Aquele Professor É Um Lobisomem escrita por Lady Pompom


Capítulo 3
Capítulo 02: Aquele professor é um lobisomem!


Notas iniciais do capítulo

A história não tem ligação com qualquer fato ou pessoa da vida real.



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Depois do incidente, o Sr. Leonhard falou comigo. Ele me disse a estória que contou aos pais da Karen: Que havíamos sido atacados por bandidos, e quando ele nos encontrou, Karen estava desmaiada e eu em choque. E ainda completou:

“Você é livre para confirmar ou desmentir a estória. Tome mais cuidado da próxima vez...”

            Os pais da Karen iriam ligar para os meus, mas eu não quis... Se meus pais soubessem voltariam de viagem, isso iria atrapalhar o trabalho deles, não quero isso.

            E é estranho, eu não disse nada ao professor, mesmo assim ele não perguntou nada, só fez parecer como se a estória dos bandidos fosse verdade.

Me senti tentado a contar algo, a falta de interesse dele nos detalhes do acontecimento me incomodavam, mas desisti da ideia quando o analisei um pouco.

Que tipo de professor encontra seus alunos no meio da rua num estado crítico e não demonstra um pingo de preocupação? Como ele consegue ser tão indiferente? E como ele sabia onde eu e a Karen morávamos?

Aos olhos dos outros ele é jovem, bonito, educado, sério e dedicado ao trabalho, no entanto essa imagem nunca foi verdade pra mim. Nunca consegui colocar em minha mente que ele era alguém normal. Eu tentei. Mas desde que ele entrou nesta escola, eu sabia que havia algo errado com o professor.

Pense bem, um novato transferido do estrangeiro... As possibilidades de ele esconder um passado negro que deixou para trás, no país de onde veio não são altas? E esse temperamento imutável? Esse sangue frio que ele tem? Como ele consegue ser assim?

Eu, que uma vez havia pensado na chance de Leonhard Graham ser um professor novato normal, reassumi em minha mente que isso estava longe da realidade. Tem algo muito misterioso que envolve esse homem, e eu irei descobrir, mesmo que isso signifique que minha vida vai durar pouco. Não estamos falando sobre minha segurança aqui, isto pode englobar a segurança de todos na escola.

E se ele for um assassino? Um criminoso como os que inventou pra enganar os pais da Karen? Um soldado espião sem escrúpulos? E se for um psicopata capaz de matar qualquer um que o incomode? Não posso deixar alguém assim andar pela escola livremente! Tenho que descobrir quem é o Sr. Leonhard de verdade. O que existe por trás dessa máscara que ele usa pra enganar os outros. O plano de espiar e investigar o professor deve recomeçar!

— Você se sente melhor? –olhei para minha amiga, ela esteve perdida esses últimos dias-

— Sim... Pra falar a verdade, nem lembro direito o que aconteceu naquela noite...

— Tudo bem... Isso é passado.

            Ela acha que a estória sobre os bandidos é verdade. Não se lembra do que realmente aconteceu, provavelmente por causa do trauma... É melhor assim, ela não precisa ter memórias tão terríveis.

— Hum...? Sil, não vai pra casa? –ela parou de andar para encarar com aqueles olhos grandes de novo-

— Ah, eu tenho que fazer algo aqui...

— Mas Silas, não podemos ficar aqui até tarde!

— Tudo bem, seus pais vem lhe buscar, e qualquer coisa é só pegar um táxi, apesar de que eu não considere necessário...

— Não é uma boa ideia, é melhor-

— Calma, eu só quero agradecer ao professor por ter nos ajudado, ainda não tive a oportunidade. –sorriso- Não vai demorar muito, estarei em casa logo depois de você!

—...

            Sinto-me mal em mentir para Karen. Mas isto é uma tarefa primordial! Seguir o professor e descobrir sua verdadeira identidade é o mais importante!

            Escondi-me atrás de uma árvore dentro do terreno da escola, esperando o Sr. Leonhard sair. Segui-o com os olhos enquanto ele se dirigia ao portão principal para sair do colégio.

            Não veio de carro de novo? Se estivesse de carro teria saído pelo portão do estacionamento. Não tem problema, seguir a pé é melhor para mim.

            Enquanto me esgueirava pelas esquinas, tentando não fazer barulho e andar ao mesmo passo que ele, meu coração palpitava acelerado, nervoso. Dava pra ouvir o sapato dele fazendo barulho a cada passada, era algo incômodo.

            Andei um tempo me esgueirando por esquinas, até que chegamos a uma área mais movimentada, um pequeno comércio da cidade.

As ruas eram mais largas, e havia muitas pessoas caminhando por ali, o que tornava a camuflagem entre elas algo bem fácil, se eu me misturasse à multidão, seria nada mais do que um cidadão comum andando passeando pelas ruas do comércio. 

            Foi o que fiz. Tirei o blazer do uniforme escolar e joguei na minha mochila, para que pudesse não ser notado tão facilmente por usar um uniforme de alguma escola. Segui-o com os olhos, estava um pouco mais difícil já que muitas pessoas passavam na frente e eu não podia me arriscar me aproximar muito.

            Para onde ele vai...? Tem muitos fatos ainda confusos para mim... Quem era aquele homem monstruoso que nos atacou? De onde veio aquele lobo e o que ele quer? Por que me defendeu? E como... Como o Sr. Graham apareceu lá, naquele dia, naquela hora... ?

            Enquanto vagava em meus devaneios trombei em alguém, parando de andar.

— A-ah... –me curvei num gesto de desculpa- Sinto muito...

            A mulher nem se deu ao trabalho de responder, fez uma expressão como se tivesse algum nojo de mim e voltou a andar. Quando me virei para acompanhar o professor, ele havia sumido em meio às outras pessoas.

            Droga! Meu plano acabou sendo um fracasso... Perdi o meu alvo de vista... Ah! Que seja! Basta tentar de novo amanhã... Agora preciso voltar pra casa ou a Karen vai perceber que eu menti sobre ir direto pra lá...

. . .

No dia seguinte...

. . .

            A manhã começou nublada, com um clima frio que considero agradável, e um pouco de chuva. Eu fiquei mais distraído durante a aula, olhando a chuva do lado de fora pela janela da sala.

            Sr. Leonhard estava com o mesmo temperamento de sempre, desagradável e frio, por causa dele meu humor foi todo embora. Preciso me concentrar em como devo segui-lo da próxima vez... Será que ele vai ao comércio de novo? Não... Já que está chovendo ele deve ter vindo de carro...

            Tinha uma garota da minha sala olhando pra mim de um jeito estranho durante a aula. Ela continuou me encarando mesmo quando eu notei que ela me olhava. Esquisita. Quem é ela...?

. . .

Na hora do almoço, num corredor...

. . .

— A menina que senta na última cadeira na fila do outro lado da sala?

— Sim... Não sei por que, mas ela ficou me encarando o tempo todo, me senti desconfortável...

— Eeeh~ Silas acho que está ficando popular!

— N-não diga isso! –ela está insinuando que a menina gosta de mim? Mas eu gosto da-

— Mas se foi aquela menina... Acho que o nome dela é Alícia, e se não me engano faz parte do clube de ocultismo.

— Clube de ocultismo? Nós temos um na escola?

— Sim. –ela sorriu como se fosse engraçado eu não saber-

— Por que alguém do clube de ocultismo estaria interessado em mim?-fiquei perplexo-

— Ah, isso você devia perguntar diretamente a ela... –apontou o dedo pra trás de mim-

— Hum?

            Quando me virei, consegui ver ao longe a tal Alícia vindo. Era como se uma aura sombria estivesse perto daquela menina, e o dia chuvoso aumentava ainda mais aquela sensação.

— Vou deixar os dois a sós... –Karen levantou-se- Boa sorte garanhão! –riu e saiu dali apressada-

— Espera! Kare- era tarde demais-

            A garota do clube de ocultismo parou a três passos de distância de mim.

—...

— Erm... –eu me levantei para conversar- Oi... Eu me chamo Silas... –estendi a mão-

— Alícia.

            Ela era até quieta. Não me cumprimentou, fazendo eu me sentir um tanto ignorado. Mas por que ela está aqui? O que ela quer de mim?

— Tem algum assunto comigo? –perguntei forçando um sorriso-

— Você estava seguindo o professor ontem, não era?

            Gelei. Como essa garota sabia disso? Como ela viu minha perseguição? Ela dá medo.

— Do que... Do que está falando? –tentei manter o sorriso, apesar do meu nervosismo-

— Você estava olhando para o professor hoje também...

— H-hein?

            Então era por isso que ela estava me encarando? Ela sabia que eu estava espiando o professor? O que eu faço? O que eu faço?!

Não posso simplesmente dizer que o estava perseguindo porque desde o primeiro dia de aula senti algo suspeito vindo daquele homem, nem dos fatos que se sucederam que aumentaram ainda mais minhas suspeitas... Como vou driblar esse problema...?

— Me diga, garoto Silas, você também notou não é? –ela olhou-me fixamente nos olhos-

— H-Hã? Notar...? Notar o quê...?

— Sobre o professor, quero dizer...

— O que tem ele? –me fiz de desentendido-

— Você o estava seguindo pelo mesmo motivo...

— O que há com o professor?

— Você sabe que há algo estranho nele...           

Aquilo foi um tiro certeiro no meu coração. Sim, ela estava certa, eu estive me sujeitando a estas buscas de fatos porque eu entendi que aquele homem não era comum desde o momento em que ele pôs os pés na nossa sala pela primeira vez. Mas... Ela também acha isso? É uma surpresa...

— Ah! Então é isso mesmo... –ela pareceu aliviada, não faço ideia de que cara fiz pra ela falar isso-

— Você... Também acha que tem algo errado com aquele professor?

— Claro, desde o primeiro dia que ele apareceu!

— Pensei que só eu tivesse essa impressão...

— Não, a maioria das pessoas não notou, no entanto, ele emana uma aura estranha, diferente das pessoas comuns.

— Sim, é exatamente isso!

            Fiquei feliz por alguém me compreender, não estava louco. Por outro lado, não me sinto nem um pouco gratificado sabendo que a pessoa que me entende faz parte do clube de ocultismo.

— Eu sei o “porquê”... –Alícia disse enquanto olhava para os lados, como se me falasse algo suspeito-

— Sabe? –engoli seco- Então, por que é que ele tem essa aura... Quem é o professor Leonhard afinal...?

            Preparei-me mentalmente para aceitar a verdade, mesmo se ela me dissesse sobre ele ser um assassino, não duvidaria das palavras dela, eu sabia que ele podia mesmo ser um. Estava pronto para receber a resposta.

— Bem, só posso te contar se entrar para o clube de ocultismo! Precisamos de membros~ -a voz melodiosa e publicitária me fez erguer uma sobrancelha-

—...

A chuva piorou do lado de fora. Demorou alguns segundos para que eu assimilasse as palavras dela. A garota ficou ali parada, me olhando, como se esperasse uma resposta.

— Ah... –não consegui esconder a descrença na minha voz-

— Então, te vejo depois! Venha falar comigo se quiser entrar no clube! –saiu dali dando pulinhos eufóricos-

            Talvez ela só estivesse feliz por encontrar alguém que desse ouvidos aos pensamentos desvairados dela?  Por que é que eu a escutei...?

. . .

            Passei o resto do dia sem conversar muito, sendo uma pessoa sã e tentando esquecer sobre o que a Alícia disse. Quando as aulas acabaram, eu vi o carro do professor saindo pelo portão da escola, pela janela da sala. Ainda estava chovendo lá fora.

            Voltei para casa com a Karen, como sempre. Os pais dela foram nos buscar de carro.

            Neste mesmo dia, de noite eu pensei muito sobre a veracidade do que ela podia saber sobre o professor, acabei dormindo. Meus sonhos foram novamente presenteados com estranhas imagens.

. . .      

O mesmo lobo negro sentado na minha porta.  Olhando para minha janela. Ah! Ele correu... Sumiu de novo...

Agora eu estou em um dos corredores do prédio da escola. Está escuro, mas a luz da lua vinda das janelas ilumina parte do caminho.

Ouço passos, tem alguém vindo em minha direção, quem será...? Um homem, alto, está usando terno...

 

Sr. Graham, é você...?       

. . .

            Acordei assustado novamente, quando me sentei, acabei caindo da cama, despertando completamente. Corri até a janela do quarto. Olhei pelo vidro, o lobo não estava lá. Ainda bem, me dá arrepios só de pensar nele me esperando na porta.

Não tive mais sossego, precisava pesquisar sobre aquilo, tirar minhas dúvidas para ter paz. Passei a pesquisar sobre o assunto. Meus olhos iam acompanhando as informações que lia na tela, enquanto minha mente cuidava em grifar as partes mais importantes na memória.

<“Sonhar com um lobo na porta significa que alguém está vigiando você”>

<“Lobos vivem em florestas, são criaturas muito cultuadas em mitos e lendas por serem...”>

< “Meio homem meio lobo...”>

< “São criaturas fortes e velozes...” >

< “Um lobo é um sinal de que um lobisomem está por perto...” >

<“Animalia é uma característica de lobisomens...”>

<“Transforma-se apenas na lua cheia”>

< “Se for arranhado a pessoa também se transforma em um lobisomem...” >

 <“Para eliminá-los basta atirar uma bala de prata durante a lua nova...”>

<“São ferozes quando se transformam, atacam  tudo o que estiver à sua frente...”>

<“Parecem humanos durante o dia... Tem boa aparência, mas não se deixe enganar...”>

Parando para pensar... Era mesmo... Tinha uma lua cheia naquele dia... E aquele homem com garras... O lobo negro da cidade... E o professor... Esses personagens todos juntos na mesma noite... Não gosto da forma como os fatos estão ligados...

Quando foi que minha pesquisa sobre lobos acabou virando sobre lobisomens? Eu estou adquirindo certos problemas mentais, sério mesmo. Aquilo não podia ser verdade. O Sr. Leonhard podia ser até mesmo um psicopata, mas nunca uma lenda viva, um lobisomem, puf, hahahahaha!

Ri de mim mesmo ao pensar naquilo, encerrei minha pesquisa por ali, estava indo longe demais.

. . .

Na manhã seguinte

. . .

            Mais um dia nublado... Não entendo, é verão, devia estar calor, não chovendo assim...

            Novamente eu fiquei olhando para o professor, tentando ver se ele fazia algo estranho. Sua frieza está impecável como sempre. Alícia estava me encarando de novo, o que ela espera de mim afinal? Ela só disse aquilo por que precisa de membros para seu clube, eu acho...

            O sol aparece ainda de manhã, mas o clima estava desagradável, a umidade da chuva e o calor do sol fizeram o dia ficar abafado, não gosto da sensação que esse clima dá.

            Eu irei seguir o professor hoje, se ele estiver de carro, chamarei um táxi e o seguirei. Tenho que descobrir o mais rápido possível, ver com meus próprios olhos quem é ele!

. . .

— Olhe, as nuvens estão se juntando de novo... –Karen apontou para o céu-

— Sim, deve chover de noite... Pelo menos vai ficar mais frio, este clima da tarde está insuportável...

— Ah! Sim, e como foi com a Alícia, eu me esqueci de perguntar! –ela riu- vocês marcaram um encontro?

— Não, não era sobre isso que ela queria falar.

— Não...?-me olhou confusa-

— Ela queria que eu me juntasse ao clube dela, só isso. –suspirei desanimado-

— Parece decepcionado.

— N-não estou! –quando ela coloca dessa forma, me sinto até envergonhado-

            Era só que eu esperava que ela me contasse o que sabe, se bem que devo imaginar que ela pode estar se utilizando da minha curiosidade pra me fazer entrar no seu clube...

—  Karen, eu vou comprar umas coisas no centro da cidade hoje, então não vou poder voltar com você... –sorri enquanto mentia-

— Sério?

— Sim, é pouca coisa...

— Se quiser pode fazer uma lista e eu peço pra meus pais comprarem...

— Ah! Não, não quero ser um incômodo, posso fazer isso!

—... Se você diz...

            Tive que mentir novamente, imagino que desculpa irei usar caso precise seguir o Sr. Leonhard de novo. Fica cada vez mais difícil criar algo bom pra enganar.

            Ao final das aulas, esperei secretamente o professor sair. Ele não veio de carro hoje, melhor para mim! O segui andando, o céu noturno nublado facilitava, pois deixava as ruas mais escuras, mais fáceis pra se esconder.

            Ele foi até o centro novamente, desta vez entrou numa loja de conveniência, eu me escondi numa banca de revista do outro lado da rua e olhei pelo vidro do estabelecimento enquanto ele comprava algo. Quando ele saiu, eu saí em seguida.

            Foi até a estação de metrô, tive que ser bastante discreto para entrar no mesmo metrô que ele. E usei o mesmo truque da outra vez, tirei meu blazer e enfiei na bolsa. Coloquei um casaco com capuz por cima do uniforme e coloquei o capuz pra esconder melhor meu rosto.

            A viagem demorou um pouco, tive que ficar atento ao que ele fazia e aonde iria. Ele desceu numa estação perto do porto da cidade, eu também desci ali. Segui-o quando saiu da estação e passou a andar pelas ruas escuras.

            Havia nuvens de chuva aqui também, e começou a chover. Estranho, ele continuou andando na direção dos galpões do porto, não usou nenhum guarda-chuva, seja lá o que ele tivesse comprado, deveria estar molhado agora.

            Chegamos a um lugar cheio de galpões, bem perto da praia. Senti um calafrio, não por causa da chuva, mas pela atmosfera do local, era sombrio. Por que o professor veio a um lugar assim...?

            Ele entrou em um galpão. Corri para alcançá-lo, não entrei. Havia algumas caixas de madeira no lado de fora, encostadas na parede do galpão. Subi em e olhei por uma abertura que tinha na parede, um buraco do tamanho de uma bola de tênis, aquele galpão era velho.

. . .

            Não consegui ver direito, estava ainda mais escuro lá dentro do que aqui fora. A chuva não ajudava, fazia muito barulho, não conseguia ouvir os sons internos.

            De repente, uma luz se acendeu no interior do local. Consegui ver o chão sujo de algo parecido com graxa, algumas caixas iguais as que tinham do lado de fora, pedaços de madeira dentro do galpão. A sacola com as compras do professor estava sobre uma das caixas, sua maleta de trabalho também. E o dito cujo, estava de pé, de costas para a minha vista.

            O vi mexer no rosto, ao que parece tirou os óculos, os colocou perto dos outros pertences.

            O que ele faz aqui, à noite, sozinho num galpão perto da praia? Será que ele esconde algum tipo de segredo? E se ele matar pessoas e é esse local que ele esconde os corpos?!

            Fiquei tão nervoso que decidi descer, mas no momento em que o faria, vi algo assustador: O professor Leonhard estava virado na minha direção, olhando para cima, para mim.

            Assustado, eu tentei descer mais rápido, mas meu pé escorregou, caí de cara no chão, fiquei todo doído. A adrenalina do medo que correu pelo meu corpo, porém, não deixou que eu me importasse com essa dor, me levantei imediatamente e comecei a correr desesperado. Corri sem olhar para trás!

            A chuva dificultava, estava bem frio, arrisquei dar uma olhada para trás, tudo que vi foi o professor parado na porta do galpão. Fechei os olhos e me concentrei em correr, mas acabei deslizando no chão escorregadio, e caí de novo.

            Enquanto tentava me recuperar e me levantar para correr de novo, ouvi passos vindos da minha frente. Um choque passou por toda minha espinha, meu coração acelerou. Ainda no chão, olhei para o que estava à minha frente...

Eu te disse para não me seguir, não foi garoto?

            O Sr. Graham estava com uma aparência horripilante, digna de filme de terror: o cabelo molhado dele cobria parte do rosto, os olhos tão frios, me olhando de cima, como se ele fosse superior. O cenho franzido demonstrava a irritação que sentia, principalmente o tom que usou para falar a ultima parte da frase.

— P-professor... –tive vontade de chorar-

            Estou acabado. Ele me descobriu, vou morrer. Haa... Ninguém nunca vai me encontrar, se ele desovar o corpo nesse galpão como faz com outros... Ele é um assassino, essa é definitivamente a expressão de um assassino! Como ele pareceu bem na minha frente tão rápido? Ele estava atrás de mim! Muito atrás...

            Ah... Não importa agora... Se ele é assassino ou não, ele me descobriu aqui, não vai me deixar sair livre...

— Achou que eu não iria perceber se estivesse me seguindo de longe? Pensei ter avisado para não fazê-lo.

— Desculpe, sinto muito... Sinto muito... –a essa altura eu chorava de medo, mas a chuva disfarçava as lágrimas-

— Por que está me seguindo? –levantou-me pelo capuz do casaco com extrema facilidade-

— A-ah... E-eu... –não consegui juntar as palavras-

Responda!—disse autoritário-

— Haa...

            Ele franziu ainda mais o cenho quando me olhou nos olhos. Segurou firme no capuz do meu casaco e foi me empurrando, me obrigando a andar e me levando de volta ao galpão, chegando lá, me jogou no chão e fechou a porta.   

— Por que está me seguindo? –desta vez manteve uma distância segura de mim-

— Desculpe...

— Escute garoto, eu não vou te machucar, só quero saber por que está me perseguindo, entendeu? –cruzou os braços-

            Ele ficou me fitando com a mesma expressão feroz, esperando minha resposta.

— E-eu queria saber quem era o Senhor...  –cuspi as palavras assustado-

— Por quê? –continuou o interrogatório-

— E-eu sei que você não é normal! –gritei me projetando para frente ainda com muito medo-

            Ele não mudou a expressão, mas sinto que de alguma forma, aquilo moveu algo dentro dele.

—... E por que acha isso?

— Eu sei! Desde o primeiro dia que entrou na nossa sala, eu sabia que você não era normal! Sabia que era diferente! –continuei gritando, como se tentasse provar para mim mesmo que possuía coragem-

—...

— Eu senti a aura estranha que você tem professor... E naquele dia quando você apareceu do nada pra nos ajudar, como você podia estar lá naquele exato lugar, naquela hora?

—...

— E aquele lobo que não me atacou, ele é seu não é? Ele é um lobo seu não é?

— Não sei do que está falando, não tenho lobo nenhum...

— E por que está aqui? Nesse galpão?! O que faz aqui sozinho a essa hora da noite?

— Eu só vim aqui por que estava me seguindo, não é bom discutir assuntos desse calibre na frente das pessoas.

— Ah! Então me trouxe aqui para não arruinar sua imagem de ‘professor perfeito’?! E se eu disser que sei quem você realmente é? Se eu contar para os outros, o que vai fazer? Me matar? Se livrar de mim?

— Do que está falando? –um sinal de indignação tomou o rosto dele-

— Isso, seu assassino!!! Não duvido nada que tenha algo haver com aquele homem que tentou atacar a mim e à Karen!

— O que diz não faz sentido!

— Faz sim!!! Todo sentido!!! Seu lobo atacou aquele homem com garras!!!

— Eu já disse que não tenho nenhum lobo!

— Mentira!!  Aquele lobo me encarou como se me conhecesse e ele tinha aparecido na porta da minha casa antes disso!!! Você o mandou por que eu te espiei naquele dia do jardim não foi?!!

— Você ainda não entendeu nada garoto... –descruzou os braços e andou para perto de mim- Pense bem, se eu fosse um assassino como você acredita e esse tal lobo fosse meu e eu o tivesse enviado por você me seguir, então... Ele teria te matado logo depois que acabou com o ‘homem com garras’... –ele se agachou, para poder me olhar fixamente nos olhos-

Me afastei impulsivamente, me arrastando com as mãos. Ele continuou ali, parado, me encarando, e eu consegui olhar diretamente nos olhos dele...

— Hã...? –um sino tocou na minha mente-

— Ainda não entendeu, garoto? Nunca existiu lobo nenhum...

Quando o encarei diretamente, minha memória reviveu as sensações que tive no dia que eu e Karen fomos atacados, e pausou no momento no qual aquele lobo negro me olhou nos olhos.

            Eram os mesmos olhos. Brilhantes, profundos e frios, uma imensidão cinza azulada que me dava calafrios. Dizem que quando você encara um abismo por muito tempo, o abismo te encara de volta. Era essa sensação que eu tinha agora...

Não... Não é possível... Isso é tudo porque andei lendo demais sobre aquelas coisas de ocultismo... É ridículo... Não tem como...        

— Você está alterado... Tente se acalmar.

— Como posso me acalmar?! Eu nunca te disse onde era a minha casa, mesmo assim naquele dia você me levou para lá, não foi professor?!—me levantei e dei alguns passos para trás-

— Tem o endereço dos alunos na ficha de cada um... Tenho acesso a esse tipo de informação como professor de classe...

— Não... !! –relutava em acreditar- Mesmo assim...!!

            Ele levantou-se, suspirou e relaxou a expressão de irritação que antes fazia, voltando a habitual indiferença.

— Silas, não é?... –disse frio- Um garoto bem teimoso...

—... Se você me matar, não vai adiantar, alguém vai acabar descobrindo! –eu disse tentando fingir que não tinha medo-

— Matar? Não tem miolos na cabeça? –ele fez parecer uma hipótese absurda- Eu não o trouxe aqui para te matar, vim para conversar. Gostaria de uma explicação plausível, não sou nenhum assassino sanguinário, se é o que quer saber.

—... Por que nos ajudou naquela noite, mesmo sem saber o que havia acontecido?! E por que mentiu para os pais da Karen sem ao menos nos perguntar nada?

—... Mas vocês foram atacados por ladrões, não?

— Mentiroso! Sabe que não!

—... –demorou alguns segundos para responder- Sabe, Silas... Até que é um garoto esperto... Ou eu deveria dizer que sua intuição é boa? –se aproximou –

—...

— Você disse que notou algo estranho em mim, depois me seguiu, apesar de eu ter notado, é algo formidável que você tenha feito a perseguição tão bem... E ainda mais, juntou algumas evidências e conseguiu boas especulações...

— Não vai acabar comigo?

— Já lhe disse, eu não sou um assassino, diferente do que pensa. Bem, na verdade acho que seria difícil para você conseguir descobrir quem eu sou...

— Vai me manter preso aqui?

— Não. Você pode contar o que quiser às pessoas... Apenas reflita um pouco e tente imaginar quantas pessoas irão acreditar no que você dirá. –deu de ombros indiferente-

            Ele estava certo, eu pareceria louco se contasse que meu professor psicótico tem um lobo e que andou me seguindo porque eu estava de olho nele, e que sabia onde eu morava sem que eu tivesse contado. E a outra teoria, dele ser um lobis... Pft! Melhor nem cogitar!

— Quem é você afinal? –disse com repúdio à frieza com que ele falava-

— Eu sou... –ele olhou fixo nos meus olhos- Leonhard Graham, professor responsável da classe 2-B da escola Nieyama.

— Não quero saber o que todos acham que você é... Eu quero saber quem realmente é... Pode usar essa máscara na frente de todos, mas não vai nunca me enganar...

— Você conseguiu as peças certas, no entanto não consegue juntá-las de forma lógica...? Hum... –pôs a mão no queixo- Creio que lógica não iria mesmo encaixar tudo...

— Do que está falando?

—... Se não consegue descobrir sozinho, não há porque eu lhe contar...

— O quê...?! –franzi o cenho-

— Apenas esqueça esses seus delírios de lobos e homens com garra...

—... Lobo...? –algo me veio à mente-

Eu havia esquecido... Por que aquele lobo estava lá na minha porta? Tenho certeza de que era real... Foi bem real quando ele me salvou também... Mas... Qual o significado de lobos...? Espera... Lobo...? Era mesmo um lobo...?

            Algumas frases que eu tinha visto na noite passada começaram a surgir em minha cabeça...

            Lobos na porta de casa são alguém lhe vigiando... Meio homem meio lobo... Tem aparência humana de dia... Tem boa aparência... Transformam-se durante a lua cheia... São velozes e fortes...

            Por que isso está na minha mente logo agora?! Por que...? Hã...?

Lua cheia...

Lobo...

Professor...

Naquele dia e nos meus sonhos, estas três coisas sempre aparecem...

Ele me levantou com tanta facilidade naquela hora...

E me alcançou mesmo eu estando longe...

Além disso, os olhos do lobo e os dele... Eram os mesmos...

E o Sr. Graham... Também tinha um brinco prateado, igual ao do lobo...

Poderia parecer loucura, poderia ser apenas fruto da minha imaginação motivada pelo meu nervosismo... Eu realmente imergi nesse assunto de lobos, mas...

— Professor... O quê é você? —minha conclusão levou meus lábios a pronunciarem esta pergunta-

—... –ele virou-se imediatamente para mim-... Para estar fazendo essa pergunta, devo assumir que não preciso responder, certo?

—... Q-Que diabos é você?! –dei um passo para trás-

            Ele não respondeu. Pôs seus óculos e voltou a me encarar. Mas eu sabia... Poderia ser delírio, mas os fatos provavam o contrário... Eu sabia exatamente o que ele era, ou seria só loucura minha?

 – Está muito tarde para um estudante estar fora de casa, não acha Silas?

—... –engoli seco-

— Está na hora de voltar para casa.

—...?

— Como seu professor responsável é meu dever levá-lo em segurança, não acha?

—... Está falando sério? –disse incrédulo- Mas você é... Você... –eu não tive coragem de dizer, aquele nome ficou entalado na minha garganta-

—... –ele me encarou- Vamos para a estação de metrô ou acabará perdendo o próximo...

—...

            Eu descobri isso e simplesmente posso ir? Não... Deve estar esperando eu baixar minha guarda para que possa me matar... Ele abriu a porta do galpão, apagou as luzes, pegou seus pertences.

            Quando saímos a chuva já havia parado. Ele não falou mais nada e manteve sua postura séria e gélida.

— Professor... Você é mesmo um... –suei frio- Quero dizer... Um... –tentava desentalar da garganta aquelas palavras- Lo... Lobisomem?—hesitei-

            Ele virou um pouco o rosto para olhar em minha direção, que andava alguns passos atrás dele, não pareceu se importar com minha pergunta nem fez nenhum gesto brusco como se fosse me atacar. Estava mesmo falando a verdade quando disse que não iria me matar?

            Isso é ridículo, quero dizer, é impossível de uma lenda idiota dessas ser real, mas... O que eu vi foi bem real... Não tem como...

— Por que não tenta descobrir? –ele ajeitou os óculos e voltou a olhar para frente-

— E se for... Não vai mesmo me matar...?

Se eu fosse, ainda assim, quem acreditaria num garoto de 16 anos que fala sobre fantasias infantis?

            Estremeci ante o que ele disse me desafia a encontrar provas e jogava na minha cara que não importa o que eu dissesse ninguém iria me ouvir... Realmente, uma estória ridícula dessas...

            E andando calmamente perto de mim está o professor, um homem além da compreensão humana, ou será que não devo me referir a ele como um humano normal? Será que ele é mesmo um lobisomem...?

            O que vai acontecer comigo daqui pra frente agora que eu descobri que minhas suspeitas estavam num nível diferente do que eu imaginava...?

. . .

            Nós pegamos um metrô, eu desci na estação perto do comércio, ele continuou lá. Realmente não fez nada comigo. Voltei pra casa atento, se ele fosse mesmo um lobisomem ou algum tipo de monstro, ainda poderia ter chance de me matar no caminho de casa, certo...?

            Mais uma noite em claro, com medo. Como seria minha vida daqui pra frente...? O meu professor é algum tipo de humano anormal ou um monstro e eu descobri isso...

O que devo fazer agora...?


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