Carmilla escrita por camila schwert


Capítulo 1
I - Um breve clichê


Notas iniciais do capítulo

Pois bem: como meu primeiro capítulo, decidi pegar leve e esclareci bastante as coisas. Escrevi o ponto de vista de ambos os personagens principais, mas aviso que nem sempre vou fazê-lo.
Foi divertido escrever porque, em todas as outras histórias que já escrevi (impublicáveis, é uma pena), em nenhuma outra coloquei tanto de mim na personagem. Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/372201/chapter/1

NO AEROPORTO, Carmilla estava sonolenta. Assim que saiu do avião, notou que havia recebido uma mensagem de seu pai no celular, que a instruía a ficar na cafeteria do aeroporto e comer alguma coisa até que ele chegasse, pois estava atrasado. Ela suspirou – quantas vezes já tinha visto aquilo? As mensagens de atraso do pai eram tão comuns para ela quanto os gritos exagerados da mãe. Mesmo assim, fez o que o sms pedia. Não porque se importava com as ordens do pai – que não significavam nada para ela – mas porque realmente precisava de um café expresso e de um bolinho. Caminhou com o carrinho prateado que guardava as malas durante alguns minutos naquela multidão lenta até encontrar a cafeteria. Um grande letreiro anunciava que ali residia uma franquia da Starbucks. Largou as malas ao lado de uma mesinha e foi até o balcão. Esperou cerca de três minutos na fila, fato que não melhorou em nada seu humor. Por fim, quando chegou sua vez, pediu um café expresso e um bolinho de chocolate, e foi sentar. Abriu a bolsa e pegou “Desespero”, de Stephen King, e começou a reler o livro, já tão conhecido para ela quanto as ruas do bairro onde morava.

O café e o bolinho chegaram depois de alguns minutos, então ela guardou novamente o livro na bolsa e comeu, apreciando a visão de todas aquelas pessoas ao redor dela, tão imersas em suas próprias vidas inúteis. Carmilla sempre gostou de observar pessoas que julgava serem inferiores a ela – hábito cultivado em Miami e que pretendia prolongar em Los Angeles, apenas por falta do que fazer e pela diversão obscura que aquilo proporcionava a ela. Largou o café na mesa quadrada para dois quando percebeu que não era a única sentada ali. À sua frente, havia um garoto que ela notou não ter mais de dezenove anos e que, pelo julgamento preciso dela, tinha um estilo consideravelmente “grunge”. Vestia uma camiseta preta e uma calça jeans desbotada com rasgos nas coxas e pernas. Calçava um Converse preto não menos sujo do que o dela própria e estava lendo a biografia de Dave Grohl. Carmilla rapidamente o julgou diferente – indie, talvez, ela não sabia. Mas em Los Angeles, uma cidade tão fria, onde as pessoas raramente faziam troca de palavras com pessoas estranhas, o garoto estar dividindo uma mesa com ela era algo relativamente estranho – principalmente pelo fato de que não estavam separados por muito mais de 30 centímetros.

Ele colocou o livro na mesa e bebeu um gole longo do cappuccino. Tirou um maço de cigarros do bolso e acendeu um, olhando para ela como quem quer puxar conversa – e ele o fez assim que seus olhos se cruzaram. Carmilla pôde perceber que os olhos dele eram não só azuis, mas azul-escuros, uma cor que ela adorava em qualquer coisa e que, misturada ao estilo arrebatador do rapaz, quase a fez suspirar. Quase.

- Quer um cigarro? – Ele perguntou, a voz rouca soando baixa e sensual, e mesmo que ele não quisesse soar assim, não se importou. E Carmilla, que nunca resistia a um cara desconhecido com um estilo que lembrava Kurt Cobain, aceitou. Ela apenas assentiu, sem dizer nem uma única palavra, e então ele fez algo que ela, a garota mais imprevisível de todas, que nunca se ajustava, que sempre surpreendia a todos com seus atos impensados, não esperava. Ele tirou o cigarro da própria boca, já meio começado, com algumas cinzas na ponta, e colocou na boca dela. Carmilla fumou tranquilamente, sem deixá-lo perceber o quão inesperado foi o ato, e o quanto aquilo a deixou ainda mais inquieta sobre ele.


Enquanto ambos fumavam olhando para lados opostos, Lucian não parava de pensar na garota à sua frente, que observava todas as pessoas na multidão do aeroporto com um olhar esnobe. Quando se sentou ali, esperava que ela no mínimo o pedisse para sair, mas não o fez – ela sequer notou sua presença ali a princípio. E Lucian, encrenqueiro como sempre, decidiu que seria legal provocar uma garota lhe oferecendo um cigarro. Garotas normais diriam que não, ou o mandariam sair dali, mas ela apenas aceitou, sem dizer palavra alguma. E então, já não aguentando mais o silêncio dela e o ar despreocupado que simplesmente emanava dela, tirou o cigarro da boca e o colocou ele mesmo na boca da garota, imaginando que fosse ouvir um grito ou levar um tapa, mas nada aconteceu. Ela apenas fumou, sem dizer absolutamente nada, e continuou observando as pessoas ao redor deles. O que ela tinha de errado? O que ela tinha de tão intrigante? Ela tinha cabelos escuros e vestia uma camiseta preta com uma jaqueta de couro jogada por cima, que misturava-se maravilhosamente com os cabelos negros que caíam por seus ombros. O Converse dela, ao contrário dos tênis das outras garotas, era tão sujo quanto o dele. O esmalte das unhas, descascado. Esse ar despreocupado estava irritando-o, fazendo-o enlouquecer, e pela primeira vez na vida ele realmente desejou uma garota. Desejou conhecê-la, saber seu nome, onde morava. Desejou estar com ela durante horas a fio, conversando sem parar para que ele pudesse tentar descobrir o que ela tinha de tão chamativo dentro de si.

Quando ela colocou o resto do cigarro no cinzeiro e terminou o café, ele imaginou que alguém estaria vindo encontrá-la. Olhou pela multidão de pessoas, mas não viu ninguém vindo, e ela não parecia estar olhando para alguém específico. Ela colocou a bolsa no ombro e pegou o carrinho com as malas, sem cruzar os olhos com os dele uma única vez. E como de praxe, quando ela passou por ele, Lucian não suportou a ideia de não saber sequer seu nome. Colocou a mão na dela, ato que quase não a fez parar se ele não tivesse se levantado e se posto à frente dela, tudo isso com uma naturalidade que não deixava transparecer a euforia que estava sentindo por ter à sua frente uma garota tão diferente das demais.

– Tem alguém para busca-la? – Perguntou, mesmo sem saber se ela estava chegando de viagem ou simplesmente indo viajar. Mas a julgar pelas olheiras sob seus olhos, que apenas a deixavam ainda mais intrigante, ela deveria estar chegando, concluiu ele. Ela olhou para a multidão e sorriu de canto, como se estivesse achando graça.

– Não. – Ela disse, apenas. Ele esperou que ela perguntasse o porquê de ele querer saber, mas não o fez. Ela estava deixando-o louco com essas respostas curtas. Logo ele, que nunca ficava louco com uma garota.

– Venha, vou chamar um táxi. – Ele disse, surpreendendo até a si mesmo. Deveria ficar aqui e esperar sua irmã chegar, mas não se importava com a mais velha agora. Caminhou com a garota até a saída, o tempo todo em silêncio, e chegaram até a calçada com facilidade; a multidão se concentrava apenas dentro do aeroporto, e não fora. Chamou um táxi e o motorista veio rapidamente para colocar as malas dela no porta-malas. Uma chuva relativamente forte começara, e ambos estavam protegidos pelo teto, mas ela se molharia até chegar ao carro. Ele sorriu com a ideia de vê-la molhada, em diversos sentidos. – Então, - começou ele – não vai me dizer seu nome? – Perguntou, fazendo-a rir, um riso cativante que também o fez rir baixinho. Ela olhou para ele, como se estivesse esperando que ele se apresentasse primeiro. – Meu nome é Lucian. Lucian Montgomery. – E ele sorriu, esticando a mão para ela, que a apertou. Sua mão era macia, e ele notou uma espada tatuada no dedo anelar dela, quase imperceptível. Uma unha dela o arranhou sem querer. O taxista buzinou com força, chamando a atenção dela, que soltou a mão de Lucian rápido demais na opinião dele, e foi até o carro caminhando, sem se importar com a chuva que caía forte. Mais uma vez, ele não conseguiu aguentar, e foi atrás dela, puxando a mão dela no momento em que ela abria a porta traseira do carro, e a prensando contra o automóvel, seus corpos perto demais um do outro. – Não vai mesmo me dizer seu nome? – Ele perguntou. Ela sorriu novamente.

Carmilla pensou duas vezes antes de beijá-lo. A chuva caía forte e estava deixando o cabelo dela um tanto molhado demais, não que o rapaz estivesse mais seco. Ela resistiu ao impulso de responder todas as perguntas dele até agora, apenas para este momento acontecer – clichê, sim, mas ela adorava clichês provocativos. Ela via em seus olhos que ele esperava ouvir seu nome e, claro, um beijo na chuva, mas ela não faria nenhum dos dois, pelo simples fato de que gostava demais de si mesma para acabar com a brincadeira logo no começo. Chegou mais perto dele, os olhos mirando os do outro, colocando os lábios a menos de meio centímetro de distância dos dele, e então, com uma voz suave e provocativa, ela disse:

– Obrigada pelo cigarro. – E então abriu a porta do carro e sentou-se no banco macio, fechando a porta em seguida e deixando um lindo estranho com cara de bobo para trás. O taxista era rápido, para sua alegria.

O acontecimento com Lucian a divertiu temporariamente, mas não a fez esquecer os problemas que ainda a cercavam. Checou o celular, mas não encontrou nenhuma mensagem ou ligação que explicasse onde o pai estava. Indicou ao motorista o endereço da empresa do pai, que ficava no centro da cidade. Com a chuva e a grande quantidade de pessoas desembarcando, o trânsito estava um tanto lento. Em cerca de 40 minutos, conseguiram chegar ao escritório de advocacia. Uma placa indicava que o prédio de 23 andares pertencia à Alex Hitchfield Interprises INC. O escritório de advocacia empregava mais de 700 pessoas só na sede principal, incluindo recepcionistas, secretárias, arquivistas e os próprios advogados - considerados os melhores não só de Los Angeles, mas de todo o país.

Um recepcionista veio assim que Carmilla saiu do táxi; ele segurava um guarda-chuva para a morena. Sorrindo, ele perguntou educadamente o que deveria fazer com as diversas malas dela. Sorrindo de volta muito ironicamente, ela disse que ele deveria "colocar no porta-malas do chefe", apenas para depois apreciar sua expressão de espanto.

– Meu nome é Carmilla. - Ela disse, num tom despreocupado. Os olhos do recepcionista se arregalaram ao ouvir o nome conhecido.

– Como quiser senhorita Karnstein. - Ele disse, curvando-se ligeiramente. Seu sotaque britânico era leve, quase imperceptível. Carmilla achou quase adorável.

Ele a guiou pela calçada até a entrada do saguão, onde era coberto e ela não tinha risco de se molhar. Saiu apressadamente para se livrar das malas da garota enquanto ela apreciava levemente a vista da rua - estava frio, chovendo e o dia quase parecia noite, mas ela adorava. Melhor do que o calor exagerado de Miami, do qual ela já estava enjoada. Definitivamente seria bom passar um tempo aqui, atormentando o pai e fumando cigarros de desconhecidos em aeroportos.

Adentrou o salão de entrada que, particularmente, não era grande coisa aos olhos dela. Era grande, e tinha uma mesa de centro de madeira rústica com quatro sofás de couro negro de três lugares, um de frente para o outro. O local era totalmente branco e preto, com os contrastes das cores sutis, sem exagero. A sutilidade era tanta, que o balcão da recepção era branco - com uma única linha preta circulando todo o móvel - e as recepcionistas, além de estarem vestidas de preto, eram loiras. Sutilidade. Caminhou até o balcão da recepção, tendo total certeza de que não precisava daquilo para ir ver o pai - bastava entrar num elevador e subir. Mas, como Carmilla era devidamente educada, se dirigiu à uma das loiras - percebeu que seu louro era artificial assim que chegou no balcão, e seus olhos azuis na verdade eram lentes. Suspirou.

– Quero falar com Alex Hitchfield. - Disse, com aquele tom de voz superior que sempre usava quando não tinha paciência.

– Seu horário? - A loura falsa perguntou, arrancando de Carmilla um olhar mais esnobe - se é que era possível - e uma risada baixa, cheia de ironia.

– Querida, eu não preciso de horário. - Respondeu, sorrindo daquela maneira que ela sabia que era venenosa. A recepcionista titubeou, olhando para baixo e para as outras duas colegas, que não estavam a par da pequena discussão.

– Seu nome? - Pediu a loura.

– Carmilla Karnstein. - E como sempre, seu nome lhe abriu portas. A loura rapidamente sorriu abertamente, rapidamente percebendo o erro que cometera. Saiu detrás do balcão e caminhou pela recepção, indicando que Carmilla deveria segui-la.

E assim a morena fez, caminhando a passos lentos pelo caminho atrás da loura insuportável. Enquanto caminhava não podia deixar de perceber que as pontas do cabelo da outra estavam um tanto ressecadas e quebradiças – não deixaria de reclamar sobre isso com o pai. Com o salário que aquela loura incompetente recebia era obrigação dela parecer impecável para os que recebia. Enquanto caminhava Carmilla não deixou de notar mais um erro – a coluna da outra estava um pouco para baixo, e ela aparentemente não sabia como andar com um salto alto. Ela imaginou a loira usando um salto alto 15 cm e sorriu. Seria como ver um hipopótamo na corda bamba. Mas pelo menos a garota era magra, o que Carmilla aprovava. Ninguém merece uma recepcionista com mais de 70 kg. Ao entrar no elevador, Carmilla deu uma piscadela para a loura. A recepcionista não sabia, mas aquele ato foi de extrema ironia. Carmilla era assim: gostava de fazer com que pensassem que ela estava a favor das pessoas, quando na verdade estava contra. Uma cobra. Seu melhor comparativo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Carmilla" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.