FlashBack On

Socializar com as pessoas nunca foi um problema pra mim. Tenho tudo à minha volta: amigos, garotas... Em casa, meu pai e minha mãe me veneram por eu ser ótimo em tudo que faço. Tenho boas notas – apesar de algumas confusões com algumas pessoas na escola - capitão do time de basquete, tenho medalhas em campeonatos estaduais e nacionais.

Os garotos sempre estão perto de mim para descobrir como sou assim tão... eu. E as meninas cansaram de brigar entre si e fizeram uma espécie de cronograma para passar os intervalos comigo. É uma a cada dia. Elas trazem lanche pra elas e uma porção pra mim. Passamos o intervalo juntos e no outro dia é a vez de outra. Existe alguns que insistem em quebrar essa regra e não aceita a tal "Tabela de dias com o Matt" e acabam escapulindo e vindo até mim.

Mas existe uma. Apenas uma que não chega nem próxima a mim. Ela não desvia o olhar de seus livros ou daquele garoto nerd, o tal do Luc. O que ela vê nele? Qual é Melanie, olha pra mim. Dois anos mais velho, cabelos negros e olhos incrivelmente azuis. Ao contrário do seu amorzinho platônico eu nunca chutei uma bola de futebol na sua cara. Não sou tão lento como ele. Eu perceberia o que tem nos seus olhos quando você olha pra ele. Mas me aguarde garota, você vai se machucar um pouco, mas eu vou tirar ele e suas... amiguinhas do meu caminho. E vou ter esses olhos cor-de-alguma-coisa-que-eu-ainda-não-defini voltados apenas pra mim.

— Ai! – gritei em tom irritado.

— Acorda Matt, vamos começar o jogo.

Caio saiu cor rendo pro ginásio e eu peguei a bola que ele acabara de jogar na minha cabeça e coloquei-a em baixo do meu braço enquanto ia guardando meu material no armário. Quando fechei a porta ouvi uma conversa.

— Vocês podem ir em casa hoje? – era Mel que falava ao fundo do corredor. Ela e o quarteto fantástico: Clarisse, Camila, Meg e Laís.

— Desculpa – sibilou Clarisse —, Mas hoje elas vão para minha casa.

Elas viraram as costas deixando Mel encostada em seu armário tentando entender tudo aquilo. Pude ver uma gotinha brilhante escorrer pelas suas bochechas e despencar de seu queixo. Aquilo foi uma pontada no meu coração. Claro que o plano de envolver Clarisse no grupo delas foi ideia minha, e em troca ela teria encontros com Caio, mas eu precisava da Mel só pra mim. Eu tinha que ter ela em meus braços. Precisava tocar seus cabelos que tinham cheiro de morango. Sim. Um dia, eu esbarrei nela de propósito em uma aula de educação física e seus cabelos tocaram meu rosto deixando aquele leve aroma ali por horas.

Sai dos meus devaneios e fui até a quadra para o treino. Uma parte do meu plano estava completa, agora eu precisava tirar Luc do meu caminho.

***

— Não estou te entendendo Matt. - disse Camila desviando o olhar de mim.

Passei meu dedo indicador pelo seu rosto descendo até o queixo e ergui-o para que olhasse para mim.

— Eu farei você entender – me aproximei de seus lábios e pedi com carinho, do jeito que só Matt Evans sabe fazer —, Você só precisa sair com Luc. Seduza-o, use a persuasão, faça com que Mel perca todas as esperanças em relação a ele. Quero-a triste o suficiente para ela ter somente a mim como consolo.

Camila engoliu em seco e respondeu:

— O que eu ganho com isso?

Empurrei-a contra a parede e beijei-a.

— Isso, e mais algumas outras coisas. - terminei minha fala com uma piscada e subi as escadas para a sala de aula.

***

Acho que mereço algum tipo de homenagem internacional, ou um Nobel, medalhas e troféus. Por quê? Porque eu sei fazer uma coisa melhor que todo mundo: ser Matt Evans.

Encontrei Camila no corredor duas semanas depois do nosso trato. queria saber como andavam as coisas. Ela me olhou sarcástica como sempre e ergueu a mão direita onde havia uma pequena argola prateada.

— Ual! – disse puxando-a escadas abaixo onde não haviam alunos.

Descemos até as salas de depósito perto do ginásio e puxei-a pela cintura colando seu corpo ao meu.

— Espera Matt! Eu tenho um namorado agora. Mesmo que seja um trato, e-eu...

Peguei sua mão tirando a aliança do dedo e coloquei-a em seu bolso.

— Pronto, agora você não tem mais.

Ficamos ali até soar o sinal e planejamos algo em público para Mel ver. Combinamos que eu pegaria ela as oito e iriamos pra minha casa. Meus pais não estariam lá e eu aproveitei a oportunidade.

Durante o intervalo, estavam na mesma mesa: Clarisse, Laís, Mel, Meg e Camila acompanhada de Luc.

Clarisse, com a maior cara de cínica fez um escândalo assim que viu as alianças iguais na mão de Luc e Camila.

— Vocês estão namorando? Não pode ser, deixa-me ver. - ela tirou a aliança da mão de Camila e lá estava escrito em letras cursivas: Lucas 14/08/2009.

Mel ficou boquiaberta. Pensei no mesmo momento: bingo! Ela correu pela escola indo se esconder no mesmo lugar de sempre. Eu a segui até lá ficando escondido. As lágrimas escorriam silenciosas até despencarem de seu queixo. Seu rosto estava encharcado fazendo com que o rímel em seus cílios fossem juntos marcando suas bochechas com pequenos rastros pretos.

Aquilo atingiu meu coração como uma espada. Mas eu teria Mel pra mim agora né? Luc não estaria mais no meu caminho e nem aquelas garotinhas insuportáveis. Hesitei em ir até lá, e simplesmente consolá-la mas nesse momento a diretora aparece.

— Senhor Evans?

Dei um pulo de susto e respondi rapidamente:

— S-sim senhora?

— Sua mãe ligou, disse que você não fará o período da tarde devido aos problemas familiares.

***

— Matt? – minha mãe bateu à porta e adentrou no meu quarto.

— Sim?

Eu estava em frente ao piano treinando algumas notas. Sim, eu tocava piano desde os dez anos e aquilo me acalmava. Deixei as partituras de lado e sentei-me na cama com a minha mãe.

— Se arrume Matt, seu pai tem uma festa com os colegas de trabalho na casa de seu patrão e foi exigido que a família toda fosse.

— Mas mãe, eu...

— Matt, não bata de frente contra seu pai.

Suspirei mas assenti. Mandei uma mensagem à Camila cancelando o encontro e me ajeitei para o tal evento e fui.

Chegando lá, não poderia ser pior: só adultos. Todos vestidos elegantemente e uma música suave tocava de fundo. Qual é, sou um adolescente. Passei o tempo todo sentado em um canto observando tudo, até mesmo a quantidade copos de whisky que meu pai bebeu. Quando ele estava no meu campo de visão pude contar seis.

Ao fim da festa estávamos todos no carro e meu pai e minha mãe começaram uma briga como sempre.

Meu pai estava estressado, eu podia ver o ódio dele no ponteiro do velocímetro. Cem, cento e vinte, cento e quarenta, cento e sessenta, uma curva acompanhada de uma buzina e no fim um clarão.

FlashBack Off

When you lose something you can't replace

When you love someone but it goes to waste

could it be worse?

Mel? Mel? Por que as palavras não saem pela minha boca? Por que essa escuridão? eu não... mexo meu corpo. Onde estou? Mel, onde você está?

Ouvi passos se aproximando de onde eu estava e então uma conversa.

— Por quanto tempo ele vai ficar assim?

— Eu não sei. Ele está desacordado há apenas três horas. Pode ser por conta do remédio ou da anestesia da cirurgia. Ele quebrou duas costelas que por sorte não perfuraram órgãos internos e bateu a cabeça com muita força. Farei uma tomografia amanhã e vamos ver se há sequelas no cérebro. Espero que não seja nada grave. você pode ir agora, está tarde.

Ouvi passos se afastando e depois não escutei mais nada.