Carmilla escrita por camila schwert


Capítulo 8
IV - Acusado


Notas iniciais do capítulo

Oi meninas! Demorei pra postar, desculpem. Mas eu to aqui de volta, e agora vocês vão entender as razões do Lucian pra não poder ficar com a Carmilla. Espero que gostem; boa leitura.



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    - VOCÊ É TOTALMENTE IRRESPONSÁVEL! - Rugiu Armand. Ele estava atrás da mesa do escritório, pilhas e pilhas de papéis impressos à sua frente. O paletó estava posto na cadeira, a camisa azul-escura com as mangas até os cotovelos e sem gravata. Os longos cabelos escuros estavam para trás, como de costume. Ele estava lendo relatórios da empresa, assinando alguns e franzindo o cenho para outros. Os olhos cinzentos estavam mais claros, mas Lucian não era capaz de imaginar a razão. - Deixar o corpo da garota em um beco? Isso é trabalho para um iniciante, não para o meu filho. - Ele disse novamente, irritado. Largou a caneta na mesa com raiva, claramente frustrado com o erro inconsequente do filho mais novo.
- Eu não tinha o que fazer! Você esperava que eu enterrasse a porcaria da secretária no jardim? Eu não sou um matador. - Ele engasgou ao terminar a frase, não sendo capaz de continuar a dizer o que planejava. As palavras ficaram engasgadas em sua garganta, presas ali enquanto ele travava a língua e respirava mais fundo. Não conseguiu mais falar nada, apenas fitar a mesa atrolhada de papelada do pai. Ele respirou fundo mais uma vez, tendo plena consciênciaa de que o pai não estava tão nervoso, apenas momentaneamente irritado. As coisas pelas quais vinha passando nos últimos dias não foram nada boas.
- Você podia ter esperado o corpo entrar em decomposição. Esquartejar. Queimar. Não sei o que poderia ter feito, mas deveria ter feito alguma coisa. A porcaria da secretária tinha as acusações contra mim! Você tem noção do que significa isso? - Ele colocou a cabeça entre as mãos, irritado, exasperado. Algumas mechas do cabelo caíram para a frente, cobrindo os dedos. Ele suspirou e se sentou normalmente, recostando as costas na cadeira. Olhou para o filho, os olhos queimando o mais novo. - E aquela maldita festa? Para quê foi aquilo? - Armand perguntou. Ele já sabia a motivação do filho ao fazer  a festa e compreendia perfeitamente; mas simplesmente queria ouvi-lo dizer as palavras. Queria vê-lo ficar constrangido; queria saber um nome, um endereço, um sobrenome, alguma coisa. Já havia esquecido as provas que a secretária do advogado tinha, elas estavam bem protegidas. Agora o foco era importunar o filho.
- Foi apenas diversão. - O garoto respondeu, desviando os olhos. O pai riu alto, uma verdadeira gargalhada, e o mais novo o mirou nos olhos. - Diversão pessoal. - Ele sorriu para o pai, um sorriso igual ao do outro, cheio de malícia e promiscuidade. Armand baixou a cabeça e sorriu, rindo para si mesmo.
- Qual o nome? - Ele questionou, tornando sua vontade óbvia. Lucian parou de respirar momentaneamente, e o pai ouviu. Ambos sabiam que isso não seria fácil; o pai queria ver a garota, conversar com ela, e quem sabe influenciá-la a abandonar o próprio filho, como já fizera antes tanto tempo antes.
- Não. Ela não me disse o próprio nome até hoje; eu fiquei sabendo por outros. Mas não vou dizer. - Lucian respondeu. Não era uma afronta, apenas uma negação. Ele sabia os planos que o pai faria se soubesse o nome da garota; estremeceu ao relembrar os acontecimentos da última vez.
- Muito bem, conseguiu uma adversária a altura. Espero que dessa vez tudo dê certo. - O pai riu, e então o conflito foi lançado.
Ambos sabiam o que estava prestes a acontecer: Lucian tentaria enlouquecidamente proteger a identidade de Carmilla, e Armand usaria todos os recursos para descobrir como é a nova namorada do filho. Assim que Armand descobrisse o nome de Carmilla, ele faria de tudo para ver a infelicidade do filho, inclusive tentar influenciar a garota a deixar o caçula. A luta seria injusta, mas Lucian compreendia as razões do pai - a última menina com a qual o garoto namorou durante determinado tempo massacrou-o psicologicamente com jogos sádicos dos quais ele jamais conseguiu se recuperar totalmente. Lucian saiu caminhando do escritório do pai, as mãos em punho, mas não foi rápido o suficiente, de modo que pôde ouvir a risada baixa do pai, um riso irônico, sem pretensões. Armand simplesmente parecia saber exatamente como as coisas seriam daqui para frente. Lucian correu para o quarto, a raiva crescente dentro de si apenas aumentando. Passou pela escadaria de corrimão negro, os degraus cobertos por uma tapeçaria vermelha. No corredor, observando as lamparinas presas à parede, enquanto diminuía o passo de uma corrida para uma caminhada. Parou em seu quarto, abriu a porta e a trancou logo após. As paredes claras estavam lotadas de livros, CDs e frases de música que ele escrevera  há algum tempo. Sentou-se na cama, deixando o corpo cair no colchão macio. Respirava fundo, tentando se acalmar - o pai sempre fora irritante, sempre querendo estragar os planos dele. Lucian desejava não pertencer àquela família, mas logo se repreendeu. Milhares de garotos como ele desejariam ter aquela vida, viver naquela família. Ele deixou a cabeça cair no travesseiro, os olhos se fechando sob a escuridão. Ele estava só. E só agora sabia como ela fazia falta.

    - O juíz decidiu adiar o julgamento, graças a Deus. Eu não encontrei ninguém decente pra me acessorar, droga, e agora eu tenho que organizar tudo sozinho. Quer fazer o favor de ir comprar alguma pizza? - Alex falava sem parar, o cabelo desarrumado de uma maneira agradável. Ele estava com uma camisa branca, não muito diferente das demais, e o paletó do terno estava jogado ao lado dele, em outra cadeira. Haviam pilhas de papéis e pastas abertas sobre a mesa de jantar da sala, vários copos descartáveis de café da Starbucks e um pacote de rosquinhas aberto cheio de farelos ao redor. Carmilla havia decidido aparecer na sala, aparentemente querendo irritar o pai com o novo cabelo desfiado e estragado. Mas claramente falhou, porque ele não olhou para ela um segundo sequer.
- Que sabor? - Ela perguntou. Mexeu no paletó do pai atrás da carteira, que encontrou com êxito. Várias notas verdinhas estavam ali, sorrindo para ela. Ela sorriu de volta. Foi quando o pai a viu.
- Puta que pariu. Você ralou a cabeça no asfalto ou enfiou o cabelo num liquidificador? - Ele perguntou, rindo um pouco em seguida. Ela o acompanhou no riso.  Alex sabia que aquilo seria o melhor elogio que ele diria para a filha em anos. Mas ao menos eles ainda não haviam discutido e ela não havia posto fogo na casa. Isso era bom. - Vai pegar a pizza, porra. Eu tô com fome.
- Sempre muito educado. - Carmilla sorriu e saiu de casa, pegando um guarda-chuva preto na entrada e batendo a porta sem força enquanto deixava o pai sozinho no meio daquela pilha enorme de papéis.
A chuva não havia parado, apenas diminuído para um chuvisco com eventuais trovoadas e raios. O céu estava cinzendo, bastante escuro, cheio de nuvens negras que ameaçavam despejar a água contida a qualquer momento. Ela desceu para o subsolo, o estacionamento do condomínio totalmente lotado, cheio de carros que ela nunca viu na vida, caros e importados. Gostou de todos - principalmente uma Ferrari preta, estacionada perto do próprio carro, que não reconheceu. O carro era bonito, lustroso, parecia ter brilho próprio. Ela sabia que já tinha visto aquele carro em algum lugar, mas não lembrava de onde. Por fim entrou no Lexus e dirigiu até a saída, e não foi interrompida em momento algum. Ela não sabia onde ficava a maldita pizzaria - e duvidava que o pai tivesse noção. Utilizou o GPS para encontrar o lugar mais próximo, um restaurante chamado La Tomato. Ela levou alguns minutos para encontrar a avenida principal, que estava praticamente imóvel. Ela avançava poucos metros por vez, e a partir de certo momento ligou o rádio, sem CD, querendo ouvir qualquer coisa que não fosse apenas o barulho do trânsito irritante ao redor dela. A rádio estava em um horário deplorável - notícias do dia. Uma música qualquer tocou e olocutor voltou a falar, a voz grave ligeiramente lenta causando um impacto maior aos ouvintes, mas é claro, não para Carmilla. Ela mal ouvia. Estava olhando as gotas da chuva caindo em sua janela, pingando e escorrendo como se fossem as lágrimas silenciosas dos anjos; um trovão soou ali perto. Bem, talvez não tão silenciosas assim. De repente, Carmilla tornou-se ouvinte e prestou atenção a uma única frase do locutor de voz grossa.
- O julgamento Montgomery foi adiado pela primeira vez. A secretária do melhor advogado do país, Alex Hitchfield, Angel McConaughen, foi encontrada morta em um beco nesta madrugada. Assim, as testemunhas e o júri terão que aguardar mais um tempinho para ter um conhecimento completo do que está acontecendo. E para quem ainda não sabe, o acusado é Armand Montgomery, um dos empresários milionários mais influentes do mundo. E agora, o clima para este fim de semana...
O cérebro dela vasculhou todas as memórias, lembranças, recordações. Ela já havia escutado aquele nome antes, aquele maldito nome. Enquanto rodava a cidade seguindo as instruções do GPS, ela tentava lembrar. Não era difícil - era só um nome. Talvez um antigo colega de escola fosse filho daquele cara, o que era o mais possível. A pizzaria - La Tomato - não era tão grande quanto o nome sugeria, mas uma placa na entrada indicava que o restaurante continha um andar no subsolo. Ela estacionou o carro e entrou, tentando desesperadamene encontrar um cardápio colado em uma das paredes. O local era grande, isso ela não podia negar: haviam muitas mesas, muitas delas para dois, mas algumas pessoas haviam juntado algumas mesas formando uma grande minhoca pelo caminho. As toalhas das mesas quadradas eram todas xadrezas: azul com branco e vermelho e branco; as mesas que estavam postas juntas formavam um labirinto colorido. As paredes eram coloridas, uma de cada cor, em tons sóbrios que ela aprovou, como bege e branco. Enquanto caminhava, deixando um rastro imortal de perfume, todos olhavam para ela; as mulheres com admiração e até certa inveja, os homens com olhares sórdidos de desejo. Uma criancinha qualquer, loura de olhos claros, sorriu para ela; Carmilla fez careta e ignorou o mais novo. No balcão de pedidos, o atendente era moreno e estava usando um chapéu na cabeça, estilo Al Capone. Ela fez piada.
- E então, Al Capone, posso fazer um pedido? - Ela tamborilou os dedos na mesa, e ele olhou para ela. Tinha os olhos escuros, o cabelo coberto pelo chapéu, e usava uma camisa preta até onde ela podia ver. Atrás dele, havia uma entrada pelas paredes; lá atrás havia pelo menos três fornalhas, o fogo ardente em cada uma delas chamando a atenção dos olhos de Carmilla.
- Claro, senhorita. O que vai ser? - O garoto era familiar para ela, mas ela não sabia como. Ele devia ser colega de escola, ou simplesmente um cara comum parecido com tantos outros. Ele sorriu e pegou uma caneta.
- Quero três pizzas grandes, para viagem. Calabresa, Mussarela e a outra você pode escolher. - Ela disse, sorrindo em seguida. Não tinha interesse algum em deixa-lo escolher a maldita pizza, mas não sabia quais eram as outras opções, e nenhum sabor vinha em seu cérebro agora.
- A pizza de lombo de porco está em alta hoje. - Ele disse, de cabeça baixa anotando os pedidos. Após, ele arrancou a folha do bloco e colou na parede da cozinha.
- Para viagem! - Ele gritou, e algum cozinheiro se apressou em arrancar a folha da parede. O garoto do balcão virou-se para o lado, onde haviam quatro geladeiras enormes com bebidas: cerveja, refrigerantes, sucos; pegou os engradados de Budweiser e Heineken, mas parou, olhando para a cliente. Ele não sabia qual escolher. Levantou os dois da geladeira para que ela selecionasse.
- Budweiser. - Carmilla respondeu. Preferia Heineken, mas de qualquer forma ela estava disposta a beber o refrigerante. Continuava tentando lembrar de onde ouvira o sobrenome Montgomery, se fora em alguma formatura de curso ou se apenas já havia ouvido algo sobre o julgamento antes.

- Olha o lombo! - Uma caixa quadrada, branca e vermelha, saiu do balcão da cozinha. O garoto colocou a cerveja e o refrigerante em uma sacola plástica, deu a volta no balcão e deixou a caixa de pizza sobre uma mesa sem ocupantes.
- A calabresa vai demorar um pouco. - Ele disse. - Sugiro que espere alguns minutos. - Ela se sentou, sorrindo para a caixa branca de pizza. Ficou olhando para ela durante algum tempo, provavelmente cinco minutos, até que alguém se sentou a sua frente.
- Vem sempre aqui? - A voz conhecida perugntou; ela não precisou levantar a cabeça para saber quem era. Ele usava uma camiseta vermelha sem jaqueta, o cabelo bagunçado.
- Que pergunta ridícula. Esperava mais de você. - Ela respondeu. Levantou a cabeça para ele e sorriu. Lucian viu seu cabelo, totalmente estraçalhado pelo novo corte, e sorriu mais. Era como se tivesse aprovado a bagunça.
- Apenas relembrando primeiros encontros. - Ele acenou com a cabeça para a pizza. - Isso aí é comida? - Perguntou. Esticou a mão para abrir a caixa, mas ela puxou-a para longe dele.
- Não é para você, naturalmente. - Sorriu. Era um sorriso aberto, bonito, alegre. Uma grande mentira.
- Tanto faz. Eu quero conversar com você. - Ele falou, recostando-se na cadeira. Ficou brincando com a toalha colorida da mesa enquanto fingia despreocupação. Eles ficaram em silêncio por um longo tempo até que ela disse algo, logo após o garoto ter deixado mais duas caixas de pizza brancas em cima da mesa.
- Mas eu não quero. - Disse bruscamente, levantando-se. Não perguntou quanto custou a comida, apenas entregou uma nota de cem para o garoto e pegou as coisas. Saiu caminhando da mesma maneira que entrou, com todos os olhares de volta ao próprio corpo. Mas não o dela. Ela olhava para a frente, para a saída, simplesmente porque estava acostumada a ser assim.
Chegou ao carro sem ver Lucian novamente. Ele parecia ter compreendido que ela não queria falar com ele, afinal, e desistira de qualquer possível conversa. Era uma pena - esperava mais de alguém como ele. O caminho até o carro agora foi entediante, com pingos de chuva caindo o tempo todo em seu rosto, seu cabelo e nas caixas de pizza. Abriu a porta e colocou as caixas no banco do passageiro, e as bebidas no banco de trás. Ligou o carro e o rádio ligou automaticamente, novamente alguém falando sobre o tal caso Montgomery. Antes de sair do estacionamento, viu Lucian na porta de saída do restaurante. Ele tinha a expressão séria, quase dolorida. Meu nome é Lucian. Lucian Montgomery. Ela lembrou de ouvi-lo falar no primeiro dia em que se viram. A chuva ao seu redor parecia mais intensa a cada vez que a memória vinha. Apenas relembrando primeiros encontros. Ela virou a cabeça para trás, para que ele não a pudesse ver, e deu a ré no Lexus.


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Notas finais do capítulo

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