Crônicas De Ninguém escrita por Dexx


Capítulo 2
Capítulo 1: Novos dias.


Notas iniciais do capítulo

Música para acompanhar a leitura: http://youtu.be/5kjWhRJhoWs
("The Grande Hall" - Nox Arcana)



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Nove anos atrás...

Estou em uma sala toda branca, com paredes acolchoadas e usando um uniforme branco, parece um pijama.

Pela lógica, é um hospício, creio que nem precisaria explicar isso.

Hoje é meu último dia aqui, se tudo der certo, tenho uma análise antes de poder ficar livre.

–- Armand! - me chama o enfermeiro que abre a porta da cela.–- A doutora está esperando, vamos.

Eu o acompanho pelo corredor, onde dá para ouvir claramente os gritos, gargalhadas e lamentações dos outros pacientes ali.

Ana, uma garota que fiz amizade ali, sorri para mim. –- Boa sorte com a General.– "General" é assim que os internos em melhores condições mentais chamam a Dra. Silvia.

–- Quando você sair daqui, me procure. - Eu disse à Ana.

Ela estava ali pois matou o padastro, segundo ela, o mesmo pedia que Ana ficasse nua para tirar fotos desde que ela tinha 6 anos de idade. Um dia, ela ferveu cerca de dois litros de óleo e despejou tudo na cabeça do padastro enquanto ele assistia TV. A mãe não acreditou na versão da garota, aliás, desde sempre Ana contava o que o homem fazia e nunca foi ouvida. Agora ela tem 14, assim como eu. Na época em que cometeu o "crime" tinha 11 anos.

Ela parece uma boneca. Pele extremamente clara (principalmente por passar maior parte do tempo em sua cela e não ter direito ao banho de sol pois se comporta mal desde sempre), olhos cor de mel daqueles que ficam verdes ao menor contato com a luz, cabelos ruivos e encaracolados, longos até pouco mais da metade de suas costas.

–- Armand, vamos logo! Pare de babar na garota! – me disse o enfermeiro.

–- Eu não sou como você, pedófilo. – eu disse ao sorrir para Ana. –- Cuidado, ela não é como as outras garotinhas que você toca aqui, pode acabar saindo daqui em um saco plástico se não aprender a se comportar no seu trabalho.

Green, o enfermeiro, me olha com ódio mas não sabe o que dizer e sabe que se me bater ali, vou contar tudo o que sei, tudo o que todos os pacientes ali sabem mas estão dopados demais ou com medo demais para falar.

–- Tchau Ana, até logo!

–- Lá fora, Armand. Seu lugar não é aqui! – Me diz Ana.

–- Nem o seu..

Continuo caminhando até chegar na porta da psiquiatra. Toda vez que vou ali tenho a sensação de que ela tenta me fazer esquecer do que eu sei, do que é real. Com o tempo, aprendi a fingir que não vejo as coisas que vejo, pois sei que assim vou ser livre outra vez.

–- Olá Armand. – Dra. Silvia me recebe e pede que eu entre e me sente.

–- Eu gostaria de te fazer apenas algumas perguntas antes de assinar sua liberação, tudo bem?

–- Sim...

–- Você acredita que vai conseguir socializar com outras pessoas lá fora? – me pergunta a médica, segurando sua prancheta onde faz anotações.

–- Sim, eu fiz amizade aqui, posso fazer lá fora também.

–- Ana não é uma amizade ideal para quem quer levar uma vida normal, você sabe. – Eu realmente tive vontade de interromper no momento que ela disse o nome da minha amiga, mas sei que não posso me descontrolar, não agora que estou tão perto de sair daqui.

–- Pois eu vejo de outra maneira, se eu consegui ganhar a confiança de uma sociopata, a qual não fala nem com a senhora, eu posso ganhar a confiança de qualquer pessoa lá fora, de pessoas normais.

Ela sorri disfarçadamente.–- Vejo que é bom em argumentar, isso é importante, pois sabe que se ver algo diferente, surreal, deve argumentar se aquilo é real ou é sua mente pregando peças, não sabe?

–- Sim, eu sei. Foi aqui nesta sala que me foi ensinado isso.

–- Pois bem, vou apenas te receitar um calmante, caso as visões e vozes voltem, e você precisa se consultar ao menos a cada 15 dias com a Dra. Sabine, uma psiquiatra que estou indicando, caso não se sinta a vontade com ela, pode me pedir outro médico. – Ela me entrega a receita de clorpromazina, remédio que alias eu não vou tomar, odeio sedativos.

–- Não me sinto confortável com ninguém entrando na minha mente, doutora, mas tudo bem, sei que é para me manter com mente saudável.

–- Pois bem, você pode sair já. Pegue seus pertences com Red no almoxarifado, sua mãe está te esperando na recepção.

–- Obrigado. – agradeço e aperto a mão da médica, meio sem jeito.

–- Ah, Armand. – ela me chama quando chego na porta.–- Trate de não voltar aqui, ao menos não como paciente. – sorri Dra. Silvia, como se fosse a pessoa mais gentil do mundo, mas eu sei o horror que os pacientes mais teimosos sofrem ali na clínica. Dizem que Herald, o garoto da cela ao lado da minha, foi lobotomizado, coisa que não duvido muito, já que desde o dia em que foi levado ao consultório dos fundos, apelidado como "matadouro" pelos pacientes, Herald não fala mais nada e passa o dia encarando a mesma parede sem a mínima reação ao mundo aqui fora da cabeça dele.

–- Pode deixar, quem sabe um dia eu não volte como psiquiatra? Eu quero muito entender a mente das pessoas. – digo sorrindo de volta para a médica. E de fato, eu pretendo estudar psicologia/psiquiatria.

–- Boa sorte lá fora garoto, cuide-se.

Vou até o almoxarifado, pego minhas roupas e alguns desenhos. Tinham cadernos como se fossem diários, mas acredito que foram destruídos, pois não estão na caixa. E os desenhos mais "macabros" também não estão, humpf! Devem pensar que aquilo prejudicaria meu desenvolvimento "normal" na sociedade. Enfim, eu posso fazer novos.

Minha mãe está me esperando, meus olhos enchem de lágrimas ao ver a baixinha ali. Minha mãe tem por volta de 1,45 de altura, já sou mais alto que ela desde os 12 anos. Pele morena, cabelos até o ombro, lisos, parece uma índiazinha. Sempre usa saias longas e apesar dos problemas, nunca aparenta estar triste.

Ela é uma das razões pela qual me esforcei tanto para sair do hospício, não quero mais causar problemas para minha velha.

–- Oi mãe... – digo com tom envergonhado.

Ela me abraça. –- Tudo bem? – pergunta passando a mão em meu rosto.

–- Sim mãe, estou bem agora. Desculpa... – ela me interrompe.

–- Não tem que se desculpar, você ficou doente e não tem culpa disso. Ok?

–- Tá... Te amo nanica. – eu a abraço forte

–- Vamos para casa, eu fiz frango assado, lasanha e salada de maionese. – minha combinação favorita de pratos.

–- Eba! Eu não aguentava mais comida de hospital.

No caminho eu continuo pensando no motivo que me fez ficar internado, e juro a mim mesmo nunca mais falar sobre isso com ninguém, ninguém entenderia. Quer dizer, Ana entendeu, mas ela é diferente das outras pessoas...

E só estou contando para quem lê esse diário, porque já é tarde demais para esconder o que se encontra onde nossas mentes normalmente não nos permitem ver...


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