Carmilla escrita por camila schwert


Capítulo 10
V - Longe


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora pra postar, gente... eu tive problemas pessoais que me atrapalharam, mas voltei. Então, o capítulo V eu escrevi pra ser melancólico mesmo, pra mostrar o primeiro momento de "torpor" do casal, pra mostrar que eles tem lembranças difíceis de esquecer e que, assim como todo mundo, também tem um passado. Boa leitura :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/372201/chapter/10

A luz do sol da manhã iluminava o quarto, enchendo o chão claro e as paredes de mesma cor com luz amarelada. As camisetas deles estavam jogadas no chão ao lado da cama, os tênis espalhados pelo local, um de cada lado do quarto. A janela sem cortinas estava entreaberta, o vento fraco entrando por ela junto com o som dos carros recém saídos das garagens. O barulho da cidade grande era acolhedor, embora nenhum dos dois pudesse ouvir claramente agora. Carmilla dormia profundamente, os cabelos agora curtos esparramados pela fronha branca do travesseiro. Ao seu lado estava Lucian, dormindo tanto quanto ela. As mãos dos dois estavam entrelaçadas, por algum motivo que nenhum deles conhecia.
O pescoço dela estava dolorido - roxo e ensanguentado, o sangue seco grudando no cabelo e caindo para o sutiã. O lençol anteriormente branco da cama estava manchado com o sangue dela, que não estando totalmente seco, grudava na pele dela como cola. O cheiro de sangue era forte, misturando-se com o aroma metálico dos prédios, dos carros, do mundo vivo que os circulava além daquele quarto.
O corpo dela estava não estava quente, o sangue circulando pelas veias com muita lentidão, talvez pelo fato de que não havia muito sangue para circular. Lucian, ao contrário, estava razoavelmente quente. O sangue dela ainda fervia nas veias dele, e por isso seu corpo estava aquecido momentaneamente.  O coração dela batia contra as costelas, fazendo um barulho que só ele era capaz de ouvir: tum tum. O relógio de pulso de algum dos dois estava jogado na mesa de cabeceira, mostrando que eram 6:35. Eles provavelmente deveriam acordar, tomar um banho e ir para a escola - mas nenhum deles seria capaz de viver normalmente depois dessa noite. Mesmo dormindo, Lucian estava sendo atormentado em seus sonhos pela atitude imprudente. Que belo babaca ele havia sido.
Carmilla abriu os olhos e viu o horário no relógio dourado. Suspirou e seu tórax inteiro se retraiu de dor - ela estava machucada. Não apenas machucada, como pôde ver, mas totalmente roxa: as laterais de sua cintura estavam cobertas de machucados esverdeados, como se algo tivesse prensado seu corpo com força e sem pudor. O pulso livre dela estava roxo, tão escuro que poderia ser facilmente confundido com preto. Ela soltou a mão de Lucian e se sentou na cama, tonteando. O sangue úmido na cama grudava em suas pernas, mãos, pés, o lençol levantando junto com seu corpo. Ela estava a ponto de vomitar. O rosto dele, mesmo dormindo, era algo angelical de maneira sombria - ela percebeu, com o estômago embrulhando. Ele parecia prestes a acordar e assassinar metade da cidade e tomar tal ato como um bom-dia. Mas mesmo assim, com esse ar destruidor que simplesmente emanava dele, o garoto continuava lindo. Mesmo com o rosto ensanguentado com o sangue dela.
Seus olhos se abriram e em uma fração de segundo ele estava sobre ela, cobrindo sua boca com a própria. Não era um beijo. Era ele sendo um idiota fazendo-a ficar em silêncio. Carmilla empurrou-o com toda a força que pôde, que não era muita, portanto não fez efeito. Ele continuava ali, perto demais dela, com sangue da garota até no cabelo. Ela finalmente enxergou o que não fora capaz de ver anteriormente: a cor dos olhos dele, o tom escuro de azul claro que contornava a íris; o traço da mandíbula, o contorno afiado do osso zigomático, a suavidade dos lábios. Ele era lindo, ela percebeu, e por um instante todo o sangue que perdera pareceu valer a pena - tudo aquilo pareceu ser absolutamente normal, como se todas as noites um cara mordesse o pescoço dela até fazê-la perder litros de sangue. Mas a sensação passou tão rápido quanto veio, de modo que ela se remexeu sob ele novamente, embora o ato não tenha surtido efeito algum.
Ele fechou os olhos como se sentisse alguma dor, mas não tirou os lábios dos dela em momento algum. Era complicado para ele, estar assim tão perto dela, mas ao mesmo tempo tão longe. Ambos tinham consciência de um sentimento que crescia dentro de si, e essa certeza se transformava em adoração e horror. Ele podia ver nos olhos claros dela, além das linhas castanhas contra o verde - que pareciam lascas de gelo mais escuro cravadas contra o claro -, que ela sabia o que ele sentia, mas não tinha a intenção de prolongar o romance. Ele sorriu, a boca contra a dela, pois Carmilla era tão dura e tão fria quanto ele próprio, e era por isso que ele a amava tanto, daquela maneira tão sufocante e tão desnecessária.
Lucian respirou fundo uma última vez, reunindo todas as forças que tinha dentro de si, e então tirou os lábios dos dela. Os olhos de Carmilla estavam lacrimejando, brilhando com as lágrimas que não seriam derramadas. Ele se moveu para trás da cama, vestindo a camiseta com rapidez, logo sentando-se na beirada da cama, o mais afastado dela possível, como se ela fosse algum tipo de monstro.
Ela não se moveu. Não chorou. Apenas fechou os olhos, esperando desesperadamente acordar daquele pesadelo infantil. Era como se ela tivesse 7 anos de idade novamente, sonhando com Drácula e Nosferatu, acordando aos gritos e com lágrimas no rosto. Mas agora era real, e o baque da realidade era forte demais, duro demais. Lucian era real, não só mais um conto de Anne Rice que ela gostava tanto de ler. As lágrimas em seus olhos secaram lentamente, ardendo sob suas pálpebras fechadas sem jamais descer pelo seu rosto.
- Acho que você tem aula daqui a pouco, Lucian. - Foi só o que ela disse. Não abriu os olhos. Ele não se moveu. Os minutos passaram, e ela manteve fechados os olhos que ardiam. Sentia-se suja, não só pelo sangue seco em seu corpo, mas por tudo o que havia acontecido. Uma irritação surpreendente passou por seu corpo, irradiando ódio e enchendo-a de um sentimento repugnante. Quando abriu os olhos pra gritar com ele, mandá-lo embora, Lucian já não estava mais lá.
Agora sim, sozinha, deixou todas as lágrimas contidas caírem pelo rosto, cobrindo este com as mãos trêmulas. Tudo estava em sua mente agora: a noite ensanguentada, Lucian com a boca cravada em seu pescoço, a luz da lua tornando o seu próprio sangue preto sob a luz prateada. Ela virou-se na cama, com o rosto contra o travesseiro - e, mesmo com o seu sangue ensopando sua face e misturando-se com as lágrimas salgadas, ela continuou chorando, em silêncio, sem soluçar, apenas deixando toda a agonia que a preenchia sair de si e se juntar com o sangue derramado. A luz do sol estava mais forte, o barulho da cidade mais insistente.

Ela não abriu os olhos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Falem comigo no twitter: @wasdegraded



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Carmilla" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.