A Elfa Escarlate escrita por Koda Kill


Capítulo 23
Uma detenção muito incomum


Notas iniciais do capítulo

No Ronneys em plena detenção? Será que é o fim da linha pra nossa elfinha?



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 Não tinha ninguém ali, éramos os únicos além do garçom do bar. O lugar estava ainda mais mal iluminado que o normal. Ele andou até o fundo e sentou em uma mesa discreta. Me sentei ao seu lado e fiquei em silêncio tentando analisar a situação. Devia ser algo sério se ele havia me levado até ali. Tentei fazer minhas mãos pararem de tremer.

Seria essa minha última refeição? Teria sido eu finalmente descoberta? Engoli em seco tentando conter meus pensamentos. Ele parecia estar escolhendo as palavras, mas antes de falar pediu duas canecas ao garçom. Levantei as sobrancelhas surpresa. Tinha até medo de perguntar. Ficamos em silêncio até que as canecas chegassem e déssemos os primeiros goles.

— Você está preparando minha execução e essa é minha última refeição ou algo assim? - Tentei parecer que estava brincando. Provavelmente não tive muito sucesso e minha voz chegou a falhar um pouco. Tentei tossir para disfarçar.

— Eu quis te trazer para um lugar que você se sinta confortável. Às vezes parece impossível te alcançar dentro da sua cabeça. – Não sabia o que responder a isso, então apenas continuei calada. Ele deu mais alguns goles antes de continuar. Era mesmo reconfortante poder segurar a caneca de bebida em minhas mãos. – Gostei desse lugar também, quando eu estava nos alojamentos da guarda imperial não podia me dar ao luxo de beber com meus subordinados. Tinha que manter a autoridade.

— Parece chato. – Comentei me solidarizando. – Não bebia escondido?

— Acho que nem tinha tempo para isso na verdade. Tinha que estar sempre pronto para o combate. – Era estranho ver a realidade com a qual eu tanto havia sonhado materializada na minha frente em suas palavras e o quanto era diferente da minha vida.

 Pensar que eu imaginei tanto como seria minha vida na guarda imperial e aquela era a primeira vez que eu realmente conhecia alguém que vivenciava isso. Era até um pouco surreal que aquele cara que eu tanto odiava era a personificação do meu sonho.

Olhei de canto de olho para ele enquanto eu bebia. Ele fala de mim, mas muitas vezes consigo pegá-lo com a mente a quilômetros de distância. Não consigo imaginar quantos problemas devem estar circulando pela sua cabeça. Com certeza devem ser problemas muito superiores às minhas questões adolescentes.

Encarei-o discretamente enquanto tentava adivinhar quantos anos ele teria. Será que tinha mais de 100? Será que chegaria a essa idade? Pelo nível da sua habilidade talvez até mais. Eu conseguia ver que ele era um pouco antiquado, não podia ser tão jovem assim. Será que era estranho para ele estar no meio de um bando de adolescentes? Ainda mais se parecendo tanto com um. Ele me pegou encarando e eu tomei mais um gole da bebida para disfarçar.

— Você já esteve realmente na linha de frente? Você nem tem um arranhão... – Mudei de assunto rapidamente. Na verdade eu só precisava preencher o vazio. Meu nervosismos estava nas alturas e meu coração parecia que queria fugir de mim. Ele pareceu ficar irritado e pousou a caneca com força na mesa.

— Não acredite só no que seus olhos veem. – Lhe encarei cética. Do que ele estava falando?

— Tem alguma cicatriz que eu não estou vendo por acaso? – Como eu adoro uma boa ironia.

— Sim, tem. – Que curioso. Será que estava escondida embaixo de sua roupa?

— É em um lugar constrangedor? – Falei rindo da sua cara. Acho que eu estava mesmo surtando totalmente para fazer piada nessa situação. Não conseguia evitar. Ele pareceu ficar ainda mais irritado e virou a caneca deixando o líquido escorrer pelo seu pescoço.

— Você é impossível. – Seus olhos pareciam faiscar. Com certeza ele estava tentando fugir de algo. Ninguém virava bebidas tão rápido assim por esporte. Acredite, eu sei por experiência própria. - Vou te mostrar só para você calar a boca, mas depois não vá ficar assustada. – Até parece. Eu nunca notei nada durante nossos treinos, sua pele era impecável. Para a minha surpresa ele tirou a blusa do nada. Continuava sem nenhuma cicatriz à vista. Senti meu rosto esquentar e tentei evitar contato visual com ele e com o garçom. Ainda bem que estávamos sozinhos ali.

— O que você está fazendo?! – Desviei o olhar envergonhada levantando as mãos trêmulas para tapar minha visão. 

— Só olhe. – Disse com autoridade. Até sua voz ficou estranha. Quando voltei a olhá-lo, puxei o ar com força. 

Seu corpo estava coberto de cicatrizes de uma ponta a outra. Mal tinha espaços vazios. Me inclinei fascinada com sua aparência. Me lembrava dos desenhos na pele de Yuri de certa forma. Sua aparência selvagem era ainda mais forte dessa forma. Confesso que senti um arrepio e um pouco de medo por um segundo. Ele parecia ser alguém muito poderoso e perigoso daquela forma, era realmente intimidador.

Mesmo assim me vi inconscientemente me aproximando dele e tocando sua pele. Como se todo o juízo e preocupação fugisse da minha mente. Era ainda mais bonito que assustador. Que guerreiro incrível era esse sentado bem na minha frente... Minha mente tentava imaginar de onde vinha cada uma delas ou o que causou aquilo.

Ele desviou seu olhar enquanto eu deslizava a mão pelo seu corpo sentindo os calombos das cicatrizes. Eu nunca tinha visto alguém com tantas cicatrizes assim. Eu sei que teoricamente eu deveria achar aquilo feio e assustador. Só que eu só conseguia achar aquilo lindo e fascinante. Sua beleza era mesmo muito exótica.

Estava tão distraída com aquela descoberta que nem percebi o que estava fazendo até que ele segurasse minha mão parando-a enquanto me encarava com o rosto ruborizado. Bom, talvez fosse por conta da cerveja, ele mesmo disse que não estava acostumado a beber. Me afastei rapidamente e ambos bebemos das canecas em silêncio. Quando o olhei novamente, sua pele parecia perfeita de novo e ele vestiu a camisa rapidamente.

— Assustador né? – Disse com um sorriso amarelo tentando tornar o clima mais descontraído e pedindo mais uma caneca.

— Não... – Falei com sinceridade. – Seria muito estranho dizer que é bonito? – Era estranho falar aquelas palavras para ele com sinceridade. E sóbria ainda por cima. Mas era verdade, aquilo era mesmo muito impressionante. Também parecia algo do qual ele tinha vergonha, só que não deveria ter. 

— Sim. - Ele me encarou imóvel enquanto o garçom trazia outra caneca. Eu não sabia como continuar, então apenas bebi mais. Ele também bebeu mais. Dessa vez o silêncio não foi tão desconfortável, estávamos ambos meio imersos em nossos próprios pensamentos, mas bem conscientes da presença um do outro. Acredito que ele não me trouxe para me matar ou já teria falado algo, certo? Resolvi acreditar que sim.

Era estranho me sentir tão confortável bebendo ao seu lado mesmo sem falar nada. Nunca tive um companheiro de bebida ou alguém que eu pudesse simplesmente sentar em silêncio e me sentir bem com isso. Ava não ficava calada nem por ordem divina e além dela, bem...

Não tinha mais ninguém. Nunca consegui fazer muitas amizades no instituto para crianças. E a única que eu cheguei a fazer foi mandada para outro instituto quando chegamos na idade correta. Jurei não me aproximar de ninguém e ficar na minha, mas é claro que Ava não me deu escolha quanto a isso. Ele pigarreou tentando retomar sua linha de raciocínio. 

— Enfim, como eu ia dizendo... Ser da guarda imperial é uma vida que requer muitos sacrifícios. Você acha que conseguiria? - Não respondi. - Porque você está cada vez mais dispersa das aulas, chega bêbada, não foca no que está fazendo nem nos conhecimentos valiosos que estou te passando... Sabe quantos guerreiros gostariam de me ter como treinador? – Sei que tinha um pouco de presunção naquilo. Ele estava certo no que estava dizendo então eu nem conseguia ficar com raiva dele. Tudo aquilo era verdade e eram perguntas que eu mesmo estava me fazendo várias vezes durante os últimos dias. Olhei para o meus pés com vergonha. - Você realmente quer entrar na guarda imperial, ou é apenas um sonho bobo?  – Senti meu rosto ficar vermelho e baixei os olhos envergonhada. Tomei mais um gole antes de responder, dessa vez o silêncio não foi tão confortável. Sentia seus olhos me perfurando com impaciência.

— Eu realmente quero isso. – Não consegui encará-lo. Minha voz saiu meio tremida.

— É difícil saber o que está passando na sua cabeça. – Disse ele frustrado. Bebemos mais um tempo em silêncio antes dele continuar. – Você não vai conseguir um meio termo, se dedicar só um pouco. Ou se dedica totalmente ou simplesmente não vai conseguir. Na verdade, mesmo se dedicando de corpo e alma muitos não conseguem chegar lá. Você acha que vai conseguir sem se esforçar? Sem fazer sacrifícios? - Sacrifício como Yuri, pensei amargurada. 

— Eu sei que você está certo. – Queria conseguir organizar toda essa bagunça da minha mente, mas eu não parecia capaz. Era como se Yuri tivesse roubado minha mente de mim e bagunçado toda a minha vida. Will bebeu mais da sua cerveja e suspirou. Ele sabia que tinha algo acontecendo, dava para sentir. Mesmo que eu tentasse esconder com todas as minhas forças. Minha vida dependia disso, afinal. Ainda assim não era o suficiente. Minhas emoções sempre acabavam ganhando e isso era muito frustrante. Me pergunto se algum dia eu realmente conseguirei dominá-las ou se vou morrer tentando.

— Como eu já te disse antes, você tem potencial para entrar. Eu consigo ver. Mas não dessa forma. – Tentei não demonstrar surpresa. O flash de memória era real. Será que a outra parte também? Ele deu uma pausa deixando aquela informação descer. Bebemos mais um pouco em silêncio e pedimos outras canecas. Era estranho ver o Ronneys totalmente vazio. Geralmente tinha pelo menos um bêbado jogado no balcão. Acho que demos sorte. Talvez por isso ele estava se permitindo beber tanto. – Porque não me conta o que está acontecendo com você? Talvez eu possa te ajudar, como seu treinador é claro. – Senti meus ombros caírem em desânimo, eu não podia contar que estava apaixonada por um humano. – Você já sabe alguns segredos meus não é verdade? Vou guardar os seus também. – Me mexi desconfortável na cadeira e tomei mais um gole procurando as palavras. Eu podia sentir sua ansiedade e frustração, sua energia era muito forte.

— Você já se apaixonou antes, professor? – Isso o pegou de surpresa. Ele pareceu nervoso brincando com suas mãos ao redor da caneca.

— Não estou certo de que sim ainda. – Olhei para ele que se recusava a me encarar. Será que ele gostava de alguém? Era difícil imaginar. Talvez as ninfas tenham conseguido flertar bem. Ele disse que não era acostumado a ter pessoas ao seu redor. Imagino que também não era acostumado a ter mulheres flertando com ele tão intensamente.

— Sinto que vou ficar louca. – Suspirei frustrada. Ele não parecia saber ao certo como ajudar.

— Eu entendo o sentimento. – Disse com um sorriso triste que não chegava até os seus olhos. Também sorri com alguma tristeza e brindamos à isso. Era bom aliviar um pouco aquele grande segredo, sentir que alguém conseguia me entender. Estava tão cansada de aguentar tudo sozinha. Parecia um peso gigante nas minhas costas. Eu queria muito conseguir mudar o que eu sentia. Como, era a grande questão. Acho que preferia continuar apaixonada pelo idiota do Cadman.

— Está gostando mesmo de alguém? - Falei rindo só de imaginar Will apaixonado. Ele não disse que sim, mas também não negou, o que deixava a resposta bem clara. - Você está certo no que disse, preciso matar esse sentimento. Mas como? – Perguntei sem esperanças, senti meu olhos ficarem um pouco úmidos. Eu odiava me sentir impotente, era o pior sentimento de todos. Sentia que ele tirava todas as minhas forças e esperanças.

— Eu também gostaria de ter essa resposta. – Disse bebendo mais da sua caneca. Ele estava bebendo bem rápido para alguém que não tinha costume de beber. Parecia frustrado, será que estava mesmo gostando tanto assim de alguém também? Will parecia estar se torturando com algo. Era engraçado pensar que de todas as pessoas seria ele a me entender. Sendo tão diferentes estávamos em uma situação parecida. Será que era algo proibido também? Pela primeira vez ele parecia vulnerável, o que me fez dar uma trégua em todo o ódio que eu sentia por ele. 

— Você devia contar a ela. Tirando pelo instituto tenho certeza de que ficaria feliz de ser sua. – Disse tentando consolá-lo. Ele bufou e deu uma gargalhada.

— Não ela. – Ele ficou calado com um olhar triste, não sabia mais o que dizer. - Eu acho que ela gosta de outro cara. - Amor não correspondido era… difícil. Acho que até o mago da guarda imperial tem sentimentos, afinal. Ele balançou a cabeça e espantou os pensamentos. – Vou te ensinar algumas técnicas para limpar e dominar a mente. É claro que isso não vai matar os sentimentos. Mas vai te ajudar a focar nas aulas.

— Isso seria muito bom – Falei tomando mais um gole.

— Mas só farei se você der sua palavra que vai começar a se dedicar de verdade. – Seu olhar intenso me pegou desprevenida, ele não estava brincando. Apenas acenei com a cabeça e bebemos mais. Dava para perceber que ele estava ficando bêbado. Não que eu me importasse com isso, mas era uma situação estranha. Beber confortavelmente com o cara que eu mais odeio no instituto. Aquilo estava mesmo acontecendo? Em plena detenção? Me pergunto quem realmente estava precisando mais daquilo. Eu ou ele. Pela velocidade com que ele estava bebendo eu tinha minhas suspeitas.

 

Essa é a representação mais fiel do Will até agora :*


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Notas finais do capítulo

Eiiitaaaaaa? O que acharam? Fariam o Will? kkkkkk zoando. Deixa um comentário pra alegrar meu dia ^^



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