Carmilla escrita por camila schwert


Capítulo 9
Acusado - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Wooooo! Voltei! Levei horas pra escrever o final do capítulo, na intenção de não deixar ele sem graça e/ou monótono. Espero que tenha dado certo - me digam se ficou bom. Boa leitura :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/372201/chapter/9

O caminho até o condomínio foi dolorosamente lento, como se as outras pessoas que estavam dirigindo também soubessem da descoberta da garota e quisessem que ela mantivesse a boca fechada. Mas ela estava determinada a acabar com aquela brincadeira o mais rápido possível. Todos estavam falando do maldito processo que envolvia os Montgomery, e ela queria saber o que tinha de tão importante, e queria saber a razão pela qual Lucian não havia lhe dito que fazia parte da família do acusado. Ela não se importava, na verdade – queria apenas vê-lo se sentir desconfortável à sua frente; queria que ele se sentisse, no mínimo, enjoado. Mas acima de tudo queria uma desculpa para não ter que falar com ele. Não queria continuar essa brincadeira enjoativa e doce, que era aguda demais. Ela estava com tanta preguiça disso tudo. Esse constante descontentamento com tudo, com todos... isso a estava deixando nervosa. Ela não queria mais nada novo, nenhum outro garotinho que pudesse tirar a sua atenção. Era só ela. Sempre fora. Já estava na hora de Lucian cair fora.

Enquanto ouvia o ritmo alucinado de “The way we talk” batucando os dedos no volante, o trânsito começava a fluir, de modo que agora ela conseguia dirigir em um ritmo aceitável pelas ruas largas da cidade lotada. A chuva havia aumentado, os limpadores do para-brisa entortando contra a força da água enquanto realizavam seu trabalho. A noite caíra, o céu estava escuro e, obviamente, as estrelas e a lua não eram visíveis. Um pequeno engarrafamento se formou perto da avenida principal, mas ela conseguiu contorná-lo, entrando em uma ruela indicada pelo GPS. Enquanto estava estacionando no subsolo sentiu-se ligeiramente protegida, uma proteção inocente, como quando era criança e abraçava o pai. Agora o abraço não lhe trazia tanto conforto.

A subida para o apartamento foi irritantemente lenta, mas ela conseguiu estruturar uma ideia na cabeça, algo que ela mesma não compreendia totalmente, mas de alguma forma sabia que era o certo – e no meio de tanta besteira, de tanta futilidade ao seu redor, ter certeza de algo era uma vantagem e tanto. O silêncio do elevador era bom, mas o aroma das pizzas equilibradas em seu braço direito a estava deixando tonta. Ela podia ver seu reflexo nas portas metálicas, um reflexo distorcido e quase incolor, mas ela via algo ali, algo que mais ninguém conseguiria ver. O cabelo bagunçado e úmido, a lateral totalmente raspada de maneira grotesca, o rímel borrado por causa da chuva. Aquela visão lhe trazia lembranças impróprias das quais ela queria manter a maior distância possível, mas as memórias vieram mesmo assim, contrariando sua vontade. Ele sorria, a luz do sol entrando pela janela do quarto e iluminando seu rosto, fazendo dele o ponto mais iluminado do recinto. Estava sentado, a camiseta preta justa nos braços e ombros, os músculos fortes. Puxou o cobertor e deixou-o cair apenas na cintura bem contornada dela, o piercing no umbigo brilhando na luz natural. Carmilla virou a cabeça para o lado enquanto ele beijava seu pescoço, assistindo-o através do espelho enorme na parede. Ele se movia como uma pantera, pronto para atacar sua presa. Fechou os olhos e sentiu as mãos dele ao redor de seus ombros, o cobertor caindo da cama, as mãos dela subindo a camiseta dele, seu aroma adocicado cada vez mais próximo dela...

Com um estalo as portas se abriram e ela saiu tropeçando da porcaria do elevador, caminhando pelo corredor bem iluminado com as pernas dormentes. Abriu a porta com um chute e colocou as caixas de pizza em cima dos milhares relatórios do pai. Ninguém se importaria. Enquanto procurava por um maldito copo na cozinha, ouviu passos extras – não era apenas o pai que estava em casa com ela, claramente. Segurou o copo colorido com mais força entre os dedos, sentindo um pavor absurdo crescer no peito. Virou-se, deixando o copo vermelho cair da mão assim que viu o visitante. Era ele. O moreno mais velho, de aparência egocêntrica. Ela esperou ouvir o estalo do copo quebrando ao chão, mas não ouviu nada – seria por causa do zumbido em seus ouvidos? Ela não fazia ideia. Mas ele sorriu para ela – um sorriso sem razão, a não ser que ele estivesse zombando dela por ser tão nervosa – com os dentes perfeitamente alinhados, os cabelos escuros para trás como da última vez que ela o vira. O medo dele ainda era o mesmo, porém ela não fazia noção das razões pela qual tinha tanto receio para com ele. Seus instintos estavam zunindo, um alerta vermelho piscando enlouquecidamente em sua mente. Havia algo de errado nele, isso ela sabia, mas não havia motivo algum para isso. A não ser que ela tivesse alguma fobia envolvendo homens mais velhos extremamente sensuais com um senso de moda apurado. Então, repentinamente, ele ergueu a mão incrivelmente branca para ela e lhe estendeu o copo colorido, o objeto equilibrado na ponta dos dedos. Seu sorriso tornou-se ainda mais fatal, e ela teve que prender a respiração para não suspirar.

Cuidado com isso. Não queremos ninguém sangrando, não é? - Ele disse, e em seguida colocou o utensílio atrás dela, na pia. Ela ouviu o pai falar algo sobre o sabor das pizzas na sala, e então o homem até então desconhecido saiu dali.

– Ah, então vocês já se conhecem. - Alex disse, e o amigo sentou-se no sofá. Era incrivelmente refinado, até mesmo ali, no meio daquela papelada desorganizada que estava espalhada pela casa toda.

– Na verdade não. - O homem disse, a voz gutural. Alex abriu uma das caixas de pizza e começou a comer, depois abriu uma lata de cerveja e bebeu.

– Este é Armand Montgomery. Armand, minha filha: Carmilla. - A apresentação foi feita, e então Armand sorriu para ela amigavelmente enquanto ligava a televisão.

O estômago dela embrulhou. Sem conseguir fazer outra coisa, ela apenas caminhou automaticamente até o quarto, sem sentir os pés tocarem o chão. Trancou a porta atrás de si e escorregou para o chão, colocando as mãos no rosto. Que grande bosta! O acusado tinha mesmo algum nível de parentesco com Lucian - ela ainda não sabia qual era, e não estava com vontade de descobrir. Apenas ficou ali, parada, enquanto a chuva continuava forte do lado de fora e ela se sentia cada vez mais gelada por dentro.

Desde criança, ela havia aprendido o que era certo e errado: na escola, em casa. Quando crescera apenas decidiu não obedecer todas as regras impostas à ela, mas também não estava decidida a quebrar todas. Pelo que sabia até então, o tal de Armand era acusado por assassinato e tortura – e agora ele estava assistindo a CNN a poucos metros dela própria. O ar escapou de seus pulmões. Que porra de homem era aquele que o pai estava defendendo? Ela não fazia a mínima ideia de como os dois se conheceram, não sabia o por quê do pai ser o advogado de defesa. Amigos de infância? Com certeza não; ela conhecia todos os amigos de infância do pai. Aquele homem era diferente demais dos amigos com quem o pai mantinha relações de verdade – com certeza era só um cliente. Mas ela estava com medo, um medo primitivo que não compreendia bem, que fechava sua garganta impedindo-a de falar. Ela apenas continuou com a face entre as mãos, parada no quarto escuro, com os pensamentos totalmente alucinados. Então alguém tocou seu ombro, e um grito se formou na garganta, mas ela foi impedida de deixá-lo sair, pois a mesma mão que tocara seu ombro um segundo antes agora estava cobrindo sua boca. Ela caiu para o lado, as costas no chão, batendo a cabeça com força. Sentiu uma tontura fraca proveniente da queda, e de praxe um raio brilhou no céu escuro da noite, iluminando o quarto por tempo suficiente para que ela visse seu agressor. Ela viu o brilho forte nos olhos escuros dele, olhos de um tom tão grave que ela poderia reconhecer em qualquer lugar. Lucian.

– Shh. Fique quieta. Ninguém quer ouvir seus gritos, não é? Vem aqui. - Ele a puxou com força pelos braços para fazer com que ela ficasse de pé. Ele vestia uma camiseta azul e uma jaqueta preta de algum material que claramente não era couro. Deixou a boca dela livre, mas não largou seus braços, que segurava com uma força desnecessária.

Ela ficou subitamente nervosa, como se soubesse que ele estava portando uma arma e tivesse total certeza do que ele faria a seguir - ou só estava nervosa demais por causa de Armand. Ela jamais havia conhecido nenhum dos clientes do pai, culpados ou não por seus crimes, mas esse homem... ela tinha certeza de que ele havia feito alguma coisa muito ruim apenas pela sensação agonizante que tinha quando estava perto dele. Lucian a puxou sem leveza alguma para perto da cama, mas ela não fez menção alguma de sair do lugar, ou se mover. Apenas encarou Lucian com um olhar insolente, típico dela, e esperou que ele fizesse algo. Por fim, ele se sentou na cama, com ela à sua frente de pé. Ele não havia soltado os braços dela, trazendo o aperto para seus pulsos.

– Preste atenção, está bem? - Ele disse, o tom de voz baixo. Ainda não havia soltado-a, de modo que apenas a puxou mais para perto dele, fazendo-a sentar-se ao seu lado na cama. Carmilla tremia, sem ter nenhuma reação racional. - Eu não posso ficar contigo. Veja, eu tentei te dizer isso antes, mas você simplesmente virou as costas... eu não queria que fosse tão difícil, porque eu acho que você vale mesmo a pena, e eu estaria disposto a muita coisa pra ficar contigo, mas... não dá. Não podemos. Eu queria poder lhe explicar tudo, mas você não quer saber a verdade.

– Eu só quero saber o por quê de um cara com o mesmo sobrenome que o seu estar na minha sala. - Ela finalmente se pronunciou, fazendo-o se remexer na cama, desconfortável. Lucian ficou um bom tempo sem pronunciar uma única palavra, apenas fitando o vazio e irritando a garota ao seu lado profundamente. Ele passava os dedos pelos pulsos dela, um movimento involuntário que ela só deixou que ele realizasse porque, de certa forma, era reconfortante. Por fim, ele suspirou. Olhou para ela e chegou mais perto, perto o suficiente para ela sentir a respiração dele em seu próprio nariz.

– Ele é meu pai. - Lucian disse, baixando a cabeça em seguida. Ele não olhou para ela enquanto falava. - Ele está sendo acusado... você já deve saber do quê. Seu pai é nosso advogado e portanto eu não deveria continuar lhe vendo, muito menos lhe convidando para festas na nossa casa. É contra as regras... se alguém da promotoria de acusação ou algum dos jurados ficar sabendo, pode comprometer o resultado do julgamento.

– Ele fez mesmo aquelas coisas? - Ela perguntou. Não queria saber de verdade, mas já que ele estava sendo sincero com ela, não custava nada perguntar. Ele foi caindo na cama, deitando involuntariamente, e logo ela caiu também, pois ele ainda não a tinha largado.

– Eu não sei, Carmilla. - Ele disse, quando os dois já estavam deitados, lado a lado. Ele estava incrivelmente gelado, ela percebeu, com não só as mãos que a seguravam frias, mas todo o resto do corpo, que, por acaso, estava tocando o dela. Uma sensação incrível de cansaço a tomou de repente. Seus olhos foram caindo, lentos e pesados, fechando-se antes que ela pudesse formular uma próxima pergunta.

– Lucian... - Ela conseguiu sussurrar, antes de cair na inconsciência num sono profundo que não seria interrompido tão cedo.

Ele odiava ter que fazer isso com ela, mas não havia escolha. Suas perguntas estavam se tornando astutas, bem formuladas, e logo ela iria querer saber mais e mais... ele conseguiu mentir, dizendo que não sabia de nenhum dos crimes do pai - uma mentira que tentava dizer à si mesmo havia anos. Foi difícil dizer isto a ela, falar em voz alta tamanha mentira, quando tudo o que queria era gritar a verdade para ela, dizer-lhe tudo sob sua perspectiva para que ela pudesse compreender as razões por trás de seus atos, mas não era tão simples assim. Ele teria que explicar tudo com tempo, com paciência, e agora não havia nenhum dos dois. Provavelmente Armand já havia sentido sua presença ali, portanto ele tinha que ser breve - por isso a fez dormir tão profundamente: para impedi-la de saber de uma verdade grotesca que nem ele mesmo suportava. Só queria ficar ali mais uns poucos minutos, apreciando o toque da pele dela, tão quente na dele que o corpo dele próprio quase ficava morno. Era difícil para ele ficar ali, mantendo-a desacordada por meio da maldita hipnose. Ele detestava a si mesmo por ter feito algo tão ruim. Portanto, deixou que ela acordasse, abrindo os olhos lentamente, sem largar os pulsos dela em momento algum. De repente, ambos estavam hiperconscientes da presença um do outro, e um desejo incontrolável tomou conta dele.

– Carmilla... - Ele começou, se remexendo novamente na cama, agora não por se sentir desconfortável, mas por se sentir bem demais. Apertou mais os pulsos dela, e quando esta gemeu de dor, ele pulou rapidamente, como uma pantera, para cima de seu corpo magro. Fechou mais o aperto das mãos nos pulsos dela e a beijou, com força, tão intensamente que ela não tinha mais o que fazer se não retribuir o ato. Seus dedos se encontravam através dos pulsos dela, de modo que ele os soltou, apenas para sentir as mãos dela em seus cabelos, puxando-o para baixo, para ela.

Ele próprio tirou a blusa dela, beijando cada espaço de seu tórax, mordiscando o piercing do umbigo. Isso só a fez puxar seus cabelos com mais força, trazendo-o para cima. Ele a beijava com vontade, verocidade, pressa. Era como se aquele fosse o último beijo que ele daria nela, e talvez fosse. Ela cravou as unhas em suas costas, o suficiente para fazer pequenos cortes que despejavam sangue, e tirou a camiseta dele junto com a jaquela sem hesitar. Logo, ele estava tirando o cinto da calça, ainda sem interromper o beijo árduo. Ela mordeu a boca dele, sem querer, quem sabe, mas foi o suficiente pra deixa-lo ainda mais alucinado. Ela abriu o zíper da calça jeans dele, e ele fez o mesmo com ela. Ambos estavam enlouquecidos demais para pensar em outra coisa; Carmilla baixou mais a mão esquerda até toca-lo por inteiro, grande e incrivelmente firme. Ela sorriu entre o beijo, e fechou mais a mão em torno de sua ereção, e então ele a mordeu.

O pescoço dela estava exposto, o cabelo todo para o outro lado, de modo que ele não teve como resistir. Podia sentir cada veia do corpo dela pulsando o sangue com rapidez, e não conseguiu fazer mais nada para impedir a si próprio, de modo que cravou os dentes afiados na pele bronzeada da garota. Mordeu pouco abaixo da mandíbula, de forma que não atingiu a veia principal de seu corpo - não conseguiria conviver com um erro brutal como esse. Ele não pretendia fazer isso, não dessa maneira, tão ruim, tão malévolo. A única coisa que ela fez foi levantar o tórax, tentando contrair o corpo com a dor, mas não conseguiu, pois o peso dele estava todo sobre ela, forçando-a para baixo. Seu sangue era doce, incrivelmente doce, o melhor que ele já havia experimentado. Nem mesmo o sangue de malditas virgens poderiam ser comparados ao sangue dela, que não era puro, mas era incrivelmente bom, saboroso. Chupava sua pele; bebia o líquido quente ainda vibrante; apertava a cintura dela com as mãos. Ele poderia passar a eternidade bebendo dela, sangrando-a sem parar jamais, mas não podia. Ele queria ir muito além com Carmilla, e portanto precisava deixa-la viver. Com muita dificuldade, soltou-a. Manteve o rosto entre seu pescoço, sentindo a pulsação dela. O coração estava fraco, batendo muito lentamente, fazendo-o sentir totalmente estúpido. Dali alguns minutos, a pulsação dela já estava normalizada - um pouco fraca, mas não indicava que ela morreria. Ele recordou que ela ainda estava acordada, e ficou imóvel sobre seu corpo quente. Havia sangue nos lençóis e no peito dela, além de o sangue estar sujando todo o rosto dele mesmo. Lucian levantou a cabeça, olhando nos olhos dela, as luzes fortes da cidade iluminando o rosto da garota através da janela sem cortinas.

– Carmilla... - Ele sussurrou, baixo demais, porém alto o suficiente para que ela pudesse ouvir. Ele se sentia ridículo, incrivelmente rebaixado, como se ela fosse superior a ele de todas as maneiras possíveis. A ironia era que ele jamais se sentira desta maneira por garota nenhuma. Para ele, todas as garotas as quais sangrava eram inúteis, cheias de futilidade e sem nenhuma outra utilidade que não fosse satisfaze-lo. Mas estava óbvio até para um doente mental que Carmilla não era como as outras. Assim, ao invés de ficar apavorada como as demais, ela apenas segurou o rosto dele e levou-o para cima, para o dela. Beijou-o, quase sem forças, sentindo o gosto do próprio sangue na boca. Ambos sorriram. Era como refazer o primeiro beijo deles, no qual ela também havia sentido o gosto de sangue. Contudo, ambos tinham consciência de que algo estava tremendamente errado. Era sempre ela que sangrava. Somente ela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Falem comigo no twitter: @wasdegraded ou no ask.fm/sonowrun



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Carmilla" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.