Lucinda Price

Eu já não sonhava mais com o anjo, agora eu estava em um campo com a grama mal cuidada, lá longe eu podia ver luzes douradas e brancas se misturando de forma sublime pelo céu, uma poeira esquisita também tomava conta do lugar dificultando minha capacidade de enxergar com clareza o que era aquilo.

Mas da mesma forma que tudo começou, acabou no segundo seguinte. Eu continuava estática, apenas observando o que se sucederia a partir daquele momento, apesar de que no fundo eu podia sentir que iria descobrir algumas coisas não tão agradáveis.

E como eu planejava, de fato aconteceu, não muito longe eu pude ver dois homens altos vindo em minha direção, um de cabelos loiros e olhos violetas, e outro de cabelos negros e olhos verdes, o segundo me lembrava tanto Cam que eu acabei arfando no sonho.

Eles estavam tão próximos que eu podia muito bem querer tocá-los e pedir explicações, mas algo ou alguém sacudia meu corpo, me obrigando a voltar para a realidade.

—Tudo bem, você não está morta, não entre em pânico Ariane, sua amiga só dormiu quinze horas seguidas, não entre em pânico. – A baixinha andava de um lado para o outro do quarto, poderia muito bem atravessar os tacos de madeira a qualquer momento.

Mas esperem! Dormi por quinze horas seguidas?! Mas que merda é essa que está acontecendo comigo?!

—Ariane?! – Bocejei.

—Ah graças ao...bem, que você finalmente acordou, fiquei preocupada mocinha, não sabia que dormia tanto. – Ela se sentou na cama cruzando os braços.

—Desculpe, eu também não fazia ideia de que eu dormia tanto assim, na verdade é a primeira vez que isso acontece. – Suspirei envergonhada.

—Sério que você não sabia disso?! Digo, as pessoas costumam saber quando dormem demais. – Ariane pareceu um pouco confusa com suas próprias ideias. – Ah, não importa, levanta esse bumbum da cama e vai se arrumar, temos aula com a Srt. Sophia agora e não estou a fim de me atrasar, já tenho detenções demais.

O jeito como a morena falava me lembrava muito ao de Callie, quantas saudades eu tinha da minha amiga, queria tanto poder conversar com ela, contar como está sendo viver trancafiada em um lugar onde todos os adolescentes perigosos se encontravam, e por falar nisso, o que a baixinha poderia ter feito para viver nesse lugar?! Ela parecia tão inofensiva...ou seria somente um disfarce?!

Resolvi que descobriria isso mais tarde, tratei de me levantar da cama e ir direto para o banheiro onde tomei um banho gelado e coloquei roupas pretas e confortáveis.

Fiz o restante da minha higiene matinal e sai do cubículo que era o banheiro.

—Que matéria essa Srt Sophia dá? – Perguntei enquanto pegava minhas coisas.

—Educação Física. - Disse Ariane alheia a tudo.

Ah que maravilha, vamos começar com o pé esquerdo então. Eu só tinha habilidade para natação, nos demais esportes eu era um verdadeiro terror.

—Está pronta?! Podemos ir?! – Ela perguntou e eu assenti. – Então vamos, tem algumas pessoas que querem te conhecer.

Saímos do meu quarto e seguimos para o refeitório, iríamos tomar café primeiro antes de irmos para a aula.

O lugar não era ruim mas estava longe de ser o melhor daquela instituição. Aos poucos eu podia ir notando o público ali presente. A maioria tinha tatuagens e usavam piercings e tinham um olhar ameaçador.

Já estava começando a achar que iria sofrer e muito se eu não me adaptasse ao ambiente urgentemente.

—Oi, você é a Lucinda Price não é?! – Uma garota loira e toda maquiada surgiu no meu campo de visão.

Patricinhas tinham licença para matar e eu não to sabendo?!

—Isso, mas me chame de Luce. – Falei educadamente.

—Me chamo Gabrielle, mas prefiro que me chamem de Gabbe. – Ela sorriu mostrando uma carreira de dentes perfeitos e brancos o que ajudava a dar destaque no batom rosa choque que ela usava.

Algumas patricinhas pareciam ser legais.

—Hey, também quero me apresentar a bonitinha ai. – Um rapaz moreno e sorriso esperto apareceu na pequena rodinha que havia se formado ali. – Meu nome é Roland, se precisar de qualquer coisa eletrônica ou de remédios, pode me contatar que eu arrumo para você, e quando eu digo remédios eu estou incluindo maconha e derivados também. – Apertou minha mão e piscou para mim.

—Ahn...muito prazer Roland, mas além de drogas...que tipo de coisas você tem o costume de trazer para cá? – Perguntei um pouco retraída.

O rapaz já estava pronto para falar mas Ariane entrou na conversa.

—Nosso amiguinho aqui costuma ter contatos externos que nos fornecem cigarros, bebidas, camisinhas, drogas, celulares, enfim, coisas que custariam a nossa estadia aqui caso alguém nos pegue com esses brinquedinhos, então por favor Luce linda, fique caladinha. – A pequena pediu.

—Tudo bem, não vou falar nada. - Eu disse me encolhendo.

Após meu pequeno e sucinto momento de interação com o mundo, nosso pequeno grupo que havia acabado de se formar se dirigiu a uma mesa central do refeitório onde sentamos e começamos a conversar.

Ari e Gabbe conversavam sobre garotos enquanto Roland me mostrava os contatos dele através de um celular que eu tinha quase certeza que era traficado de algum ser humano desconhecido.

Contudo, meu foco não estava naquela conversa, mas sim no garoto loiro de olhos violetas que me encaravam com pesar, aqueles olhos tão familiares...

Seria ele quem eu estou pensando que era?! Não, não é possível, como eu poderia sonhar com um cara que eu jamais havia visto em toda a minha vida?!

—Ariane, quem é aquele garoto de olhos violeta ali? – Interrompi o papo árduo entre as duas amigas

Ariane congelou, ficou alguns minutos quieta e depois disse devagar.

—Aquele é... – Engoliu seco.

—Aquele é... – Incentivei quase roendo as unhas de ansiedade.

—Daniel Grigori, fique longe dele okay?! Não converse com ele, não olhe para ele, não cruze com ele, fui clara? - Disse Ariane séria.

—Mas porque?! Ele tem namorada ou algo do tipo? – Perguntei rindo um pouco.

—Antes fosse isso minha querida, agora chega de perguntas, vamos para a aula. – Ela desconversou dando o assunto por encerrado.

Daniel Grigori

Vê-la não me deixou muito bem das ideias. Eu tinha um objetivo que era ficar longe e deixá-la viver uma vida normal com quem ela quisesse, mas quando eu a vi ali, tão linda, sorridente e vulnerável, eu esqueci completamente de tudo e apenas sustentei seu olhar ao meu, estávamos tão próximos, contudo Ariane me fez cair na real no momento em que puxou Luce para fora do meu campo de visão, eu estava novamente colocando tudo a perder.

Eu tinha total certeza de que teríamos aula juntos com  Srt. Sophia, e compreendia perfeitamente que eu não deveria estabelecer nenhum tipo de contato com ela, seja ele visual ou não.

O ginásio (igreja) estava totalmente abarrotado de adolescentes delinquentes loucos para fazer farra, mas o que me prendeu a atenção não foi isso, e sim a figura de Lucinda próxima a piscina conversando com Cam.

Eu não sabia se ele já havia notado que Luce é a minha Luce. Mas o ódio que corria em minhas veias naquele instante me fez repensar se aquele plano maluco de ficar longe e deixar que ela se fosse novamente, e agora com meu pior inimigo, era a melhor alternativa.