Carmilla escrita por camila schwert


Capítulo 4
II - Na minha festa


Notas iniciais do capítulo

Finalmente o segundo capítulo! Escrevi esse aqui em pouco tempo (aproximadamente dois dias), mas rendeu muita coisa. Novamente vou ter que dividir o capítulo em dois, porque se não vocês vão cansar de ler e eu não quero isso de jeito nenhum. Divirtam-se!



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TUDO ACONTECEU MUITO RÁPIDO. Em uma fração de segundo, ela caiu confortavelmente nos braços dele, e no outro ela estava beijando-o. Foi algo inesperado para ambos: ele estava pronto para fazer uma piada, e ela pronta para esbofetear sua cara. Mas então ele olhou para os olhos dela, pela primeira vez realmente vendo o tom verde intenso deles. E ela, que já havia visto a cor azulada dos olhos dele, simplesmente não resistiu. Carmilla já queria beijá-lo desde que ordenou que fechasse a maldita porta e ele não obedeceu. Para espanto de ambos, o beijo estava sendo incrivelmente bom para os padrões deles. Tanto ela quanto ele eram agressivos naturalmente, e toda essa agressividade só podia ser refletida no beijo. Ele mordeu a boca dela até sentir gosto de sangue – e Carmilla adorava o envolvimento de substâncias saborosas em beijos. O grande porém foi que o beijo durou menos de 15 segundos, mas seria lembrado por toda a vida de ambos. Lucian olhou para ela e o prazer se dissipou como faíscas.

– O frio já passou, Carmilla? – Ele perguntou, tendo plena certeza de que ela detestaria ouvir seu nome na boca dele.

Ela pensou que fosse vomitar. O gosto de sangue em sua boca já não lhe proporcionava tanto prazer quanto antes. Ela queria bater nele até cansar. Pensou em dar-lhe um soco, mas já estava enjoada demais para isso. Soltou-se dele e ficou de pé, ereta. Sentia o gosto dele na boca e não gostou. Sentia o chão de pedra sob seus pés, as mãos tremendo de frio por conta do vento forte. O céu estava escuro, com nuvens grandes e negras; as árvores balançavam com força para os lados, ameaçando cair a qualquer momento. Seus cabelos negros caíam no rosto e o vento carregava mechas para dentro dos seus olhos.

– Seria preciso muito mais que um beijo para me manter quente, Lucian. Alguém como você deveria saber disso. – Ela disse. As palavras ácidas se transformaram em concreto quando o atingiram. Ele sabia muito bem o que era, e até agora mais ninguém havia dito palavras tão fortes para ele. Mas ele já deveria saber que Carmilla era uma exceção a todas as regras estúpidas dele. A essa altura ele já sabia que ela não era como as outras, e o pavor dessa certeza se misturava com prazer.

Ela abriu a porta do carro, e ele mais uma vez não soube apenas deixa-la ir. Seu estômago revirava só com a ideia insana de deixar Carmilla ir embora sem deixar algum tipo de marca que fizesse com que ela se lembrasse dele. Pensou em diversos tipos de marcas que poderia deixar no corpo dela e sorriu. Sabia que ela não pensaria nele mais do que cinco minutos por dia, mas estava disposto a tentar por motivos ainda desconhecidos para ele próprio. Esperou não tornar isso um hábito. Segurou o braço dela e chegou perto o suficiente para beija-la, mas não beijou. Esperava conseguir deixa-la apenas com vontade dele. Ele sabia, no fundo, que não conseguiria.

– A gente se vê. – Ele disse, apenas. Soltou-a e foi caminhando lentamente até seu próprio carro, esperando o tempo inteiro esperando ouvir a voz dela mais uma vez, nem que fosse em alguma piada ridícula.

– Pode ter certeza. – Ela respondeu. Os olhos dele quase se encheram com lágrimas de tanta emoção que sentiu ao ouvir a voz dela. Ele sabia que era uma emoção ridícula, e sabia que deveria parar com aquilo, mas não conseguia. E então, ocultando o sentimento de felicidade que crescia dentro dele, ele partiu.

O caminho de volta para casa foi lento. Carmilla decidiu parar em um bar e beber alguma coisa que a fizesse parar de pensar em músicas agitadas e exageradas sobre desapego. Todas essas autoras falavam sobre desapegomas no fundo não faziam ideia do que realmente era ser desapegada. Era tudo um monte de merda. Pediu um Martini e bebeu o drinque lentamente, deixando o álcool fazer efeito enquanto pensava naquele beijo ridiculamente gostoso. Enquanto bebia uma ideia terrível passou pela sua cabeça: ela se sentia atraída por ele. Seu estômago revirou e logo ela descartou essa ideia. Isso era impossível. Ela mudaria de país se fosse preciso, mas não levaria isso adiante. Terminou a bebida e tentou não pensar na possibilidade de se envolver com ele. Quando chegou ao apartamento – ela não conseguia chamar aquilo de casa – as luzes estavam acesas. Entrou na sala e quase caiu no chão, de tanto que as pernas tremiam.

Carmilla mal conseguia respirar, tamanha a sua perplexidade. Tudo bem, ela sabia que o pai tinha várias namoradas de uma vez só, mas não imaginou que ele traria uma delas para o apartamento enquanto ela estivesse ali. De repente o pai apareceu e beijou a cabeça da mulher. O que era aquilo nos olhos dele? Paixão? Carmilla pensou que fosse desmaiar. Justo o pai, que lhe dizia que o amor era algo extremamente destrutivo.Então ele a viu e ficou momentaneamente nervoso. Depois, respirou fundo e estendeu a mão à mulher, que aceitou sem demora. Ambos caminharam até Carmilla, com semblantes calmos – obviamente não sabiam nem desconfiavam do que estava por vir.

– Carmilla – seu pai disse, em meio a sorrisos e olhadas para a namorada. – Esta é Norma. Norma, esta é minha filha: Carmilla.

– Ah, é um prazer finalmente conhece-la! – A mulher, Norma, disse. Carmilla tinha nojo só de pensar no nome dela, mas então prestou atenção à namorada do pai num exame minucioso. Ela usava scarpins pretos, uma saia de cós bem alto também preta e uma blusa de frente única prateada. Os olhos eram azuis e os cabelos, negros. Seu rosto parecia esconder alguma coisa, uma força oculta que só seria exibida no momento certo. Parecia o tipo de mulher que após uma decepção simplesmente virava as costas.

Mesmo sendo parecida com ela mesma em alguns aspectos, Carmilla tinha de admitir: ela não era tão ruim assim. Mas esse não era motivo suficiente para que ela gostasse da mulher. E ela não fazia questão nenhuma de gostar e muito menos de fingir interesse.

– Oi. – Respondeu. Ignorou deliberadamente a mão esticada da mulher, e passou pelo pai com um olhar acusatório. Ela não admitiria conviver com aquela criatura mais tempo do que o necessário.

Passou pelo corredor e se trancou no quarto. Jogou a bolsa no chão e se jogou na cama, tirando os tênis dos pés aos chutes. Jogou a calça jeans no chão, também, e mais tarde a camiseta. Dormiu vestindo apenas calcinha e sutiã – e antes de cair na inconsciência relembrou, pela última vez, de um beijo que dera em um garoto de olhos azuis, tão forte que lhe custou o sangue.


Lucian estava cansado. Cansado de existir, de cumprir as ordens ridículas do pai, de ter que aturar as saídas festivas da irmã e não poder jamais entrar em um relacionamento por medo. Todo o seu âmago estava preso a apenas um sentimento agora: indecisão. Ele realmente não sabia o que sentia pela garota morena com os olhos verdes, se é que sentia alguma coisa. E se não fosse apenas atração? Ele se recusou a pensar a respeito. Pegou a taça de cristal ao seu lado e bebeu mais do líquido avermelhado, sorrindo em deleite enquanto o a bebida descia por sua garganta. O que ele poderia fazer além de esperar o tempo passar para confirmar o sentimento? Nada. E essa era, de uma maneira totalmente errônea, sua única certeza. Enquanto isso as poucas lembranças de curtos momentos o rondariam dia e noite, mostrando-se para ele em momentos totalmente desnecessários. Como agora. Ele sentia alguma coisa, como se estivesse sendo puxado para perto dela. Foi isso o que o levou até a escola mais cedo – ele não precisava de aulas extras coisa nenhuma. Um instinto insano o havia arrastado até lá, como se ele mesmo não tivesse vontade própria – e isso era o que Lucian Montgomery mais tinha além de sarcasmo e um belo rosto insolente. Largou a taça no chão à frente do sofá e assistiu uma série estúpida que falava sobre vampiros sentimentais. Bufou. Que coisa mais estúpida. Trocou de canal até encontrar outra série, que dessa vez falava sobre zumbis e sobrevivência no apocalipse. Quanto lixo. Desligou a televisão e assistiu o fogo crepitar na lareira por quase duas horas ininterruptas. Era estranho notar como os pensamentos dele próprio voavam para longe, para bem longe da mansão no bairro rico. Seus pensamentos estavam indo em direção a ela, é claro. Deixou-se livre para pensar nela. Afinal, ninguém além dele sabia o que estava acontecendo dentro de seu cérebro.



Suspirou só de pensar na cor dos olhos dela. Imaginou, sem pudores, que tipo de coisas ela faria no quarto dele.


Ele teve uma ideia.


Uma música qualquer do Nirvana tocando alto no quarto anunciava que estava na hora de acordar. Ela suspirou e tirou o cabelo do rosto, sentou-se e enrolou o edredom em volta do corpo seminu. A temperatura na cidade havia caído aproximadamente quinze graus desde a noite, por conta da chuva e da chegada do outono. Agora faziam 10 °C e uma garoa caía lenta; o céu estava cinza, cheio de nuvens escuras que escondiam o sol. O vento estava insuportável para uma manhã de terça-feira. O humor dela com certeza sofreria alguma alteração assim que ela visse o céu. Vestiu-se rapidamente e colocou qualquer coisa numa mochila preta, e então saiu do quarto depois de passar algumas camadas de rímel e um batom incolor. Na cozinha, o pai comia bacon com ovos. Ao ouvir o barulho dos tênis da filha no chão, levantou a cabeça. Lia um jornal e tinha uma xícara enorme de café ao seu lado. Parecia aborrecido.



Carmilla pegou a xícara do pai e bebeu todo o café de uma vez só, sem se preocupar com a petulância que emanava dela. Alex suspirou e largou o jornal na mesa com uma força desnecessária, numa tentativa vã de deixa-la com medo. Isso a fez apenas sorrir e pegar um bacon do prato dele. Petulante. Ele continuou fitando-a com uma expressão irritada, como se ela comer seu bacon fosse o maior dos problemas. Carmilla se sentou à frente dele e o encarou com um olhar cínico.


– Você foi muito rude ontem. Norma estava tentando ser legal com você, e tudo o que fez foi... – Ele começou, mas não conseguiu ter forças para continuar a acusar a filha. Quantas vezes teria de repetir o mesmo sermão? Carmilla não mudaria e não fazia a mínima questão de agradar ao pai. Ambos sabiam que ela não se importava com nada que não fosse ela mesma.

– Francamente não quero saber o que ela tentou ou não fazer. Pouco me importa se sua namoradinha foi legal, eu não vou fingir que simpatizo com ela quando não simpatizo nem um pouco. – Quando ela percebeu que o pai estava prestes a falar mais, apenas se levantou da mesa. – Tenho aula. – Saiu dali caminhando a passos largos, o barulho do Converse batendo no chão como única companhia.

Saiu do apartamento batendo a porta. Estava irritada demais para esperar o elevador, então desceu a pé todos os vinte andares. Diversas vezes, ela parou e se sentou em algum degrau, ficando ali por alguns minutos. Durante o trajeto, forçou a si mesma a pensar no que havia acontecido com o pai. Pensou durante alguns minutos na possibilidade de se redimir com ele – pedir uma pizza, agendar um horário em um restaurante. Mas ele mesmo podia fazer essas coisas, com pessoas muito mais importantes para ele do que ela. Ela suspirou – não podia fazer nada. Tentaria, talvez, ser mais simpática com a tal Norma quando a visse futuramente. Quando já estava no subsolo, o andar da garagem, já havia decidido que tentaria sorrir quando a nova namorada do pai estivesse por perto. Não era nenhuma promessa, mas era o melhor que podia fazer.

Dirigiu rápido, cortando diversos carros e buzinando com força quando alguém obstruía seu caminho. Estava descontando no trânsito toda a frustração da pequena discussão com o pai e sabia disso, mas não se importava. Estava dirigindo tão rápido que chegou no Instituto plenas 7:20 – suas aulas só começariam daqui a quarenta minutos. Sendo assim, reclinou o banco do carro para trás e colocou os pés no volante. Colocou “Bleach” no rádio do carro e ficou ouvindo a sequência de músicas grunge durante um bom tempo. Deixou os cabelos caírem no peito, nos ombros, nos braços. Fechou os olhos e começou a balançar os pés no ritmo da bateria das músicas, e então adormeceu.

O sol iluminava os cabelos, rosto e peito dela, mas ela não acordou. Só abriu os olhos quando “Paper Cuts” começou pela terceira vez – o CD estava repetindo, o estacionamento estava lotado. Ela estava muito atrasada. Num pulo, pegou a mochila que tinha jogado no banco do passageiro, desligou o rádio e colocou o banco do motorista na posição certa. Saiu do carro e se atrapalhou na hora de tranca-lo, demorando mais ainda para sair dali. Ainda deveria encontrar a sala onde ficava sua turma, e havia tantos prédios... Ela estava cansada só de imaginar. Quando finalmente conseguiu sair do estacionamento, tropeçou na calçada, quase caindo com o rosto no asfalto.

– Epa, epa. Não queremos machucar esse rostinho lindo, não é? – Ela ouviu uma voz dizer quando alguém a puxou pelo braço com força, trazendo-a para cima e evitando a queda. A mão que a puxou era forte, e ela já havia sentido uma pequena fração daquela força anteriormente. Quando conseguiu tirar os cabelos do rosto, reconheceu o rapaz imediatamente: Lucian estava vestindo uma camiseta branca quase transparente, exibindo seu peito e abdômen. Ela pôde ver, sob a jaqueta verde-musgo, tatuagens nas costelas do rapaz. Pareciam inscrições, frases em letras góticas.

– Solte-me. – Ela disse. Ele continuou segurando seu braço, com a mesma força de antes, e então sorriu. Soltou-a alguns segundos depois, claramente apreciando a visão da face retorcida de raiva dela. Ao invés de iniciar uma discussão, como normalmente faria, ela simplesmente saiu andando, relembrando a maneira como ele havia ficado enlouquecido no primeiro dia em que se viram, quando ela havia o ignorado deliberadamente. Mas naquele dia ela não tinha interesse nenhum em provoca-lo, tal como agora tinha.

Enquanto mexia na mochila à procura dos papéis que a mulher da secretaria lhe dera, pôde ouvir o som de alguns passos atrás de si. Eram passos calculados, um pouco apressados. Lucian estava ao lado dela antes que ela sequer percebesse que ele havia chegado perto. Continuou caminhando e procurando o horário das aulas na mochila, mas os cadernos atrapalhavam e ela não conseguia caminhar sem olhar para o chão. Suspirou, com raiva. Parou de caminhar e encostou o pé sobre um banco, que estava na metade do caminho para os prédios de salas de aula. Abriu a mochila ali mesmo, tirando-a do ombro com impaciência. Escancarou o bolso de fora e remexeu os papéis – o contrato de permanência, as regras da escola, e por fim, o horário. Pegou o papel e novamente saiu andando, com Lucian rindo atrás dela. Ele pegou seu braço e a puxou para trás, fazendo com que ela ficasse muito perto de seu corpo quente. Ela bateu a cabeça na testa dele, e depois deu um passo para trás. Ele abriu sua mão e a entregou algo: seu celular. Havia caído em algum momento, mas ela não sabia quando. Havia um pequeno arranhão na tela, nada demais. Ele estava sorrindo amplamente, os dentes perfeitamente alinhados à mostra. Ela queria socá-lo.

– Antes que você me vire as costas novamente como se fosse o Batman, quero te falar uma coisa. – Ele disse. Ela estava encarando-o com um olhar insolente, do tipo que fazia qualquer garoto ficar nervoso ao falar com ela. Mas ele não. – Hoje eu vou dar uma festa, e quero você lá.

– Infelizmente, não tenho uma produtora de eventos. – Ela respondeu rápida. Nunca mulher alguma havia sido mais rápida do que ele em coisa alguma, e isso o deixou momentaneamente temeroso. Travou a respiração. Qual fora a última vez que alguma garota o havia feito parar de respirar? Ele não lembrava.

– Não quero que você produza a festa. Quero que você destrua pelo menos alguma parte do meu quarto comigo enquanto os convidados estiverem dançando bêbados. É possível? – Perguntou. Ele estava jogando baixo, fazendo declarações verdadeiras em tons irônicos, e ambos tinham consciência disto. Mas ambos eram jogadores ávidos, e nenhum baixaria a guarda tão cedo.

– A única possibilidade aqui é eu me atrasar mais ainda para as aulas, que a propósito, já começaram. Você não estuda, não? – Ela perguntou. Virou as costas sem esperar uma resposta e continuou caminhando, com o horário escolar em mãos e o celular no bolso da calça. Seguindo o horário, o próximo período seria de biologia, sala 15. Ela respirou fundo e continuou caminhando. Lucian já estava ao seu lado.

– Eu estudo, mas só às vezes. Sabe, filhos de empresários bilionários não precisam de muito esforço. – Ele sorriu, um sorriso aberto e radiante. Carmilla entrou em um dos prédios, de número 3; calculou que se haviam aproximadamente duas salas por andar e cada prédio tinha cinco andares, a sala 15 deveria estar neste. Empurrou as portas duplas do prédio e entrou, com Lucian logo atrás. – Veja, - ele puxou o braço dela para trás mais uma vez. Ela esperava que isso não estivesse se tornando um hábito. – Eu só quero que você vá nessa festa. É sério.

– Eu só quero entrar na maldita sala de aula! – Ela quase gritou, parando de frente para ele com uma expressão irritada. Ela sabia que ele estava gostando de deixa-la estressada, mas não se importava o suficiente para tentar ficar calma. Ele sorriu mais.

– Rua Backer, 2018. Você não vai se arrepender. – Ele sorriu torto e piscou para ela, e então virou as costas, saindo do prédio; o sinal bateu e os corredores se encheram de alunos.

Lucian não seguiu para nenhuma sala de aula – ele não havia mentido para ela: realmente, seu pai era bilionário e ele não passava de um playboy que não gostava de estudar. Caminhou para o campo mais afastado da escola, caminhando entre os alunos que estavam trocando de prédio e convidando praticamente todos para a maldita festa. Cumprimentou o capitão do time de futebol, James, e pediu que ele convidasse todo o resto do time. Lucian era relativamente popular na escola – detestado por muitos homens, e com certeza amado pela metade das garotas. Era sempre assim. Todas as meninas que o viam mais de perto sempre pensavam que ele era o cavaleiro de armadura prateada que as salvaria de qualquer risco – o que aquelas tolas não sabiam era que, na realidade, ele era o risco. Conseguia quebrar o coração de qualquer uma que se aproximasse demais com uma facilidade incrível e jamais sentia culpa – e todas se aproximavam. Exceto uma. Carmilla parecia não dar importância a ele, embora, é claro, ambos soubessem que ela se sentia atraída por ele e vice-versa. Mas ele sabia que com ela seria mais difícil do que com aquelas outras líderes de torcida fúteis com as quais ele estava cansado de perder tempo, mas ele só não conseguia compreender a razão.

Sentou-se em um banco além da área administrativa da escola – era praticamente isolado. Havia um prédio de apenas dois andares ali, a dois metros de distância dele; era um prédio baixo, utilizado para festas e reuniões do grêmio estudantil. Ele estava sentado com os cotovelos apoiados nos joelhos, o sol iluminando seu rosto. Ele começou a sentir uma ardência na parte frontal da cabeça, uma dor latejante que só aumentava. Fechou as mãos em punho, na tentativa de expulsar a dor. Não conseguiu. Forçou o corpo para frente e caiu no chão cheio de brita, cortando a cabeça superfluamente. Qual fora a última vez que alguma garota o havia feito parar de respirar? Ele não lembrava.

Deitado no chão com a luz do sol fazendo o sangue que escorria da têmpora brilhar, Lucian lembrou.

Ela não acreditava que estava ali. A única luz que a acompanhava era a que iluminava a frente da casa – e que bela vista era. O muro era inteiramente de pedra, os galhos das árvores internas não ultrapassando nem um centímetro dele. O dia foi cheio, ela estava cansada – teve que realizar um trabalho nojento na aula de biologia, em decorrência de ter acabado de entrar na escola. Após, conheceu algumas garotas que foram falsamente simpáticas com ela – Maureen e Jamile, ela não lembrava seus nomes – e que logo fez questão de descartar. Chegou em casa com tinta no cabelo por conta do desenho que fora obrigada a fazer na aula de educação artística e o pai zombou dela, mas Carmilla não se importou. Foi direto para o quarto e dormiu por longas horas, até que acordou de repente. Tomou um banho quente bem demorado, deixando a água queimar suas costas, tentando aliviar o stress que sentia, mas não funcionou da maneira que ela desejara. Assim, escolheu um vestido prateado e um coturno qualquer, fez uma maquiagem de qualquer jeito e saiu de casa sem dar satisfações.

Dirigiu por alguns minutos sem muita vontade. O trânsito estava caótico; ela não fazia ideia de que horas eram – talvez oito horas, o horário mais movimentado da cidade? Ela não fazia ideia. Na verdade, não se importava. As luzes brancas dos postes, coloridas das casas e avermelhadas dos carros a fizeram nostálgica. Sentiu saudades de Miami, das casas noturnas bem-iluminadas e das festas na beira da praia e em piscinas de hotéis, sempre regadas a drogas e bebidas fortes. Lembrou-se de certa vez, quando transformou com as amigas um simples luau na beira da praia, com direito à fogueira improvisada, em uma festa da qual ninguém se lembrava de quase nada devido ao tamanho do porre. De repente, lembrou também que Christian estava lá, pegando a bebida de sua mão, iluminado apenas pela luz amarelada da fogueira ali ao lado; o vento frio que vinha junto com as ondas negras do mar; a coloração dourada dos olhos dele quando ela colocou a mão na dele... Respirou fundo. Ignorou o jorro de adrenalina que a lembrança provocou. Não valia a pena, ela lembrou a si mesma. Procurou a casa de Lucian algumas vezes, passando pela mesma rua duas vezes. Só então, na terceira vez, quando já estava pensando em desistir e ir para casa dormir, viu um portão grande de ferro escuro. Pelo endereço que ele lhe dera e pela grande quantidade de carros caríssimos parados na calçada, era ali. Respirou fundo, contendo a agonia fria no peito da melhor maneira possível. Abriu a porta do carro e saiu.

O vento gelado bateu em seu rosto e levou o cabelo para o lado. Ela atravessou a rua vazia rápido, o frio a fazendo correr. Colocou o pé na calçada e ouviu alguém fazer um barulho – uma mulher trajada totalmente de preto com uma prancheta nas mãos saiu do portão e sorriu amigavelmente para ela. Usava uma calça jeans justa e uma blusa de mangas compridas com decote em v. Seus cabelos estavam presos em um coque e, apesar do vento forte, não havia um fio sequer fora do lugar.

– Senhorita? – A mulher desconhecida disse. Carmilla caminhou até ela com nojo. – Seu nome, por favor. – O tom de voz dela era fino demais. Carmilla esperava uma recepção melhor para a festa do rapaz.

– Carmilla. – Ela disse, apenas. A mulher riscou um nome na página e sorriu mais uma vez. Fez sinal para que ela entrasse, e o portão se abriu em dois, para o lado de dentro do jardim enorme. Sem pensar duas vezes, ela entrou.


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Notas finais do capítulo

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