Greek Madness escrita por AnandaArmstrong


Capítulo 3
II - “I’m coming down fast but I’m miles above you”.




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Acho que não é normal uma pessoa comer um prato inteiro de brownies com maconha sozinha, né? Provavelmente não. Ainda mais se você fica parado de frente à parede, apontando para uma foto do George Bush e rindo feito uma macaca. Oh, não. Não sou eu quem está fazendo isso, é a colega de quarto retardada da minha irmã. Não querendo parecer uma falsa moralista, eu também sou fã da Marijuana, mas… Um prato todo sozinha? Ela daria um bom membro pra a Delta Tri, é uma maconheira de primeira. A Delta Tri é uma fraternidade mista, não é que lá só tenha drogado ou sei lá, mas digamos que eles apreciam uma boa maconha e vagabundagem. Eu e as meninas até tentamos entrar lá, mas não conseguimos passar do corredor… É muita fumaça!
Espero que a minha irmã chegue logo, está sendo desconfortável dividir o mesmo ambiente que essa menina, até porque deveria ter algo além da maconha nos brownies. Enfim, depois que eu saí correndo da Kara, literalmente falando, eu vim pra cá. Não vou dizer que não vou chorar por isso, provavelmente vou estar mentindo. Sabe o que eu vou fazer? Vou mandar todo mundo se foder e é isso aí!

Todo mundo é otário, mente e engana alguma vez na vida.
Enfim, o caso de vir falar com a minha irmã agora é político! Preciso espairecer um pouco, mudar de ares. Aí você me pergunta: Ah é, você vai mudar de ares com fedor de vômito, de sexo e inhaca de bêbado. Legal você, hein. Mas foda-se, não estou nem aí. Apesar da Kara ser a presidente da Omega Ni Psi e ter me pedido pra pesquisar algumas calouras para a noite do “rush” (é a noite em que os calouros vão passando em cada fraternidade para saber com qual se identificam e tem possibilidades de entrar) antes de eu saber a cachorragem que ela fez comigo, eu ainda amo a minha casa e sei quão importante isso é. Ainda mais se eu ainda quiser que a Rocktavia seja presidente esse ano. A Rocktavia está fazendo Direito e isso é muito importante pra ela, a Kara é legal, sabe mexer nos pauzinhos pra certas coisas darem certo, mas tem feito muita merda com a Omega Ni.

Se eu convencer a minha irmã de que isso de fraternidades não é idiotice, quem sabe ela não entra? Antes sob o meu olhar do que longe de mim.
– O que você está fazendo aqui? – Minha irmã estava parada na porta e me olhava com uma cara não exatamente agradável.
– Vim conversar com você. Bem vinda à universidade, sua nerd. – Respondi, folheando um livro de biologia. Ela quer fazer algo relacionado a isso, acho que é microbiologia, não entendo muito dessas coisas.
– Ok, certo, obrigada. Agora deixa de enrolar e diz logo o que você quer. – Disse, grossa, jogando a bolsa no chão ao lado do armário e se encostando ao mesmo. estava de braços cruzados e me olhava de uma forma entre desconfiada e irritada. Obrigada pela boa recepção, irmãzinha.
– Aham. Certo, mas, antes, que tal você… – Falei, inclinando com a cabeça em direção à colega de quarto estranha.
– Quê? Mas ela tá completamente drogada, nem tá prestando atenção no que a gente tá falando. – Respondeu, fazendo uma cara de indignada e gesticulando muito.
Não respondi, dei-lhe um olhar severo, levantando a minha sobrancelha direita, e ela bufou impacientemente. Saiu da sua zona de conforto e foi em direção à menina, pegou-a pelos ombros e levantou-a. A menina cooperou, estava dopada demais pra qualquer coisa. Murmurava coisas sem sentido, mas parece que, para ela, fazia todo sentido do mundo. Minha irmã, quase literalmente falando, a chutou para fora do quarto e fechou a porta.
Maravilhoso, temos mais uma drogada rondando o campus. Salve-se quem puder.
– Chega de enrolação. – Disse curta e grossa.
– Quero que você entre na Omega Ni Psi. Precisamos de candidatas. – Me ajeitei na cama e olhei diretamente nos seus olhos. Certo, de volta aos tempos de guerra entre irmãs. Firme no olhar, querida.
– Eu não vou me meter nessa merda só porque você está me pedindo, Cindy. Isso não faz bem pra ninguém, são só festas, drogas, sexo e sei lá o quê. Irresponsabilidades, leviandades e falta de dedicação aos estudos. – Ela sentou na cama da colega drogada e me olhou firme, unindo as sobrancelhas. – Olha só o que isso fez com você. Você está acabada. Virou uma alcoólatra, né?

– Não é bem assim, você está exagerando. Existem vários lados no mundo das fraternidades. É um engano das pessoas achar que o Greek System é sexo, drogas e rock’n’roll, porque não é. É mais que isso, existem outros tipos de fraternidades, com outros interesses e outras dedicações. – Retruquei. Ia ser complicado convencê-la disso, ela nunca gostou do Greek System. Mas nós precisamos recrutar candidatas talentosas, para futuramente serem boas veteranas. A minha irmã acabou de entrar na universidade, não vou deixá-la entrar em outra fraternidade se não a minha. Pode ser egoísmo, pode ser superproteção, mas eu prefiro ter a minha irmã sob a minha vigilância. Certo, não é como se o meu olhar fosse o mais responsável do mundo, mas mesmo assim.
– Não importa, ainda acho que isso é uma merda que fudeu com a minha irmã. E outra coisa, isso de Greek System só exclui as pessoas que estão fora dele e fecha vocês no seu próprio mundo, vai dizer que eu estou mentindo? Não. Além de não permitir a interação das pessoas de fora dele com vocês, vocês se categorizam como animais em um zoológico. Você sabe disso, foi assim que começou essa história de fraternidades e irmandades. Irmandades de negros, mulheres, asiáticos, latinos, homens e por aí vai. – falava, gesticulando muito, com várias expressões faciais. Ela, definitivamente, se daria bem em Direito, pois sabe defender seu ponto de vista. E era justamente isso que me preocupava e mais me atraía em relação a recrutá-la. Seria uma medalha de ouro na estante da Omega Ni, mas até convencê-la disso…
– Você pesquisou sobre a história do Sistema Grego? – Questionei perplexa, levantando as sobrancelhas. Ela se levantou da cama e trocou de roupa rapidamente, colocando uma mais confortável.
– É claro, uma pesquisa básica, mas mesmo assim uma pesquisa… – Comentou de costas pra mim e enfiada no armário, procurando alguma coisa.
– Ótimo, se você pesquisou sobre isso, então você sabe porque o Sistema Grego começou. Eram mulheres universitárias que se sentiam excluídas por uma sociedade machista, então resolveram se reunir e criar sua própria “sociedade secreta”. A coisa foi evoluindo, e mais pessoas começaram a criar suas próprias reuniões; negros, asiáticos e latinos que queriam se unir contra o preconceito racial, por exemplo. – Argumentei, já começando a sentir o sangue subir à cabeça.
– É, aí adotaram o sistema da antiga sociedade grega, estudos liberais, estímulo ao prazer próprio. Certo, funcionou. Os marginalizados da sociedade começaram a ser mais incluídos e tudo é um mar de flores. Mas não é só isso, há sim superficialidade e falsidade, manipulação e julgar as pessoas pela aparência. Onde é o ponto bom nisso tudo? – Contra-argumentou, já com a roupa pronta e se ajeitando no chão.
– Mas há isso em todo lugar, Clarisse. Acorda, o mundo é assim, o nosso país é assim. Pessoas nos julgam pelo que aparentamos todos os dias. O Sistema Grego inclui as pessoas que estão nele e, ao contrário do que você falou, estimula o estudo. Quando os estudos são liberais, as pessoas tendem a se interessar mais do que se fosse algo forçado. – Repliquei, mudando de posição na cama.
– Não quero brigar com você por isso, é idiotice e ponto final. Você vai me dizer como é a sua fraternidade, eu vou pesquisar mais, pensar sobre o assunto e, se eu gostar, apareço na Noite do Rush. – Respondeu, amenizando o olhar e respirando fundo. Espera, a Clarisse cedeu? Ela realmente deve ter mudado muito nesse um ano que eu estive longe de casa. Nossas brigas eram quase físicas. – Se você ainda está nessa, é porque deve ter alguma coisa de bom.
– Graças a Deus, ela aceitou me ouvir! – Comemorei, fingindo rezar, e, de quebra, arranquei uns risos daquela mal-humorada.
– Fala logo antes que eu desista! – Deu um sorriso de lado.
– Então, as fraternidades são divididas por categorias, as fraternidades sociais e as literárias. As sociais estimulam mais as festas, a interação entre as pessoas, álcool, essas coisas, e… As famosas disputas de poder. Nós reconhecemos isso como política para o futuro! – Expliquei, e feliz internamente por ter feito ao menos uma coisa de útil no dia de hoje.
– Certo, e as literárias? – Questionou Clarisse, curiosa.
– Bom, são fraternidades que apostam no cunho mais educativo da coisa. Promovem reuniões estudantis, clube de leitura, debates, esse tipo de porra aí que você gosta. Mas o ponto em comum em todas elas, independente do tipo da fraternidade, seja ela social ou literária, cada uma tem um propósito.
– Sei… Então é bem como eu disse, vocês são categorizados como animais em um zoológico? – Tava demorando pra soltar uma dessas, né, irmãzinha? Não é bem por aí.
– Não é bem assim, veja bem. Cada fraternidade, individualmente, tem o seu propósito, seja reunir pessoas que gostam de leitura, ou de festas, ou de política, poder, sei lá. No fim das contas são várias pessoas com um interesse em comum reunidas em uma casa, como uma comunidade de verdade. Com seus rituais, leis, objetivos e tudo mais. – Ponderei.
– E qual é o da sua irmandade? – Questionou, voltando ao olhar ávido de antes.
– É reunir garotas talentosas.
– Como? – Perguntou, claramente surpresa com a minha resposta.
– É exatamente isso. O objetivo da Omega Ni Psi é reunir as garotas talentosas do campus, ignorando a superficialidade de hoje em dia. Não importa se ela for mais patricinha, ou roqueira, nerd, ou só uma garota comum. Não importa, se ela tiver um grande talento tentamos recrutá-la para a fraternidade. – Expliquei, super satisfeita com a sua reação.
– Mas não é o que todas as fraternidades procuram? Pessoas talentosas?
– Mais ou menos. Todas procuram realmente pessoas talentosas, mas elas vão muito pelo estilo da pessoa. Como grandes jogadores de futebol ou líderes de torcida. Mas e as garotas que tocam trompete, por exemplo? Aquelas de banda. As grandes escritoras, as grandes cantoras, as verdadeiras personalidades desse país? – Agora eu a olhada de forma ávida, instigando seu interesse. Esse é o tipo de coisa que ela gosta, grandes talentos reconhecidos.
– Entendi, está certa. E pra isso acontecer vocês começam a recrutar candidatas desde cedo, né? Pra pesquisar e tentar conhecer as que vocês puderem e conseguirem. – parecia mais propensa a aceitar, mas já se levantava do chão.
– Exatamente. – Eu me levantei do chão junto com ela e o silêncio reinou por uns segundos.
– Então… – Começou a falar, quebrando o silêncio, mas eu a interrompi.
– É melhor eu ir, já está anoitecendo e eu acho que vai chover. – Expliquei, me espreguiçando. Ambas sabíamos que era só uma desculpa para acabar com o desconforto da situação.
Digamos que eu e a minha irmã nunca nos demos tão bem assim, mas as coisas nunca chegaram ao ponto da agressividade. Bom, quase. Enfim, parece que ela sentiu muito a minha falta, pois está estranhamente flexível.
– Tem razão, vai lá. Se cuida. – Nos despedimos com um abraço desajeitado, foi ligeiramente estranho.
– Você também, juízo. – Falei, já do lado de fora, no corredor. Pude ouvi-la murmurar algo como “você também”, e fechar a porta.
Então eu estava novamente sozinha naquele corredor bege, e sem muito mais a fazer, sentei-me no chão ali mesmo. Não estava nem um pouco a fim de voltar pra casa, acho que vou enrolar mais um pouco. As meninas já devem estar pra me matar, e o meu celular está desligado.
Coloquei a cabeça entre as pernas, apoiando-a nos joelhos, e cruzei os braços de forma que segurassem as minhas pernas. A vizinha da frente colocou pra tocar umas músicas do Young The Giant. Dei graças a Deus, não ia aguentar ficar nesse silêncio mórbido. Eu pretendia ficar aqui por um bom tempo. Respirei fundo e tentei deixar a minha mente o mais vazia quanto possível, mas parecia muito difícil, pois uma avalanche de pensamentos vinha novamente. Eu PRECISO parar de pensar tanto nisso.
Eu era só mais uma vadia pro Cocker, uma do tipo que ele guardava na agenda do celular pra ficar quando tivesse entediado. Uma cachorra sem importância alguma, já devia ter percebido. Mas fica tão difícil, ele é tão idiota e tão grosso, mas isso só o torna mais… Convidativo, talvez. O ser humano é estúpido, fica correndo atrás do que faz mal mesmo sabendo que não é o certo.
– Ainda bem que você sabe de tudo isso. – Uma voz me interrompeu de meus devaneios.
– Como? – Perguntei, levantando a cabeça para ver quem havia falado. Não, não era o Cocker. Era o Dimitri, o peguete gente boa da Rocktavia. Ele é veterano da DZD.
– É, o que você estava falando aí. – Respondeu, se sentando ao meu lado.
– Mas eu não disse nada. – Disse, confusa.
– Ah, disse sim, estava aí reclamando do Cocker. – Nossa, eu disse aquilo em voz alta?
– Ah, perdão, não percebi que tinha dito em voz alta. Mas aí, o que você está fazendo nesse dormitório?
– Tava na Panny. – Respondeu, balançando um pacotinho transparente de maconha.
– Ah, claro, certo. Como você sabe que eu to certa? Aquilo do Cocker?
– Eu sou homem, Cindy. Homens idiotas costumam ter o mesmo pensamento sobre mulheres, não varia muito de tribo pra tribo, de fraternidade pra fraternidade. Canalhas são canalhas.
– Talvez você esteja certo. – Suspirei, resignada.
– Sim, agora vai logo pro dormitório, as meninas estão te procurando. – Falou, acendendo um cigarro. Deve deixar pra fumar a maconha depois.
– Agora não, vou ficar um pouco mais e fumar um contigo. – Disse, morrendo de preguiça de levantar.
– Sinta-se em casa, minha cara. – Tragou uma vez e ofereceu um cigarro para mim.
– É, né. Acho que, no fim das contas, esse manicômio é a casa de todos. – Desabafei e aceitei o cigarro. – Você já parou pra perceber que nada é certo nesse lugar? A supervisora de dormitório vende drogas, a cafeteria vende muffin de maconha, as festas daqui… Sem comentários.
– Você está reclamando por acaso? Sabe que não tem moral pra isso. – Retrucou, me olhando de canto de olho.
– Não, não estou reclamando. No fim, o reitor e esses caras sabem de tudo que acontece, só é mais cômodo as coisas permanecerem do jeito que estão. – Comentei, acendendo o baseado com o isqueiro dele e traguei a primeira vez, deixando a minha mente viajar bem longe. Meu corpo relaxou e todos os meus problemas pareceram não mais existir.
– Você sabe como algumas pessoas chamam o East Great? – Perguntou depois de um tempo, já com a voz embargada. Eu dei outra tragada e não consegui elaborar uma resposta boa o suficiente pra a sua pergunta. O que acontece bastante ás vezes. - Inferno, outros chamam de Selva dos Desesperados.
– Por quê?
– Achei que você fosse a última pessoa a me perguntar isso. – Riu com escárnio.
– Acho que é um nome bem apropriado. – Eu tive que dar o braço a torcer, eu já passei por poucas e boas nessa universidade.
– Acho que todo mundo acha muita coisa hoje em dia. – Finalizou, jogando uma baforada de fumaça na minha cara. Eu tossi um pouco e afastei a fumaça do meu rosto. Sacana. Traguei uma vez e joguei a minha fumaça na cara dele também, que se limitou a ficar em meio à fumaça.
– Vou pra casa. – Comentei, já percebendo que não estava batendo muito bem da cabeça.
– Você acabou de dizer que ia ficar, foi só pra pegar o meu cigarro, né? – Falou num tom sarcástico.
– Quem sabe. – Dei de ombros, levantando e fui rumo à saída.
– VÁ DIRETO PRA CASA! – O ouvi gritar de longe. Eu respondi dando o dedo do meio, e pude ouvir sua risada ecoando por todo o corredor.
Desci as escadas correndo, e torcendo pra não encontrar nada tão obsceno assim. O caso é que esse dormitório é conhecido pelos casais que não tem nenhum lugar melhor pra se pegar e pelos maconheiros que vivem fumando pelas escadas daqui. Quer dizer, é o lugar com mais propensão de visitas, porque isso rola em vários os lugares. A supervisora? O nome dela é Panny, diminutivo de panificadora, sabe? É ela quem vende as drogas aqui.
Cheguei ao térreo sem muitos problemas, exceto que estava caindo a maior tempestade de todos os tempos desde a Arca de Noé. Bufei com raiva e resolvi ligar o celular. Mandei uma mensagem pra as meninas, ignorando todas as quinhentas mensagens e chamadas não atendidas.

Coloquei pra tocar minha playlist de remixes do The XX, apaguei o cigarro na parede e o coloquei no bolso frontal da calça jeans. Vai amassar pra caralho, mas antes amassar do que molhar.
Abri a enorme porta de vidro com dificuldade, sentindo o vento forte soprar pra dentro e a chuva já batendo em mim. Pensei em desistir na hora, mas, quando notei, já estava lá fora. A chuva estava torrencial como eu pensei, e temi pelo meu IPhone no meu bolso. O parque inteiro estava vazio, as folhas soltas das árvores sopravam com o vento e o volume de água aumentava no chão, estava se transformando naquelas poçinhas que crianças adoram pular. Só que generalizadas, né. Nesse momento eu me senti em um maremoto numa canoa no meio do oceano.
Decidi sair dali e procurei com o olhar um lugar pra sair da chuva, mas só tinha no meio do parque, um banco com algo semelhante a um telhado por cima. Era isso ou nada. Tentei correr devagar até chegar lá, mas não funcionou e eu quase caí no meio do caminho. Fui andando mesmo, quem estava na chuva era pra se molhar. Literalmente falando, né, porque no momento essa frase se encaixava bem comigo.
Chegando perto do banco, percebi que tinha uma menina loira sentada nele, parecia estar tão molhada quanto eu. Porque, a essa altura do campeonato, eu já devo estar parecendo uma gota de chuva. Okay, péssima comparação. Estava quase lá, quando percebi que tinha uma mini ladeira pra eu subir. Merda, a água escorria e se acumulava nos meus pés, eu nunca conseguiria subir aquilo sozinha. Tive uma ideia louca e resolvi pedir ajuda pra a garota.
– EI, GAROTA! – Gritei em meio ao barulho de chuva. Graças a Deus ela pareceu me ouvir. – ME AJUDA A SUBIR AQUI! SE EU FOR TENTAR SOZINHA, VOU CAIR!
– ESPERA AÍ. – Falou, colocando o celular no banco e vindo em minha direção. – Pisa nas raízes da árvore que eu te puxo!
Obedeci e estiquei minhas mãos pra ela, que, apesar de molhadas, ela segurou firme. Fui andando, pisando alternadamente nas raízes até chegar em cima. Tenso, que parto só pra eu chegar ali. Nós andamos rápido e conseguimos chegar tranquilamente até o banco coberto. Torci o cabelo, vendo a água escorrer e tentei secar as roupas o máximo que pude. Não obtive muito sucesso, mas tudo bem. Sentei no banco e me virei pra agradecer à minha salvadora.
– Obrigada, você é incrível. Acho que poucas pessoas sairiam nessa chuva pra salvar uma desconhecida. – Falei, tirando meu celular do bolso e colocando junto ao dela. Notei um isqueiro ao lado do celular, uau, ela fuma?
– De nada. – Disse, tímida. Ela era loirinha com olhos muito azuis e uma cara de bebê inocente, era difícil acreditar que ela fumava. Tirei o cigarro do bolso e vi que ele estava encharcado e amassado. Bufei e o joguei no chão com raiva.
– Mas e aí, essa chuva não vai passar, vamos ser coleguinhas de banco por um bom tempo. – Comentei, rindo, e observando a chuva cair e as nuvens no céu, que, apesar de estarem escuras, abriram uma brecha pra a luz do sol. É o pôr do sol mais bonito que eu já vi.
– Vamos. Eu sou nova na faculdade e precisava chegar ao dormitório, mas parece que não deu muito certo porque a chuva começou a cair. – Ela parecia estar tão chateada quanto eu. Ficamos caladas por um minuto ouvindo um remix excelente da música Angels da banda The XX.
– Entendo, creia. Qual é o seu dormitório? – Perguntei, apreciando o pôr do sol.
– Dormitório C 27.
– Acabei de sair de lá agora. – Disse, tentando imaginar aquela menina com cara de bebê em um dormitório cheio de drogados e com uma colega de quarto igual a da minha irmã.
– Eu que fiz esse remix. – Ela falou repentinamente.
Espera, acho que não entendi muito bem.
– Como? – Perguntei, incrédula.
– Esse remix que você está ouvindo, Angels, do The XX. É meu, eu que fiz. – Ela comentou, dando uma risada sem graça e apoiando o queixo nos joelhos.
Fiquei alguns segundos tentando digerir a informação.
– Como é seu nome? – Perguntei, fazendo internamente bons planos pra ela.
– Ravena, prazer. – Disse, estendendo a mão.
– Prazer, cara. Meu nome é Cindy, você é fantástica e eu sou fã dos seus remixes. – Apertei sua mão com um pouco de força, ela pareceu feliz por ouvir isso e pareceu se soltar mais.
– Ah, valeu. Eu tive que parar um tempo pra arrumar as coisas pra a faculdade, mas acho que vai ser bom. Se as pessoas gostarem, posso tocar em festas e essas coisas. Quero realmente fazer isso profissionalmente, por isso estou fazendo faculdade de Música aqui. – disse, com os olhos brilhando.
– Acho que você pode ter isso mais cedo do que espera. Você conhece a fraternidade Omega Ni Psi? – Perguntei. Ela fez uma cara estranha, parecia querer dizer alguma coisa, mas não pôde.
– Conheço, sim. – Assentiu.
– Por que essa cara? – Perguntei, não entendendo a reação dela.
– Minha irmã é da Iota Pi. – Desabafou, fazendo uma cara não muito legal.
– Quem é a sua irmã? – Perguntei, curiosa.
– A Maureen. – Disse, revirando os olhos.
– NOSSA. – Eu me segurei pra não dar um ataque de risos e falei, carregando na ironia. – E você está super a fim de entrar lá, né?
– Nossa, claro. Um monte de patricinhas que acham que nomes importantes são melhores que tudo na vida. – Retrucou, carregando na ironia também. Cara, eu gostei dessa garota. Ela vai ficar absurdamente deslocada na Iota Pi, lá só tem patricinhas acéfalas. Que estereótipo do caralho.
– Por que você não vai pra a Omega Ni? Eu sou veterana de lá.
– Digamos que eu tenho negócios pendentes com a Maureen, não tenho muita escolha. Ou eu vou pra lá, ou ela vai infernizar a minha vida. – Ela parecia estar com raiva, acho que mais raiva dela mesma do que raiva da irmã. A Maureen é uma vadia, do tipo que lembra de todas as merdas que você faz só pra ferrar com você depois. E rir da sua cara.
– Nossa, não me diga. Sei como é, e vou te falar: não vai fazer diferença. Ela vai te infernizar do mesmo jeito você estando na fraternidade dela ou não. – Coitada dessa garota, sério.
– Sei lá, viu. – Resmungou.
– É sério, você é diferente delas, dá pra notar de cara. Elas vão te forçar a ser igual a elas, a fazer as mesmas coisas que elas e a falar das mesmas coisas que elas. Você não vai se adaptar àquele lugar. – Eu falei com convicção. Conhecia o tipo.
– Mas a Iota Pi é uma irmandade de legados, todas as garotas que estão lá são legados. Todas as garotas que um dia foram da Iota Pi são legados, minha mãe foi, minha avó foi, a Maureen é… E eu também sou. Elas infernizam a vida dos legados da Iota Pi que não foram da Iota Pi, você deve saber como é. – Ela realmente parecia frustrada. Ao meu ver, ela queria entrar na Omega Ni, mas não podia realmente por ser um legado e por causa da irmã.
A Iota Pi é uma irmandade preconceituosa, elas acham que só as garotas de lá são boas e todas são legados. Foi uma das primeiras irmandades a ser criada, seus membros iniciais passaram a Iota Pi pra seus filhos, seus filhos pros netos e por aí vai. É como um clã, as mães das garotas de lá se conhecem, são todas socialites. É terrível pra um legado de lá que realmente não quer entrar, são perseguidas pelas garotas e tudo mais.
– Bom, ela tem as aliadas dela e você vai ter as suas. É melhor você ser perseguida por elas em um lugar que você realmente gosta e com pessoas que realmente te querem bem do que ser perseguida cercada de cobras. – Propus pra ela, torcendo pra ela aceitar, mas nada perpassou pela sua face. Ela continuava com uma expressão neutra.
– Certo. – Respondeu com o mesmo tom.
– Enfim, preciso ir. Pensa no que eu te disse, gatinha. Qualquer coisa aparece lá na noite do rush. – Disse, notando que a chuva havia diminuído consideravelmente. Enfiei meu IPhone no bolso de qualquer jeito e levantei preguiçosamente. – É melhor a gente ir agora, senão pode voltar a chover mais forte novamente.
– É, vou sim. Tchau, valeu. – Falou, parecendo pensativa e com cara de quem não sairia dali tão cedo.
Eu só assenti e saí dali com cuidado. Fui caminhando, distraidamente, na chuva até chegar à fraternidade, era um caminho bem longo. Estava muito frio e eu mal conseguia me mover, estava encharcada e sentia meus lábios tremerem pra caramba. Quando cheguei na frente da casa da Omega Ni, sentei no batente da porta e fiquei abraçando o meu próprio corpo, pois estava tremendo tanto e com tanto frio que não conseguia me mover.
Fiquei congelando lá fora tentando criar coragem pra tocar a campainha, mas dei graças a Deus quando senti alguém me pegar pelos ombros. A minha visão estava meio turva e eu sentia tudo cada vez mais frio. As coisas ao meu redor ficaram escuras, mas eu tive flashes de alguns rostos. Vi a Rocktavia me olhando com uma cara de preocupação, vi a Carol, vi a Audrey e mais algumas meninas da fraternidade. Eu notei que alguém me pegava no colo, eu estava subindo as escadas sendo segurada por alguém. Senti que fui colocada na cama e, por fim, vi um rosto que fez meu coração palpitar.
Nate me olhava com seus olhos brilhantes e cheios de preocupação. Tentei dizer alguma coisa pra ele, mas só saíram sussurros desconexos da minha boca. Ele deu um beijo na minha testa, e então tudo escureceu.

xXx


Eu gostaria de ter continuado a dormir, gostaria de evitar essa conversa desagradável que, com certeza, terei, mas senti um peso na minha cabeça que me despertou de qualquer sonho que eu podia estar tendo. Era uma bola de pelos que eu conhecia muito bem.
– Já entendi, Bilbo. Acorda, já sei, agora sai da minha cabeça. – Resmunguei, tentando puxá-lo da minha cara, mas, graças a Deus, alguém o tirou de lá. Bilbo era o bulldog da irmandade, o encontramos largado na rua e ele nos seguiu até a faculdade, então resolvemos criá-lo clandestinamente. Outro animal de estimação clandestino é o Frodo, nosso esquilo. A parada com o Frodo é diferente, ele começou a roubar comida da cozinha da casa já faz um tempo, depois começou a dormir aqui e então resolvemos adotá-lo ele de vez.
É claro, não é permitido animais de estimação no campus. Mas quem se importa com regras, né?
– Bom dia, flor do dia. – Falou Rocktavia com Bilbo no braço. estava sentada na ponta da cama com Frodo nos ombros.
– Me dá comida, pelo amor de Deus! – Pedi, sentindo o Monstro do Lago Ness, o Pé Grande e o King Kong fazendo um estrago aqui dentro. Certo, péssima comparação, é só fome mesmo.
– Aqui, sabia que você ia querer. – Carol me entregou uma caneca de chocolate quente. Delícia. Exalava um cheiro magnífico, a Ramona deve ter feito, ela cozinha muito bem.
– Valeu, vocês são uns anjos. – Agradeci, dando um gole pequeno na caneca fumegante.
– É, né. – Ouvi a resmungar, Rocktavia permaneceu em silêncio. Eu não precisava de palavras pra levar aquilo como uma bronca.
– Eu sei, preciso parar com isso. O Cocker me machuca cada vez mais. – Suspirei, levantando da cama e chegando à janela.

Dei um gole grande pra tentar me concentrar mais no sabor do chocolate e na sua quentura do que eu estava vendo no momento. Kara estava montada na garupa da moto de Cocker, ele estava quase montando, mas, antes de fazer isso, deram um grande beijo desentupidor de pia. Aqueles que pode dar um jeito até no… Esquece, não to com espírito pra fazer comparações ridículas agora. A mão direita dele estava na nuca dela, a esquerda estava nas suas costas… Debaixo da blusa dela.
– Aff. – Reclamei, não conseguindo tirar os olhos daquela cena. Meu subconsciente me xingava até as próximas gerações, me gritava: “MASOQUISTA! VOCÊ O PERDEU”. As meninas chegaram ao meu lado e pude sentir Bilbo dar uma lambida na minha bochecha.
– E aí, Neo, vai escolher a pílula vermelha ou a azul? – Rocktavia perguntou, fazendo uma referência à Matrix.
– A azul. Com uma dose generosa de vinho tinto, por favor. – Respondi, amargurada, me contentando somente com uma caneca de chocolate quente, e não com uma garrafa de vinho.
– Lamento, Cindy, pois você acabou de tomar a vermelha.

xXx

“(…)
How did it end up like this
It was only a kiss, it was only a kiss
Now I’m falling asleep
And she’s calling a cab
While he’s having a smoke
And she’s taking a drag
Now they’re going to bed
And my stomach is sick
And it’s all in my head
But she’s touching his chest
Now, he takes off her dress
Now, let me go.

(…)”


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