Crônicas De Ninguém escrita por Dexx


Capítulo 3
Capítulo 2: Memórias...


Notas iniciais do capítulo

Música para acompanhar a leitura: http://youtu.be/F3F_7p7ScHY
("Forgotten" - Combichrist)

Observação: as músicas em cada capítulo são opcionais, quem lê não precisa ouvi-las, mas dão uma ambientação dentro do que se passa na minha mente quando escrevo, por isso eu recomendo.



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Finalmente estou em casa, depois de passar quase dois anos no hospício, nada é tão confortável quanto minha cama.

Tudo em meu quarto está como deixei, com exceção dos desenhos que fiz nas paredes, pintaram por cima. Tudo bem, eu tenho eles na minha mente ainda e é isso que importa por enquanto.

Tomo um banho, desço até a sala e deito no sofá, minha mãe está sentada no outro assistindo o jornal, meu pai, como sempre, não está em casa. Deve estar no bar...

–- Mãe, como estão as coisas aqui em casa? Meu pai tá trabalhando ainda?

–- Seu pai continua na mesma... Não sei mais o que fazer com ele. Um dia desses ele brigou com o encarregado na empresa e tá suspenso até semana que vem...

–- Cadê ele agora? – pergunto já sabendo da resposta.

–- Deve estar enchendo a cara... Daqui a pouco ele chega perturbando.

Meu pai sempre teve problema com bebida, nunca foi violento com minha mãe, já comigo ele foi algumas vezes, lembro de cada uma das surras como se ainda agora eu estivesse apanhando. Nenhuma teve motivo. Uma vez ele me bateu por eu estar chorando, humpf.. Chega a ser irônico, eu estava chorando porque ele caiu da escada e pensei que estava morrendo, quando acordou a primeira coisa que fez foi me bater. "filho meu não chora, isso é coisa de viado" essa foi uma das poucas vezes que meu pai falou comigo.

–- Vou ficar no quarto, não quero encrenca...

Peguei um livro da estante e subi. "Nas Montanhas da Loucura" de H.P. Lovecraft, um livro que peguei emprestado na biblioteca da escola e nunca mais devolvi, livros eram a melhor maneira de fugir de tudo que me cercava.

Mas não consegui ler muito, fiquei pensando no que aconteceu antes de me darem como louco...

Março de 2002:

Eu tinha 12 anos, era apenas um garoto tímido, o "nerd" da sala. No caminho até o colégio encontrei dois garotos da minha turma, eles estavam estranhos...

–- Armand! – me chamou George.

–- Hey! O que vocês estão fazendo aqui fora da escola ainda? Estamos atrasados já!

–- Não vamos entrar hoje, nem você deveria... – disse Mauro com o olhar fixo no vazio.

–- Por que não?

–- Você apenas não deveria... Hoje vai ser um tanto bagunçado lá....

–- haha! Todo dia é dia de bagunça naquela escola. Vocês estão com medo do Rodrigo? – Rodrigo, conhecido como "Gordão", era o típico valentão, naquela semana havia nos ameaçado, até hoje não faço ideia do motivo, mas enfim...

–- Já cuidamos dele. Ele não vai mais nos incomodar, não vai incomodar ninguém nunca mais... – disse George de modo estranho, havia algo de diferente em suas vozes.

–- Então tá bom. Eu vou entrar, hoje tem prova de matemática e não to afim de ser reprovado. Até mais seus doidos.

Entro na escola e vou correndo para a sala de aula, estou muito atrasado. Já não tem ninguém no corredor. Chego na sala junto com a professora Marta, por pouco eu não entraria mais.

Só mais um dia normal de aula, o pessoal do fundão jogando bolinhas de papel na minha cabeça, alguma menina fazendo piada sobre meu visual, o básico de todos os dias em que frequentei a escola.

Até pouco depois do recreio, onde houve um grande barulho, parecia uma bomba ou algo do tipo, eu tinha quase certeza que eram os alunos do ensino médio, eles tinham esse costume de praticar vandalismo... Mas então a inspetora vai correndo até a sala, chorando, coberta de sangue e tranca a porta.

–- Ninguém sai daqui, pelo amor de Deus.

–- O que houve Lucia? Pergunta o professor Nelson, meu professor de história na época.

–- Lá fora.. N-não vão lá fora até ele ir embora..

–- Ele quem!?!?!?

A inspetora desmaia. Todos na sala estão em pânico, inclusive eu. Os sons estridentes continuam, é como se uma guerra estivesse ocorrendo fora daquela sala. Os gritos de desespero lá fora são tão altos que mal dá para ouvir o que acontece onde estamos...

Uma garota bate na porta da sala, e depois cai, a marca da mão dela fica no vidro da porta, desenhada por sangue.

De repente, silêncio. Parece que tudo aquilo parou. O professor decide sair para olhar.

–- Vocês, tranquem a porta e não saiam daqui, só abram se eu pedir.

Eu fico na cadeira perto da porta, tremendo de medo e esperando o professor voltar. Agora lembro do que George e Mauro me disseram... Será que eles são os responsáveis por tudo aquilo?
O professor volta, então abro a porta.

–- Acabou turma, vocês pod... – a voz do professor some. Então posso ver um tipo de lança saindo de seu pescoço, e depois voltando pelo mesmo lugar, jorrando sangue em mim... Todos na sala gritam de desespero e então eu vejo...

Não é um homem, ao menos não por completo... Tem corpo como o de um homem, mas sua cabeça parece de animal, com o focinho pontiagudo, orelhas também pontiagudas, como aqueles cachorros da raça doberman, mas ainda assim a aparência final de sua face não é como a dos cachorros, só o formato mesmo.
Ele está descalço, usando um tipo de saia branca, um colete aparentemente de metal e vários colares e pulseiras de cores diferentes, tem cabelos longos, lisos e negros. A lança em suas mãos parece uma foice. Tenho certeza que a criatura me encara, mesmo que tenha sido uma fração de segundos esse momento, foi como uma eternidade para mim. Então a criatura desaparece e eu vejo George e Mauro caídos na poça de sangue junto com muitos outros corpos.

Agora o barulho é o das sirenes, a polícia e emergência estão chegando.

–- Garoto, qual o seu nome? – alguns minutos depois me pergunta um dos policiais.

–- A.. Armand...

–- Eu gostaria de fazer algumas perguntas, tudo bem?

–- Sim... – eu ainda não podia acreditar em tudo o que vi ali.

–- Você conhecia esses dois garotos? – ele me mostrou fotos de George e Mauro

–- Sim, são George e Mauro...

–- Você sabia de alguma coisa que aconteceu aqui na escola com eles?

–- Não.. – me lembro do Rodrigo.–- Quer dizer, mais ou menos...

–- Como assim Armand?

–- Tinha um menino que vinha ameaçando eles, e me ameaçando também.

–- Esse garoto? – o policial tira uma foto de Rodrigo dos arquivos.

–- Sim, ele mesmo!

–- Entendo... É só isso por enquanto.

–- Mas por que você me perguntou dessas coisas? O que aconteceu aqui??

–- Não posso falar garoto, você é muito novo para entender isso ainda...

Minha mãe chega, com lágrimas nos olhos e me abraça.

–- Graças a Deus! Você está bem? – ela confere meu corpo todo, creio eu que procurando ferimentos devido o fato de estar cheio de sangue nas roupas.

–- Sim mãe, eu to bem! Calma...

Os paramédicos fazem algumas observações e me liberam. Minha mãe me leva para casa.

Tomo um banho para limpar todo aquele sangue, desço até a sala e vejo minha mãe ali assistindo TV, paralisada. Quando olho para ver do que se trata, a tarja do jornal diz "dois garotos invadem colégio, matam outras 15 crianças, 3 funcionários e depois cometem suicídio" no canto da tela enquanto o apresentador fala, as fotos de George e Mauro estão ali.

–- MÃE!!

–- Eles não eram seus amigos Armand?

–- Sim! Mas não foram eles! NÃO FORAM ELES!! EU VI QUEM FEZ ISSO!! Desliga isso mãe, vamos na polícia. Não foram eles!!

Minha mãe acredita em mim, mesmo eu ainda não tendo contado o que vi e me leva até a delegacia.

–- Então, Armand. Você é um garoto corajoso. Eu soube que você cuidou da porta para manter seus colegas seguros. – me diz o delegado.

–- Eu só fiz o que o professor pediu.. Mas eu estou aqui para dizer o que eu vi. Não foram meus amigos que fizeram aquilo.

–- Senhora Eve, seu filho sabe dos detalhes do que aconteceu na escola? Digo, além do que ele viu? Teria problema que eu contasse o que a polícia sabe até então?

Minha mãe me olha preocupada mas ainda assim consente que o delegado me conte o que foi apurado.

–- Pois bem, George e Mauro assassinaram o outro menino, Rodrigo, hoje de manhã em um bosque próximo à escola, o corpo dele foi encontrado pouco antes do massacre. Segundo testemunhas, os dois foram até o pátio, sacaram armas e começaram a disparar contra todos que ali estavam. Logo depois, um deles esfaqueou o professor Nelson Oliveira no pescoço e ambos atiraram contra as próprias cabeças.

–- É MENTIRA!! TUDO ISSO É MENTIRA!!! – eu começo a gritar.–- QUANDO AQUILO MATOU O PROFESSOR ELES ESTAVAM MORTOS JÁ, EU VI ELES NO CHÃO!! PARA DE MENTIR!! – meus olhos estão cheios de lágrimas, minha mãe me segura enquanto eu falo.

–- Como assim? Aquilo o que? – pergunta o delegado

–- Um monstro! Ele tinha corpo de homem e cabeça de cachorro. Ele enfiou uma lança no professor e depois sumiu. Eu sei que foi ele que fez tudo aquilo... Não foram meus amigos... – me desfaço em lágrimas.

–- Armand, posso falar a sós com sua mãe um momento?

–- .... tá bom...

No dia não ouvi, mas depois soube qual era o assunto, segundo o delegado era melhor minha mãe me levar para acompanhamento psicológico devido ao trauma que tudo aquilo me causou. Mas eu sei o que eu vi. E durante meses eu continuei afirmando o mesmo. Desenhei a criatura nos meus cadernos, parei de ir à escola, não queria mais sair do quarto nem comia.. Eu só pensava em um modo de provar que meus amigos não fizeram aquilo. Em todo canto falando deles como se fossem psicopatas, eles eram apenas vítimas como todas as outras pessoas ali. Fizeram até um memorial para as vítimas, mas os nomes deles dois não estavam lá, isso é injusto.

Minha mãe não viu outra solução e me internou na clínica Rainbow. E fiquei ali durante um ano e meio, sendo induzido a acreditar que aquilo que vi não existia e era algo da minha mente. Eu aprendi a fingir ter mudado de ideia, mas eu ainda sei que aquilo era real... Tão real quanto você e eu.


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