Aquele Professor É Um Lobisomem escrita por Lady Pompom


Capítulo 6
Capítulo 05: Monstro


Notas iniciais do capítulo

Essa história não possui qualquer relação com fatos, pessoas ou acontecimentos da realidade. É uma obra de pura ficção com fins de entretenimento.



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Dia 15 de Fevereiro. Eu e Karen fomos ao cinema. Ela estava usando a pulseira de prata que a presidente deu pra ela, isso me incomoda. Não a quero envolvida com os assuntos do clube de ocultismo.

Era tarde, mais de onze da noite. A lua era minguante. Preocupava-me, faltavam apenas dez dias para a lua cheia...

            Aquela noite, nós saímos do cinema e estávamos voltando para casa, quando estávamos numa avenida, ainda um pouco distante de nossos lares, adivinha quem aparece?

— Sr. Graham? –disse minha amiga ingenuamente-

—...

— O que faz aqui, professor? –fechei a cara-

— Nada.

            Nada? Nada?! Karen pode até acreditar, ela ainda não sabe que ele é um lobisomem, mas eu, Silas Belmont cair numa mentira destas? Ou será que ele pensa que eu não suspeito de um lobisomem andando à meia noite no meio da cidade para fazer supostamente nada?

— Nada? Numa sexta-feira, mais de meia noite, numa pista vazia, e não está fazendo nada? –retruquei irritado-

— Sil... –minha amiga me beliscou-

— Só caminhando. Não consigo dormir. –ele disse frio-

            Eu o encarei feio por alguns segundos, até que ele se pronunciou:

— O que fazem aqui? –perguntou ajeitando os óculos-

— Nós fomos ao cinema! –a minha amiga disse rápido, talvez por causa da tensão no ar- A sessão acabou tarde, estávamos voltando para casa.

O professor olhou para trás de nós, depois nos encarou, dizendo e nos empurrando de leve para a calçada:

­– É perigoso andar a esta hora da noite. Para a calçada.

            Não sei o que ele viu, quando olhei para trás não tinha nada atrás de nós. Ele começou a andar na mesma direção que a gente. Será que olhou para ver se não tinha nenhuma testemunha para poder nos matar? Não... Ainda não é lua cheia, acho que ele não pode se transformar... Alícia disse também que as habilidades dele só são completas na lua cheia, então ele não deve estar tão forte hoje. Se eu fosse um caçador, essa seria uma boa oportunidade para matá-lo.

Ouvi um barulho vindo de longe, algum carro cantando pneu. Olhei para ver, era um veículo preto, vindo em alta velocidade. Algum idiota que acha que ruas vazias são sinônimo de racha.

            Não me preocupei, nós estávamos na calçada. Minha linha de pensamento mudou drasticamente quando ouvi o barulho de um pneu raspando na pista, só que bem mais perto de nós. Eu e Karen nos viramos, e não é que o desgraçado estava andando pela calçada?

            Essa não... Vai nos atingir! Olhei para minha amiga, tinha que tirá-la dali, antes que eu pudesse reagir, o carro já estava bem próximo de nós, iria segurar no braço dela, mas parei quando vi uma mão tocar meu braço e outra tocando o ombro dela.

            Era o Sr. Leonhard. Ele nos empurrou com tal força que voamos até quase o meio da pista, doeu quando caí no chão. Mas o mais importante era ver o desfecho da história, me sentei rapidamente e olhei para a direção do carro.

            O veículo havia virado para a direita, numa tentativa de não atingir o professor, no entanto foi justamente essa rabiada que causou o pior dos acidentes. A questão é que o veículo virou no momento que atingiu o sensei, isso o fez voar na direção para a qual estávamos, só que ainda mais longe que nós.

Craack, crack, crack.

Devo dizer que foi terrível, uma cena desagradável. Quando vi o professor voando por cima de nós e aquele barulho desconcertante de ossos se quebrando, senti um frio na espinha.

Acompanhei com os olhos onde o corpo dele tinha ido parar, um pouco distante de mim e da Karen, que estava sentada ao meu lado. Olhei para trás, só ouvi o grito, provavelmente do motorista que no desespero da situação, saiu cantando pneu sem prestar socorro. Que desprezível.

 E agora? O que faço? Será que o professor está morto? Não posso deixar a Karen ver uma cena assim...

Bem, era tarde demais. Enquanto milhares de pensamentos me surgiam na cabeça, minha amiga engatinhou até perto o corpo dele e surtou. O grito dela perfurou meus tímpanos.

            Essa não, o que eu faço agora? Ela vai acabar desmaiando como da última vez! Ela começou a chorar. Me aproximei para tentar acalmá-la. Foi só quando vi o estado do corpo que me dei conta do por que do desespero dela...

Havia sangue espalhado envolta dele, os óculos estilhaçados estavam perto do braço esticado, mesmo por baixo da roupa dava pra ver que algumas costelas não estavam no lugar correto. Um ferimento do lado direito da cabeça, e o braço esquerdo dele estava com uma parte sobressaliente, o osso deve ter quebrado. 

            Me senti enjoado. Aquela cena e todo aquele sangue remexeram meu estômago e fizeram tudo ao redor girar. Contudo, precisava urgentemente cuidar da minha amiga, se eu estava me sentindo assim, quem dirá ela, que é mais sensível.

— K-Karen! –eu disse- Karen, tenha calma... Fique aqui, eu vou...

— Chame uma ambulância, o professor vai... Chame uma ambulância!! –gritava descontrolada-

— Karen... –dei uma última olhada no corpo caído- O Sr. Leonhard...

            Engoli seco. Até minha saliva parecia amarga naquela hora. Mesmo ele sendo um lobisomem, este acidente ocorreu tragicamente num dia que não tem lua cheia, ele não está com seus poderes completos, não acho que seja capaz de se recuperar com ferimentos de um grau tão alto...

            Não gostava muito dele, mas não justifica ter uma morte tão horrorosa. Não queria que ele tivesse morrido assim. Ele era frio e tinha um mau caráter, mas ninguém merece isso...

            Karen não parava de chorar, desesperada. Ela perderia a sanidade se continuasse daquela forma. A sacudi com força pelos ombros e ela despertou um pouco de seu transe.

            Ela abriu os olhos devagar, mas depois os arregalou, como se estivesse assustada...

— P... Pro... –levantou a mão tremendo e apontou o dedo indicador para trás de mim-

— O que foi? –perguntei confuso-

— P... –as palavras não saíam da boca dela-

            Olhei para trás, também tomei um susto e fiz a mesma expressão dela. O que eu vi foi o cadáver do sensei se levantando lentamente. Outra vez, o grito dela me fez encolher os ombros, era muito alto e bem no meu ouvido.

            Voltei meu olhar para Karen ao ouvir seu grito, depois olhei para o corpo que se levantava. Não é possível que esse homem esteja vivo! O corpo dele está um bagaço! E logo agora a minha amiga viu essa cena! Como posso explicar? Não entendo a situação, o que exatamente está acontecendo? O Sensei não pode...

            Fiquei paralisado assistindo enquanto o copo se abaixou e pegou a haste torta dos óculos (ou ao menos, era pra serem óculos).

— Aah... –disse o cadáver já de pé- Meus óculos quebraram... –olhou para as roupas- Essas roupas não servem mais...–disse num tom de desagrado- Vou ter que comprar coisas novas...

Eu o encarei, boquiaberto, e Karen não parava de gritar, fechando os olhos apertados.

            O Sr. Graham estava todo sujo de sangue, mas estava de pé. Vivo. Como? Como ele pode estar vivo? Que tipo de monstro é ele?!

            Ah- É... Quase esqueci... Ele é um lobisomem... Mesmo assim isso é inacreditável... Parece que subestimei os lobisomens... Depois de um atropelamento daqueles ainda está vivo... Eles são um pouco mais resistentes do que eu esperava...

— Hungh... –ele disse como se sentisse um pouco de dor-

Ele esticou o pescoço para a esquerda, depois para a direita e obteve um estalo. Começou dando uma olhada no braço esquerdo. Com a mão direita segurou na parte sobressaliente do braço e apertou, como se estivesse pondo o osso de volta no lugar... Fala sério... Consertar ossos com as mãos?! Quão durão esse cara pode ser?! 

            Em seguida, abriu a camisa e deu uma olhada no estado das costelas. Devia ter no mínimo, três delas quebradas. Suei frio... Não me diga que ele vai ajustá-las com as mãos também...?

            E fez. Com a mão direita ele pressionou os ossos para dentro e pronto. Tudo certo, nem mais um osso fora do lugar. Agora direcionou seu olhar para mim.

— E-eu... –me arrastei um pouco para trás com as mãos-

            Ele então fixou os olhos em Karen, que chorava ao meu lado. Virei-me para ela também...

— K-Karen, está tudo bem... –disse nervoso, tocando no ombro dela-

— N-não! –ela deu um solavanco com o ombro e se afastou de mim-

— Escute, se acalme um pouco... Isso tem uma explicação plausível...

            Parei de falar quando vi o Sr. Leonhard dar um passo à frente, e Karen levantou a cabeça para encará-lo.

O que é você? —ela perguntou tremendo de medo-

            Algum tempo atrás, eu fiz a mesma pergunta, mas agora quando vejo outra pessoa fazendo... Percebi que é algo bem cruel de se perguntar...

— Estão bem? –ele ignorou completamente a pergunta dela e me encarou, esperando uma resposta-

— S-sim. –respondi inseguro-

— Silas? –Karen me encarou horrorizada pelo fato de eu estar falando com o professor-

            Não estávamos machucados fisicamente, mas creio que deve haver um grande problema se fomos para o lado psíquico.

— Bom... –pareceu aliviado quando disse aquilo- O motorista fugiu?

            Ele olhou para mim, esperando uma resposta, de novo. É claro, Karen não iria responder a nenhuma pergunta dele naquele estado. Eu apenas confirmei com a cabeça.

— Não tem problema. É melhor assim. –finalizou num tom frívolo- Voltem para casa.

— M-mas... –olhei para a minha amiga, ainda aterrorizada- O que eu faço? E você está mesmo bem? –perguntei descrente-

— Sim... –ele olhou para a sua aluna uma última vez e virou-se, indo embora devagar, mancando- Diga o que quiser a ela.

— Espera! –gritei, mas ele me ignorou e foi embora -

            Ouvindo aquela última frase, o olhar dela pousou em mim confusa e com medo.

— Silas... O que significa isto...?

— K-Karen eu... –tentei gesticular-

— O que é ele?  Não pode ser humano não é? Eu não estou sonhando né? Eu o vi ser atingido, mesmo assim se levantou! –a sua voz ficava gradualmente mais desesperada- Ele só pode ser um monstro, certo?! –ela se levantou ao mesmo tempo que o pico de sua voz-

— Calma... Eu vou explicar... –me levantei para tentar conter as emoções dela-

— Como pode explicar isso?! –dizia nervosa- Sil... Você... Você sabia que ele podia fazer isso...? –perguntou com a voz chorosa-

— Sim... Mas eu não imaginava que ele fosse se levantar assim...

— Você sabia que ele era um monstro?!! Como você pod-

— Me ouça! – desta vez, eu gritei, fazendo-a se calar-

            Ela recuou um passo pelo tom que usei, eu também estava nervoso. Não sou de aço. Nunca pensei que ele seria atropelado e se levantaria, foi assustador para mim também.

— Eu vou lhe explicar... –diminuí o tom de voz, arrependido por ter gritado-

            Ela se quer piscou durante a explicação, não vi traço de contestação nos olhos dela. Escutou sem dizer uma palavra.

— Está falando sério, Silas...? Você enlouqueceu?!

— Não... O Sr. Leonhard é um lobisomem de verdade... Você o viu se levantar não foi? Isso é possível graças à capacidade alta de regenera-

— Não posso acreditar nisso. Mesmo que esteja dizendo, isso é... Impossível! Não tem como existir uma criatura assim.

— Se ele não for um lobisomem, então o que é?!

— Eu não sei. Com certeza não pode ser humano, mas apelar pra lendas infantis não vai ajudar!

— Não é lenda infantil! Eu vi! Naquele dia que fomos atacados por bandidos, você não lembra, mas quem nos salvou foi um lobo, e aquele lobo era o professor! Ele estava transformado porque era lua cheia!

— Não importa se é um lobisomem, vampirou o sei lá o quê. Não é humano!

— Foi pra entender o que ele era que entrei no clube... Não queria que soubesse disso, por isso não contei... –fiquei com o olhar baixo-

            Nós andamos de volta pra casa, sem trocar mais nenhuma palavra. Muitos pensamentos cruzaram nossas mentes naquela noite, mas não fomos capazes de organizá-los, estávamos os dois alterados.

            Imagino como será amanhã, agora que mais uma pessoa sabe sobre o professor. Será que a Karen vai contar a alguém?

. . .

O dia começou mal pra mim. Silas também está calado. Ainda não engoli tudo que aconteceu noite passada. É sério que nosso professor não é humano? Depois de um acidente daqueles, ele vai mesmo estar na escola?

— Ei... Karen... –Sil me chamou a atenção, com o olhar baixo-

— O que foi...?

— Não conte a ninguém sobre ontem... Certo?

— Como se eu fosse! Mesmo se eu dissesse... Quem iria acreditar em mim?

— Eu vou te levar para o clube hoje, lá nós poderemos conversar melhor sobre isso...

            Ele está preocupado comigo, com a minha aceitação sobre o acontecido. Talvez ele queira que eu acredite na estória de lobisomem que ele me falou?... Ainda é cedo pra dizer o que o professor é... Mas definitivamente, não é uma criatura normal...

            Eu estou com medo. Será que ele vai me matar por que descobri que ele não é normal? ... Não faz muito sentindo, se fosse por isso, Silas já estaria morto, já que ele sabe a mais tempo que eu, não é?

. . .

            Fomos ao clube de ocultismo, como meu amigo havia dito que me levaria. Alícia, a estranha presidente do clube estava lá, nos esperando. A presidente riu encantada:

— Sabia que viria aqui, garota amiga do Silas...

— Bem, na verdade...

— Tudo bem, Karen... A presidente sabe de tudo...

            Após longas explicações, que ela relatava aos mínimos detalhes e com ânimo, eu fiquei um pouco mais situada em meio aos acontecimentos.

— Mas ele não é um lobo mau! Não acredito que o professor lobo queira nos machucar. Apenas não o provoquem nem revelem seu segredo, e caso não dê certo, temos a pulseira de prata. –balançou a pulseira no pulso-

— Mas Alícia, você havia dito que lobisomens tem força total e transformam-se apenas na lua cheia... Então como ele conseguiu se recuperar tão rápido após ser atropelado...? –Silas fez uma expressão preocupada-

— Isso significa que ele tem habilidades magníficas! –os olhos dela brilhavam- Está além do que imaginávamos vice-presidente!

            Eles começaram então a discutir sobre as habilidades do Sr. Graham. Agora que penso, será que não é por isso que o professor fica longe das pessoas? São elas que não o aceitam ou ele tem medo de se aproximar delas?

            No início eu estava tentando ajudá-lo a conseguir amigos, pra que não ficasse solitário, mas hoje aqui estou eu, me afastando porque estou com medo. Que hipócrita eu sou...

            Claro que estou muito assustada... Quem não ficaria? Até ontem ele era um homem comum que ensinava na minha escola e numa noite descubro que ele é um monstro.  Apesar disso, nunca o vi fazer nenhum mal a ninguém.

            O que alguém como ele veio fazer numa cidade destas? Fugindo do passado negro? Ou será que veio aqui para ter uma vida normal, como um humano? Não importa qual dos dois seja, eu quero saber quem ele realmente é... E por que veio aqui...

— Eu quero entrar para o clube! –disse em voz alta, atraindo a atenção dos dois outros-

— Hum? O quêêê? –meu amigo ficou boquiaberto-

— Hehehehe, sabia que seria um membro em potencial!

— Não, espera! Karen, não se envolva mais nisso.

— Sil, eu já me envolvi. Não adianta voltar atrás agora. –disse determinada- Eu quero saber mais sobre o professor, ainda não entendo muito bem o que ele é ou quem é, por isso eu quero entender!

— Falou bem garota! Yay! –Alícia deu pulinhos de felicidade- Será um prazer ter mais membros no clube!

            E assim, com nós três, o clube de ocultismo estava completo. Nos empenharíamos em descobrir as verdadeiras intenções do professor responsável da classe 2-B, Leonhard Graham.

. . .

Ele estava presente nas aulas. Tenho certeza de que Karen também notou que ele não aparentava ter nenhum ferimento. Nem o corte na cabeça, e não estava com o braço em uma tipoia... Pelo contrário, o mexia com tanta facilidade que chegava a me fazer pensar se minhas memórias sobre seus ossos quebrados não eram falsas.

Ele não olhou em nossos olhos. Não comentou nada sobre o dia anterior. Sequer passou por perto de nós. Tenho que admitir que ele seja bom em fingir que nada aconteceu... Pode estar acostumado a fazer isso.

Se eu pensar em quantas pessoas podem ter descoberto seu segredo, creio que ele se habituou a fingir que nada aconteceu, afinal, ninguém tem provas para dizer que ele é um lobisomem, e no século XXI, quem iria acreditar em lendas?

Isso é, no entanto algo triste... Será que ele vai ter que sair da cidade por que descobrimos sobre ele? Ou estará tudo bem se deixar a vida como está... Será que ele foi obrigado a sair de alguma cidade quando alguém descobriu se segredo em alguma ocasião do passado...? É um mistério...

            Levei a Karen ao clube de ocultismo, finalmente a presidente pôs as garras no coração da minha Karen! Que terrível. Ela decidiu entrar no clube por conta própria. 

O lado bom é que não preciso mais esconder nada da minha vizinha. O lado mal é que agora ela também está envolvida com estes assuntos perigosos.

            Eu e Karen passamos pela sala dos professores e demos uma espiada através do vidro, para ver o que acontecia. O professor de matemática, Sr. Houston discutia de novo com o Sr. Graham. Mas tinha algo diferente da última vez. O Sr. Leonhard estava colocando alguns pertences dele numa caixa...

— Por que ele está empacotando aquilo...? –minha amiga me lançou um olhar preocupado-

— Não sei...

— Será que ele vai ter que sair da escola por nossa causa? Porque descobrimos o segredo dele?

            Não pensamos duas vezes, entramos os dois na mesma hora na sala dos professores, sem nos importarmos com as consequências.

— Professor! Não pode ir embora! –Karen disse-

— Isso mesmo, não pode sair!

— É por nossa causa? Não vá, por favor! –implorou-

— Eu não gosto muito de você, mas o senhor não é uma pessoa ruim! –disse sem pensar muito-

            Estávamos apavorados com a ideia. Ele podia até ser um monstro, mas nos salvou ontem e da outra vez também. Mesmo com seu mau caráter ele nos salvou. Ele pode até ser frio e malvado, mas ele nunca nos machucou.

            Ele ficou nos encarando, demonstrou um pouco de surpresa ao ouvir nossas declarações.

— Eu sinto muito por ontem! –Karen se curvou num gesto de desculpa- Eu falei sem pensar e faltei com respeito ao Senhor! Por favor, desconsidere minha falta de educação!

— Não precisa ir, nós prometemos que não vamos mais causar problemas! –me curvei também-

            A sala ficou silenciosa por um minuto, até que o professor de matemática falou:

— Do que estão falando?

— O Sr. Graham não vai embora? –Karen ergueu a cabeça-

— Ele não vai ter que sair por nossa causa? –encarei o professor de matemática-

— Sair por causa de vocês? Por que ele sairia? –disse confuso-  Você fez algo com estes alunos, Sr. Graham? –franziu o cenho e fitou o Sr. Leonhard-

— Não. –respondeu simplório-

— Então por que eles apareceram aqui com essa estória do senhor sair por culpa deles?

— Desculpe-me, mas não faço ideia. –ele nos encarou-

—É que nós vimos o Sr. Houston brigando com o Sr. Leonhard, e o vimos empacotar alguns pertences...

— Ele não vai embora. –Houston disse suspirando- Só pedi para que levasse alguns objetos para o armário, para que a mesa ficasse mais limpa. –ajeitou os óculos-

            Tanto eu quanto minha amiga ficamos totalmente envergonhados. Nosso mal entendido nos fez pagar um mico. Não acredito que disse aquilo. Odeio você seu cérebro lerdo, devia ter percebido que o professor não iria embora. E se fosse, devia ter deixado.

— Não sei de onde tiraram essa ideia, além de observar o que os outros fazem, ainda entram na sala dos professores sem permissão... –disse um tanto irritado- E são seus alunos... –encarou com raiva o Sr. Leonhard-

— H-hein? –fiquei com um tique nervoso, sempre tenho isso quando me meto em confusão-

— Já que adoram tanto o professor de vocês deviam passar um pouco mais de tempo com ele para refrescar suas cabecinhas, não? –cruzou os braços num tom autoritário-

. . .

            E aqui estamos nós, na sala de aula. Sr. Houston disse para nosso professor que nós teríamos de ficar de castigo. Após as aulas, só eu e Karen tivemos que ficar na sala, sob supervisão do nosso professor de turma para que pensássemos no quão irresponsável foi nosso ato de espiar e invadir a sala dos professores.

            Temos de ficar meia hora e escrever trinta vezes a frase “Tenho que ser um cidadão decente e educado”. Só conseguia ouvir o barulho de nossos lápis riscando no papel. O Sr. Leonhard estava sentado na frente da sala, lendo um livro silenciosamente.

— Hum... –Karen olhou para ele com a cabeça ainda baixa, envergonhada- Sinto muito por ontem, senhor Graham.

Esperei alguma reação dele. Será que vai responder? Ele nem desgrudou os olhos do livro...

— Não há necessidade de desculpas. –disse ainda passando os olhos pelas páginas-

— Mas... –ela disse até ser interrompida-

— Não é a primeira vez que isto acontece, não há por que se preocupar. –fechou o livro-

            Creio que ele quis dar um sentido confortante à frase, mas deu uma sensação ainda pior de culpa à pobre Karen. Se parar um pouco para pensar, a reação que tivemos sobre acreditar que ele era um monstro é normal. Qualquer um pensaria isto de alguém que realoca seus próprios ossos após ser atropelado, certo?

— O tempo acabou. Podem ir para casa agora. –disse após olhar o relógio-

            Espera... Aquilo é um relógio prateado... Não pode ser prata, pode...? E se prata não for a fraqueza de lobisomens? Ah! Não adianta pensar nisso agora. Posso pesquisar isso depois. Chega de professor lobo por hoje, quero é voltar para casa e dormir.

            Nós nos despedimos ainda sem jeito pelo mico de mais cedo. E voltamos para casa em paz.

— Sinceramente... –Karen suspirou desanimada- Eu pensei que ele fosse embora...

— Também tomei um susto...

— Ele não parece ser uma má pessoa... É por isso que quero descobrir por que ele está aqui, e já que ele não vai embora teremos bastante tempo para isso, né Sil? –ela sorriu brilhante como sempre-

— Sim!

            Fico feliz que ela tenha se recuperado. Não sei o que eu faria se ela não pudesse sorris despreocupadamente dessa forma de novo...

. . .

            Numa casa de primeiro andar, num condomínio de luxo. Leonhard Graham, ou melhor, “Isshvan” sentou-se á mesa de vidro onde estava um notebook.

— Illiel?

[Olá. Sim, Illiel falando]

— Sou eu...

[Ah! Isshvan! Eu descobri o que queria]

— E então...?

[Bem, é uma boa notícia para mim, mas não muito boa para você]

— O que quer dizer?

[Quer dizer que sua linda e jovem amada garotinha está vindo para cá, para esta cidade! Parabéns! Logo poderá desfrutar da companhia dela!]

O homem de cabelos negros franziu o cenho, desligando o telefone, como se estivesse com raiva. Levantou-se e andou até a janela de vidro aberta, por a qual uma brisa noturna entrava e fazia as cortinas de seda esvoaçarem.

— Ela é muito descuidada. –olhava para o horizonte, particularmente para a lua minguante- Preciso ser cauteloso, se ele estiver por perto... Irá com certeza tomar providências se souber que estou aqui...

— Esta cidade está prestes a se tornar um campo de batalha.

            E assim, tão leve quanto a brisa, estes pensamentos flutuaram para longe, encobertos na escuridão da noite.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! ^,^