Carmilla escrita por camila schwert


Capítulo 2
Um breve clichê - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Então, pessoal, como eu disse no capítulo anterior: eu escrevi o capítulo 1 para esclarecer bem as coisas, pra que os leitores entendam como é o dia-a-dia da Carmilla e como é a relação dela com o pai. Provavelmente ainda vai haver mais um post final para o primeiro capítulo, mas prometo que os próximos não serão tão longos.



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No elevador se apressou para apertar o botão de número 23, o último andar, onde o presidente ficava – nesse caso, seu pai. O trajeto até a cobertura foi irritante. Diversas vezes o elevador parou, e pessoas entravam e saiam o tempo todo, mas ninguém foi tão longe quanto ela – a garota que subiu mais alto foi só até o decimo nono andar. Carmilla tinha todos os motivos do mundo para querer gritar com o pai – ele a fez esperar, a fez molhar o cabelo na chuva e a fez ter a visão desagradável da loura falsa. Mas de certa forma ela tinha que agradecer, também. Se não fosse pelo atraso do pai, não teria se divertido tanto com o garoto no aeroporto – qual era seu nome mesmo? Luke... Leonard... Leandro... Louis? Lucian. O nome se fez presente na memória dela, juntamente com a maneira como ele olhou para ela quando se apresentou. Ela sorriu novamente, vendo seu reflexo no espelho do elevador.

As portas se abriram e ela caminhava novamente como uma modelo pela recepção do escritório. A primeira coisa que viu foi a mesinha preta onde ficava uma morena, teclando furiosamente no computador, checando o relógio de pulso compulsivamente, como se tivesse que se preparar para algo. Na parede leste, havia dois sofás de um lugar só, também pretos, de couro. As paredes eram pintadas de branco, límpidas, claras. A morena levantou o olhar e pareceu exausta. Seus olhos azuis estavam bem maquiados e, pela primeira vez no dia, Carmilla gostou do que viu. Aquela secretária era diferente da mulher do saguão – tinha o porte correto, sua maquiagem era impecável e seus cabelos estavam presos em um coque. As longas unhas quadradas eram pintadas de cinza-escuro. A garota largou o que estava fazendo e levantou-se, sorrindo mesmo estando relativamente cansada.

– Bom dia. Em que posso ajudar? – Sorriu mais uma vez, os dentes impecáveis perfeitamente alinhados.

– Bom dia. – Carmilla apenas pronunciou tal cumprimento pelo fato de que essa era a primeira mulher que via no dia que se igualava a ela de alguma maneira. – Preciso falar com o meu pai. – Carmilla não teria a paciência necessária para dizer o sobrenome do pai mais uma vez. Ela tinha certeza de que a garota sabia quem ela era.

– Certamente, senhorita. – A recepcionista disse, sorrindo mais uma vez, como uma criança que quer agradar ao pai. Mas Carmilla não era pai nem mãe, então não se abalou pelo sorriso da outra.

A morena abriu a porta e Carmilla entrou, triunfante, caminhando sobre os tênis como se eles fossem uma saltos altos Louboutin. Ouviu quando a secretária fechou a porta atrás de si. O pai estava sobre uma pilha de papéis, assinando alguns após ler o texto enorme impresso neles. No lixo, Carmilla pôde ver uma caixinha branca com uma listra vermelha, sinal de que ele havia ingerido comida japonesa nas últimas horas. O computador com a tela enorme estava ligado, e nenhum som além da respiração do pai se fazia presente no escritório. O local era mais claro do que todo o resto do edifício – totalmente branco, sem nenhum contraste em preto para quebrar a cor dócil. O computador, a mesa, as paredes, os sofás: tudo era impecavelmente branco. O único contraste ali se devia ao pai dela. Alex sempre teve os cabelos da cor do mármore mais escuro, da mesma maneira que os olhos também foram sempre extremamente escuros, proporcionando o contraste perfeito para a sala incolor. Ele sempre fora sério, isso ela lembrava, e agora as sobrancelhas se franziam em frustração. Os ombros largos estavam trajados por um terno bem cortado cinza-claro, que claramente lhe servia muito bem. Ao invés de lhe dar um oi ou dizer alguma coisa sarcástica, Carmilla apenas caminhou e se sentou em um sofá de couro branco à frente da mesa do pai. Deixou a bolsa cair no chão e cruzou as pernas, paciente.

Ele continuou assinando alguns papéis, lendo outros, digitando algumas coisas no computador às vezes. Olhou o relógio prateado no pulso, e só então percebeu a filha ali.

– AH! – Gritou como se nunca a tivesse visto. Examinou-a bem, para ter certeza de que era mesmo sua filha ali, chegou a estreitar os olhos para vê-la melhor. Suspirou quando realmente percebeu que era sua filha ali, parada, parecendo uma dançarina havaiana com bom gosto para roupas de grife. – Meu Deus, o que houve com seu cabelo? Parece que uma capivara passou por aí. – Ele disse, desajeitado com as palavras como sempre.

– Espero que você não use um argumento como esse no tribunal, pai, pois será o seu fim. – Ela disse, naturalmente insensível. Ele arrumou as pilhas de papéis de qualquer jeito na mesa, em uma pilha enorme, e desligou o computador apertando um botão que ela não viu. Olhou para ela com desgosto.

– Espero não ter que defender você por maus tratos a si mesma. O que foi que aconteceu com o seu cabelo, afinal? Você dançou break no asfalto ou colocou a cabeça em um liquidificador? – Exagerado como sempre, falou demais, mas não conseguiu irritar a filha. Insensível. Ele analisou o cabelo dela e concluiu que tinha sido grosso demais, mas não havia nada que pudesse fazer para a filha esquecer as palavras que disse. Ele próprio havia dito para ela uma vez: as palavras são como armas. Use-as da maneira certa e ganhará uma luta sem precisar tirar esses saltos altos. E ele sabia que Carmilla usava o poder das palavras, principalmente para iniciar discussões que nem existiriam se ela não fosse tão insensível.

– E espero que o bordel que é sua casa tenha um quarto a mais. Limpo, se possível. Não quero ter que quebrar minhas unhas tirando pó. – Ele olhou para ela, sem entender. Ela suspirou, agora totalmente impaciente. Xingou a mãe mentalmente por ser tão incompetente. – Fui expulsa de casa.

– Por não ir à escola ou por porte de drogas? Se você andou fumando maconha outra vez... – Ele começou a falar, relembrando da vez em que Carmilla havia sido presa e passara uma noite inteira na cadeia junto com dois amigos, por ter fumado um cigarro de maconha em uma praia de Miami. Ele lembrou que a ex-mulher o obrigou a passar duas semanas com a filha para tentar colocar algum juízo na cabeça morena e bronzeada dela. Foi, como ele pensara, em vão.

– Não teve maconha nenhuma dessa vez. Eu só esqueci que a semana de provas iria começar e fui a uma festa. Cheguei quando ela estava saindo para trabalhar, então claramente as capivaras passaram pela cabeça dela quando me obrigou a vir para cá. – Carmilla analisou as unhas, obviamente entediada. Definitivamente precisava achar uma manicure, mas o dia estava chuvoso demais para sair à procura de salões de beleza. Decidiu que ela mesma faria as próprias unhas quando conseguisse arrumar um quarto na casa do pai.

– Ela deve estar achando que eu vou colocar juízo na sua cabeça. Quando é que ela vai desistir dessa ideia insana? Nada mais pode salvar você. – O pai disse, sabendo que ela não se importaria em ouvir a verdade mais uma vez. Carmilla sabia que não tinha salvação.


– E você acha que ela não sabe? Ela só quer colocar a culpa em alguém para não se sentir tão fracassada. E você, pare de olhar para o meu cabelo como se o seu estivesse melhor. Se você não tivesse ficado aqui, lendo aquela papelada inútil, eu não teria me molhado e ficado parecida com um pato. – Ela pegou a bolsa e se levantou.

Foi caminhando até a porta e a abriu sem esperar que o pai a acompanhasse. Pelo que sabia dele, ele já estaria pronto para acompanha-la antes mesmo que ela percebesse. E de fato, assim se fez. O pai pegou um casaco que estava pendurado atrás da porta e acompanhou a filha até a sala da secretária, que digitava nervosamente. Com o canto do olho, Carmilla percebeu que a secretária estava organizando a agenda do pai. Daqui a três dias, ele teria uma reunião com o promotor da acusação do próximo caso. Como passou rapidamente por ali não conseguiu ver muito, mas conseguiu ler o sobrenome do acusado: Montgomery. Carmilla sentiu alguma coisa cutucar na memória, como se já tivesse ouvido aquele nome em algum lugar.

Ambos se dirigiram até o elevador, Alex apenas parando por alguns segundos para alertar a secretária sobre uma saída com a filha e que ela deveria transcrever as papeladas que estavam no escritório até às três da tarde. Carmilla entrou no elevador e o pai entrou logo em seguida, conferindo alguma coisa no celular e enviando uma sms para alguém. Carmilla olhou seu reflexo no espelho do elevador – o cabelo não estava bagunçado, como o pai quisera dizer, mas estava úmido por conta da chuva. Já o pai, ela percebeu, estava com o cabelo um tanto bagunçado. Talvez ele nem tenha percebido. Carmilla imaginou quantas horas por noite ele estava dormindo, considerando as olheiras arroxeadas do pai, mas não se ateve ao pensamento. O elevador parou na garagem, onde o carro do pai estava estacionado. Ela o viu imediatamente e teve certeza de que aquele era o carro do pai – era o único carro preto do estacionamento.

– Se você tem uma Porsche qual carro eu vou ter? – Perguntou, entrando no carro e sentando-se no banco do passageiro.

– Isso não é só uma Porsche. É um 911 black edition. Edição especial. – Alex sorriu como uma criança que exibia um presente caro para os amigos. Ele parecia, de fato, muito mais jovem agora, dirigindo um carro caro com a filha ao lado. Pareciam uma família feliz. Mas as aparências enganam, afinal. – Se você quiser pode pegar o Lexus, já que você adora ostentar. – Eles agora estavam saindo da área central da cidade, deixando os edifícios empresariais e entrando na área residencial. Ainda assim os prédios eram enormes e Carmilla teve certeza de que se perderia ali algum dia. O pai entrou em um dos condomínios com apartamentos, e ela pôde ler uma fachada que dizia FLORENCE. O porteiro sorriu para eles e Alex estacionou na garagem coberta, que continha diversos carros de luxo. Ao vê-los, Carmilla abriu um largo sorriso. Ela adorava tudo isso. – Chegamos. – O pai disse, abrindo a porta.

Carmilla saiu do carro e olhou para o lado, apenas para ver o Lexus preto que, pelo olhar do pai, ela sabia que pertenceria a ela. Ele sorriu ao ver a expressão prazerosa dela, e então mexeu no bolso interno do paletó. Entregou um molho de chaves prateadas à ela – a chave do Lexus e mais uma extra que ela não conhecia.

– É uma chave extra do apartamento. Não sei quantas noites por semana você vai dormir em casa, e conhecendo-te bem sei que não serão muitas. Mas mesmo assim, você vai precisar trocar de roupa entre um porre e outro. – O pai disse, e começou a caminhar despreocupado. As portas do elevador tinham acabado de se fechar, então ele concluiu que teria mais tempo para conversar com a filha. Não que quisesse.

– É realmente muito legal quando meu pai me chama de alcoólatra por uma indireta. Fique sabendo que eu pretendo passar de ano, a propósito. – Ela disse, sem realmente se deixar abalar pelo que o pai disse. Encostou as costas trajadas pela jaqueta negra na parede ao lado do elevador. Mais dois carros entraram na garagem. Carmilla só então percebeu que o estacionamento era no subsolo, um nível abaixo do primeiro andar. As paredes eram de pedra escura e os desenhos indicadores de flechas no chão eram desenhados com tinta branca.

– E então porres só depois do boletim final? Só para poder rir da cara de pato da sua mãe depois do resultado? – O pai perguntou. Carmilla pôde ouvir a acidez na voz dele, mas como sempre, não se abalou. Fazia tempo desde que as palavras de alguém a machucavam.

– É essa a ideia. Humilhar. – Ela respondeu, sem se importar se ele gostaria da resposta ou não. Observou outro carro sair lentamente do estacionamento com uma expressão tediosa. O pai olhou para o chão para esconder o sorriso que estampava sua face.

Desde os quinze anos Carmilla havia começado a se parecer cada vez mais com o pai e menos com a mãe. Cada vez os traços da personalidade forte dela eram mais admiráveis para ele. Quando ela foi presa e a ex-mulher ligou desesperada para ele, ele sentiu um orgulho horrendo ao ver a filha rir na cara da mãe quando esta estava reclamando. Carmilla não se importava com ninguém a não ser ela mesma, e talvez fosse por isso que todos que se aproximavam dela ficavam imediatamente atraídos. Ele só podia se orgulhar dela, pois os mesmos traços de crueldade que ela possuía ele mesmo havia cultivado quando era mais novo. Carmilla era a perdição de qualquer um, e tinha absoluta convicção deste fato. Carmilla era tudo o que alguém poderia querer ter ou querer ser – e ela sabia disso e esmagava quem quer que chegasse muito perto, apenas pelo prazer da humilhação alheia.

As portas do elevador se abriram e Carmilla não aguardou o pai. Ele entrou depois dela e apertou o botão número 20. O vigésimo andar era o mais alto, e, como de costume, seu pai estava morando na cobertura. Ambos observaram durante alguns minutos o próprio reflexo na parede do elevador, sem vontade de dizer nem uma única palavra um para o outro. Quando as portas do elevador se abriram, Alex foi o primeiro a sair. O corredor era claro, com um papel de parede bege com desenhos ornamentados. Apenas mais uma porta era visível naquele andar – ficava do outro lado do corredor. Algum outro empresário? Carmilla não se esforçou para pensar no assunto, simplesmente porque não se importava. O pai abriu a porta do apartamento e entrou sem esperar que a filha o seguisse.

O apartamento era grande, isso era visível. Carmilla viu primeiro a sala de jantar, com uma imensa mesa de vidro cercada de seis cadeiras de aço. Atrás, uma parede branca com um quadro com desenhos bicolores. A oeste da mesa, a sala de estar: continha um sofá preto de couro e um tapete de pelagem branco e preto. Na frente, uma televisão enorme estava colocada na parede. Abaixo, jogos diversos como Nintendo Wii, Xbox e Playstation 3. Atrás ficava a cozinha, mas Carmilla não quis ver mais de perto. Um pufe branco estava ao lado da janela enorme da sala de estar, que naquele momento estava coberta por uma cortina de seda chinesa. As paredes eram todas brancas e o piso de igual cor. Carmilla adentrou um corredor e viu intermináveis CDs em prateleiras. Exemplares de bandas como Foo Fighters, Nirvana, David Bowie e Kings of Leon enchiam as paredes do longo corredor. Carmilla percebeu que as paredes do corredor eram pintadas de preto, e a prateleira era branca. Contraste. Haviam quatro portas naquele corredor, já conhecidas para ela. A primeira era a biblioteca, onde ela passaria a maior parte do tempo lendo coisas como A Divina Comédia e Paraíso Perdido, observando a cidade através das janelas enormes. A outra porta era o escritório do pai, onde eventualmente ele passava noites em claro. A porta do outro lado do corredor – do lado direito – era o quarto do pai, que ela evitaria ao máximo para não ficar traumatizada, e a última porta era a do seu quarto. Carmilla sempre gostou daquele quarto, pois a maçaneta era diferente de todas as outras da casa: a maçaneta do quarto dela era vermelha, e não branca como as outras. Ela sabia que o pai apenas cedia aquele tipo de capricho a ela, e sempre ficava satisfeita quando via que aquela cor naquele objeto tão pequeno, que quebrava toda bicromia da casa.

O quarto dela já era conhecido. A cama de casal ocupava a maior parte do espaço. A parede ao lado da cama tinha um quadro que ela mesma insistiu em pintar: uma boca vermelha com o batom borrando nos cantos, como se alguém tivesse passado a mão. O closet era quase imperceptível, pois era totalmente branco, assim como as paredes. Ela não pode deixar de notar que o edredom que estava sobre a cama era preto, assim como os travesseiros. Contraste. A porta do banheiro também era preta, mas ela não se incomodava mais com isso. Havia um computador em uma parede isolada do quarto, com uma tela grande e branca. Isso era algo novo. Então ela se lembrou do computador do pai na sede da empresa – brinquedinhos novos para os dois. Ela quase achou fofo da parte dele. A primeira coisa que fez foi tirar os tênis ensopados dos pés e coloca-los dentro do closet, ao lado de tantos outros sapatos que sempre ficavam ali. A chuva havia facilitado o trabalho que ela teria para limpar o Converse – agora ele estava quase limpo.

Escolheu uma calça jeans e uma blusa de mangas compridas azul-escuro para usar. Deixou as roupas sobre a cama e encaminhou-se até o banheiro. O ritual para o banho não foi demorado, considerando que ela estava com frio devido à chuva que pegara mais cedo. Entrou na banheira e ficou parada durante alguns minutos, pensando no que deveria fazer. Planejou uma lista mental do que deveria fazer hoje, e não gostou nada da ideia de ter que ir a uma escola fazer a matrícula. Ela sequer tinha o histórico! A possibilidade de repetir o terceiro ano a encheu de um desespero latejante. Saiu da banheira e vestiu apenas uma lingerie preta e um robe vermelho. Deixou uma toalha na cabeça enrolando o cabelo e saiu do quarto. Passou pelo corredor e sentiu um cheiro agradável de comida. Ao chegar à sala de estar, viu duas caixas brancas sobre a mesa. Dois pratos brancos estavam empilhados ao lado das caixas. Ela abriu uma, e a pizza de calabresa a esperava. Tirou um pedaço e colocou em um dos pratos, comendo em mordidas pequenas que disfarçavam sua fome.

– Sua mãe me mandou seu histórico escolar por e-mail. – Alex entrou na sala de repente, segurando algumas folhas impressas e grampeadas. – Que horror. Você é um pesadelo em química. – Disse, debochando da filha na maior cara dura. Sentou-se e deixou as folhas de lado.

– Eu sou um pesadelo em qualquer circunstância, pai. Admira-me que ainda não tenha percebido isso, considerando que você é tão incrivelmente inteligente. – Carmilla respondeu, novamente sem se importar com as palavras ofensivas do pai.

– É, eu sei. Inclusive hoje você deverá fazer sua matrícula. Eu não tenho tempo pra isso, a propósito. – O pai disse. A pizza de calabresa já acabara, portanto ambos começaram a comer a de quatro queijos.

– Tanto faz. Sua secretária não pode fazer isso? E como é o nome dela, mesmo? Angel? Alice? – Carmilla riu quando viu a expressão de tédio estampada na cara do pai. Nem ele próprio deveria saber o nome da mulher.

– Sei lá. E não, ela não pode fazer a sua matrícula. E tire essa coisa da cabeça. Você vai fazer o quê com essa toalha enrolada, ler mãos? Daqui a pouco a casa vai estar cheia de incensos. – Ele debochou mais uma vez e jogou uma azeitona nela. Ela jogou um pedaço de borda de pizza no terno dele. Ambos riram juntos, como um pai e uma filha feliz. Mas como sempre os clichês habituais não se aplicavam a eles. Carmilla sabia tanto quanto Alex que eles jamais seriam uma família, quanto mais uma família feliz.

– Hmmm... Incenso me lembra um cigarro muito legal que eu fumei... – Ela não teve tempo de terminar, pois o pai jogou uma caixa vazia de pizza que acertou bem o meio da cara dela. Carmilla riu alto e jogou o pedaço ainda pela metade da pizza no cabelo do pai. Ele tirou e apenas sorriu.

– Nada de maconha aqui, tá? Não quero perder clientes por causa da minha filha problemática que gosta de um cigarrinho. Se quiser fumar esse negócio, vá para a Jamaica. – Ele disse. Carmilla compreendia perfeitamente o motivo pelo qual não poderia fumar aqui. Prejudicar os negócios do pai estava fora da sua lista de interesses.

– Tá, tá. Agora eu vou tirar essa toalha da cabeça antes que alguém entre aqui querendo leitura de Tarô. Falando nisso, você tem um baralho de Tarô? – O pai estava a ponto de jogar mais uma caixa bem na cara dela quando ela saiu da mesa, ainda rindo. Irritá-lo podia ser bem divertido com comida por perto.

Entrou no quarto e pendurou o roupão na cadeira e então começou a se vestir. Deixou a toalha cair no chão e caminhou pelo closet procurando algum sapato usável. Escolheu um Converse verde militar de cano alto com algumas tachas na lateral. O desenho que havia feito no tênis na última vez que o usara ainda estava ali.

Calçou o tênis, colocou o celular, documentos de habilitação, carteira e o histórico escolar dentro de uma pasta. As chaves de casa e do carro estavam juntas dentro da bolsa. Deixou o cabelo solto, mas mesmo assim tinha três borrachinhas de cabelo presas no pulso. Saiu de casa sem ver o pai.

Carmilla consultou o GPS instalado no carro duas vezes até encontrar a escola. A princípio, ela pensou que fosse o jardim de uma mansão: os muros eram feitos de pedras brancas realmente grandes, cobertas por trepadeiras de um verde-escuro quase militar. Os portões eram altos como os muros e arqueados, feitos de ferro escuro. Uma placa de mármore branca quase coberta pelas trepadeiras anunciava, em letras escuras, que atrás daqueles portões residia o Instituto de Ensino St. Madler.

Ela parou o carro na frente do portão de entrada quando um segurança que estava do lado de fora fez sinal para que ela estacionasse. Ele observou o carro, comportamento típico de um homem – mas, quando ele a viu, o mundo parou. Era como se ele só estivesse vendo a garota – o carro parecia não ter valor algum. Ela sorriu, sabendo perfeitamente o efeito que causara no homem.

– Belo carro, madame. Posso ajudar? – Ele perguntou, se abaixando para ficar na altura da janela do carro. Vestia um uniforme totalmente preto e coturnos. Parecia um anjo vingador com aquelas roupas e seu cabelo louro. Carmilla detestou o tom escuro dos olhos dele.

– Obrigada. Eu preciso fazer uma... Matrícula. – Ela demorou para terminar a frase: havia esquecido a palavra. Ninguém poderia culpa-la. Ela sempre fora assessorada pela mãe para realizar estes procedimentos. Mesmo assim, o segurança achou a demora para finalizar a frase algo extremamente sexy e cheio de intenções ocultas. Idiota.

– Claro. Siga em frente e ao final encontrará o setor de matrículas. Boa sorte e tenha um bom dia, madame. – Ele disse. Ela leu um crachá grudado na camisa dele e sorriu.

– Obrigada, Albert. – Ela respondeu, mais uma vez realizando um clichê perfeito para uma garota como ela, que adorava clichês provocativos. Os portões já estavam abertos, e então ela entrou.


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Notas finais do capítulo

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