não envolvê-las nos seus problemas; isso me fez cogitar a possibilidade de que quanto mais você se sente próxima de alguém, mais você se esforça para afastar essa pessoa.

--Onde quer chegar com esse discurso tudo? – pergunta ela impaciente.

--Vou descobrir agora – ele fala e a surpreende com um beijo.

Ford a puxa para mais perto pela cintura, sua outra mão continua no cano da arma de Julia que ainda estava apontada para a base do pescoço dele. Julia tão surpresa com o beijo que não consegue raciocinar para afastá-lo a tempo. Quando ela percebe já está correspondendo ao beijo.