Lucinda Price

Eu não sabia ao certo por quanto tempo ficamos sobrevoando as dependências da Sword and Cross, mas eu sabia que era tempo o suficiente para notarmos o sol se pondo no fim das montanhas.

Daniel planou um pouco mais baixo, ainda com suas mãos firmes em minha cintura, e logo aterrissamos novamente na campina.

—Lucinda, espero que agora tudo esteja acertado entre nós. – Segurou meu rosto gentilmente. – Sei que tudo isso é bizarro, mas acredite, com o tempo tudo ficará mais fácil para você...para nós.

—Não precisa se preocupar com isso. – Sorri gentil. – Na verdade, estou envergonhada por ter tido uma reação tão...infantil. Eu precisava organizar minha cabeça e ter certeza que eu não estava pirando.

Daniel assentiu me analisando. Ele parecia querer extrair alguma coisa de mim, como se eu fosse algum tipo de enigma que ele precisava decifrar para decidir o que dizer, e de certa forma, ele parecia ter decifrado.

—Você foi procurar Cam ontem, não foi? – Sua pergunta soou mais como uma afirmação e eu, naturalmente, senti o pelo das minhas costas se arrepiarem com sua constatação.

—Como...? – Deixei a pergunta morrer no ar, já estava sendo culpada o suficiente para dizer qualquer outra coisa.

—Digamos que Ariane andou conversando comigo nas últimas horas, e você sabe que ela não aguenta segurar nada naquela língua. – Daniel revirou os olhos. – Ademais, eu sou um anjo e sinto quando você está com outro...anjo.

As palavras de Daniel caíram como um baque em minha cabeça. Precisei piscar umas três vezes para processar o que havia acabado de me ser dito.

—O que exatamente você está querendo dizer com isso? Digo, você está falando que Cameron é um anjo? – O olhei um tanto quanto aflita.

—Não no sentido literal da palavra...não desse jeito, Luce. – Daniel soltou um longo suspiro, parecia cansado.

—Estou aberta para ouvir as suas explicações quanto a isso. – Cruzei os braços, ansiosa.

Daniel encarou-me por alguns minutos e permaneceu em silêncio, ele sempre fazia isso quando não queria falar sobre determinado assunto.

—Fala sério, Daniel! – Bufei. – Não minta para mim! O que quer que você diga sobre Cam não será surpresa alguma para mim.

—Tudo bem...vamos lá. – Daniel soltou um pigarro e segurou minhas mãos. – Cam é um anjo, mas não como eu, na época da queda ele escolheu o lado rebelde, escolheu o lado de Lúcifer...o resto você já pode ligar os pontos.

Senti a palma da minha mão suar frio, eu sabia o que aquilo queria dizer, e sabia também que aquilo era possível, mas eu ainda não entendia o motivo de estar tão assustada.

—Cam é um demônio. – Foi o que saiu da minha boca no segundo que me despertei do meu pequeno transe.

Daniel assentiu coçando a cabeça.

—Você disse que ele fez uma escolha, qual foi a sua? – Questionei tentando tirar a imagem de um Cam ao lado do Rei do Inferno da minha cabeça.

—Não escolhi nenhum lado, eu escolhi você e sempre vou escolher. – Encarou-me com seus olhos violetas, firmes.

—Essa não vai ser nem de longe a pergunta mais idiota que vou fazer, mas mesmo assim eu preciso fazer, existem mais quantos anjos aqui na Sword And Cross? – Arqueei as sobrancelhas, já com medo da resposta.

—Bem, contando comigo, com Ariane e com o Briel, ao todo somos seis anjos. – Daniel deu de ombros com as mãos no bolso.

Tudo parecia se encaixar naquele momento. As investidas de Ariane em me manter longe de Cam. A forma como ele e Daniel pareciam se estranhar a cada olhar que trocavam na sala de aula. Aquela rixa era de anos, séculos, e eu estava no meio daquilo, eu beijei um demônio!

—Luce? – Daniel chamou minha atenção pela quinquagésima vez naquele dia.

—Ah, sim, desculpe! – Balancei a cabeça um pouco abalada.

—Acho melhor voltarmos para o reformatório. – Falou mirando o céu.

—Claro. – Concordei. – Mas só aceito se for em grande estilo. – Falei me referindo ao nosso pequeno vôo.

Daniel deixou um sorriso brotar de seus lábios e rapidamente tratou de unir nossos corpos novamente. Abriu suas majestosas asas e alcançamos vôo novamente, dessa vez em silêncio, cada um munido de seus próprios pensamentos. Mal percebi quando de fato chegamos no solo do reformatório.

Ajeitei minha blusa preta e meus cabelos, estava preparada para dar meia volta e ir atrás de Cam.

—Lucinda? – Daniel me chamou e eu o olhei. – Parece estar com pressa, onde vai?

—Preciso resolver algumas coisas. – Respondi de um jeito evasivo. Não estava pronta para contar exatamente tudo o que havia ocorrido com o Briel na noite anterior, estragaria tudo.

—Tudo bem, nos encontramos depois. – Daniel beijou minha mão.

Assenti selando nossos lábios em um beijo simples. Eu queria poder ficar um pouco mais e desfrutar da companhia de Daniel, mas eu precisava acertar os ponteiros antes que a coragem fosse embora.

Confesso que achar Cameron não havia sido uma tarefa fácil. Sword and Cross era incrivelmente grande e propício a fazer qualquer um se perder no meio daqueles imensos corredores sem fim. Mas foi somente no cemitério, que eu de fato encontrei aquele par de olhos verdes esmeralda.

—Cam! – O chamei de longe.

Automaticamente, seus olhos me focalizaram em meio a névoa do cemitério, e com um gesto animado, veio até a mim.

—Luce! – Abraçou-me apertado.

Afastei-me sem hesitar e, com isso, recebi um olhar curioso.

—O que houve? Algo com o Grigori? – Arqueou a sobrancelha definida.

—Sim, ele me contou sobre tudo, ele me contou a verdade. – Cruzei os braços.

—Oh, então ele deve ter contado a velha história da queda para você! – Cam mordeu o lábio inferior achando graça daquilo.

—Vamos parar de agir como se isso fosse uma piada. – Cuspi. – Eu sei quem você é.

—Ah, você sabe? – Ele sorriu maliciosamente. – Então diga em alto e bom som.

—Você é um demônio. – Falei engolindo em seco.

—Uau, como ela é esperta! – Cam explodiu em uma gargalhada. – Como se sente sendo a deusa da esperteza?

—Não me interessa nada que saia da sua boca, só fique longe de mim. – Pedi já me virando de costas para ele.

Contudo, para o meu azar, Cam impediu que eu prosseguisse parando em minha frente.

—Espera! Só quero que você saiba que o Grigori jamais será o bastante para você, Lucinda. – Segurou meus ombros gentilmente.

—Então quem seria? Você? Devo começar a rir agora ou depois? – Ironizei me livrando de seu toque e voltando a caminhar.

—Ele não vai te fazer feliz! – Eu ainda pude ouvi-lo gritar.

Não me importei com as palavras proferidas pelo demônio, eu tinha certeza sobre meus sentimentos, tinha certeza de meu amor por Daniel, e tenho certeza que esse sentimento era recíproco.