Aquele Professor É Um Lobisomem escrita por Lady Pompom


Capítulo 2
Capítulo 01: Aquele estranho professor novato




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— É Verão de 20xx, estamos no fim de janeiro, é tempo de começar as aulas...

            Não que eu me sinta extremamente ansioso, quero dizer, é só a escola. No entanto, eu sinto falta dela, não do estudo, das pessoas.  E agora principalmente, cursar o segundo ano do ensino científico não deve ser tão fácil...

            São tantas preocupações... Vestibular, o que ser da vida, tenho que arrumar um emprego de meio-período... Ah! A vida é mesmo engraçada, não?  Você corre e corre atrás do que quer, e quando para um dia, simplesmente não tem mais tempo pra aproveitar, uma triste verdade.

            Ah! É mesmo! Eu e a minha vizinha (e amiga de infância) estudamos juntos! Na verdade, nós cursamos o primeiro e segundo ano do fundamental juntos, mas depois ela mudou de escola (na época ela ainda não morava aqui), e ano passado ela de repente se mudou pra cá e também começou a estudar no mesmo colégio que eu!! Não é divertido? O Destino é mesmo algo misterioso!

            Se me dão licença, preciso continuar com minha vida mundana de estudante colegial de 16 anos, caso contrário vou me atrasar pra escola! 

— Sillll!!!!

            Ao longe, a garota de cabelos castanhos e olhos castanho-escuros gritando, aquela é a minha amiga.

— Karen!

— Vamos correr, falta pouco tempo pro sinal tocar! –ela correu, me acompanhando-

            E ao lado dela, esse comum garoto de cabelos castanhos escuros e olhos castanhos sendo arrastado pelo pulso, sou eu!

— Isso é culpa sua, gasta muito tempo se arrumando!

— Olha só quem fala! Eu sou sua vizinha sabia? Vi que você saiu de casa apenas um minuto antes de mim!

— E..Er... Foi só hoje!

            Muitos bons minutos de caminhada, que como sempre, passamos conversando (ou brigando) e finalmente chegamos ao colégio!

— Ainda bem que moramos perto do colégio, se não nunca chegaríamos a tempo! –xii, ela está emburrada-

— Metade da culpa por chegarmos atrasados é sua! –dei língua, só pra irritar-

            Enquanto andávamos até o prédio escolar, os cochichos das pessoas não paravam, parecia até que algo novo estava pra acontecer naquele lugar sem graça.

— Ei, você ouviu?-uma garota murmurava para a outra, essas meninas parece que tem sempre fofoca no cardápio-

— O quê, o quê?

— Parece que contrataram um professor novo!

— Ehhh?

— Dizem que ele é jovem, bonito, e veio do estrangeiro!

 – Ah! Eu ouvi falar que ele saiu fugido do país onde morava!

— Não era um soldado que abandonou o posto pra ser professor?

— Não era um cara que matou um soldado e fugiu do país se tornando um professor?

—cochicha-cocicha-cochicha...     

E mais uma vez os boatos não confiáveis tomam um rumo sem noção. Não quero mais escutar isso. Mas tem mesmo um monte de gente falando dessa tal transferência de um novo professor... Espero que ele não seja o que os boatos dizem...

— Sil?-Karen me chamou a atenção-

— Ah! Karen... Desculpa, eu estava distraído, o que foi?

— Eu ouvi que o professor novato vai ser o responsável por nossa turma...

— Fala sério! O pessoal comenta muita besteira, sem chance!

— Não... Se parar para pensar, tem até lógica.

— O que quer dizer...?

— A nossa professora responsável, Sra. Murray esteve doente uns tempos certo?

— Sim... Mas ela já está lecionando de novo...

— Sim, mas eu ouvi que ela irá lecionar em menos turmas agora, porque já está velha e doente, não pode se estressar, e esses boatos da Srª. Murray antecedem os sobre a chegada do novo professor...

— Acho que entendo aonde quer chegar... Se ela precisar mesmo se ausentar de algumas turmas, provavelmente deixará de ser a responsável pela nossa turma, e aí entra o novato... Faz sentido... –disse com a mão no queixo-

— Como ele será? Alto? Baixo? Velho, gordo? –imaginava animada-

— Não estou interessado na aparência dele... O que eu queria mesmo saber é... Que tipo de pessoa será...?

. . .

Classe 2-B do Colégio secundário Nieyama

. . .

— Alunos da Classe 2-B, tenho um importante comunicado a fazer...

            O homem que falava era o velho vice-diretor da escola, cabelos grisalhos, óculos, um terno preto e um sorriso simpático no rosto. Ele parece um cara legal!

— Como sabem a professora de vocês, Sr.ª Murray não está mais em boas condições de saúde, por isso não poderá se esforçar muito...

—...?

            Os alunos da turma lançavam olhares confusos uns para os outros, claro, eu também estava debatendo isso com a Karen agora há pouco.

— Encurtando o discurso, a Sr.Murray deixará de ser a encarregada desta turma.

            Agora faces atônitas encaravam o vice-diretor, como se não acreditassem no que ele dizia.

— Já devem ter ouvido falar que um novo professor ingressou no colégio, bem, nós o contratamos para que ficasse no lugar da Senhora Murray aqui nesta turma, ou seja, ele será o novo professor responsável por vocês, ele veio do estrangeiro só pra isso, tratem-no bem, por favor!

            O vice-diretor fez um gesto, e com aquilo, entrando pela sala um homem vinha elegantemente.

            Os cabelos dele eram negros, repicados, batendo quase no ombro. Quando ele parou atrás do birô e encarou a sala, deu pra ver os olhos dele por trás dos óculos de lentes flutuantes: orbes azuis-claros. Usava terno, tinha uma boa aparência, posso jurar que ele não está nem na metade dos trinta.

            A primeira impressão que tive foi que ele era normal. Claro, apesar de chamar um pouco a atenção por ser estrangeiro, jovem e de boa aparência, nada que qualquer outro com as mesmas qualidades que ele não pudesse ter feito.

            ...Mas... Quando ele entrou por a porta da sala, algo me pareceu diferente, talvez o andar, o olhar, não sei bem... Tem algo estranho no professor novato... Ou será que sou só eu...?

— Bem, vou deixar o Sr. Graham com as apresentações, com sua licença... –o vice-diretor deixou a classe-

. . .

            Os garotos olhavam o professor, ainda confusos com a situação, e as garotas prestavam atenção ao homem que estava ali, em frente à sala.

            Ele passou os olhos por todos da turma, virou-se e escreveu algo na lousa...

— Leonhard Graham, este é meu nome. A partir de hoje, serei seu professor responsável, responderei a qualquer dúvida que esteja ao meu alcance. –ajeitou os óculos- Espero que possamos nos dar bem.

            Ele falava tudo com uma postura muito séria, os outros diziam que era porque ele devia ser tímido, mas eu sabia que... Tinha algo suspeito... Será que é intuição? Hm... Não gosto desse cara nem do jeito dele, não parece o tipo de cara que leciona uma escola de ensino médio...

. . .

No jardim da escola...

— O novo professor é bem bonito, né?

— Ah! Karen, até você? –disse irritado, esmagando o copo de refrigerante que acabou caindo em seu blazer- A-ah!

— Devia tirar isso logo, antes que deixe mancha... –ela pegou um lenço-

— Sobre o professor... Não que ele seja mau, mas... Tem algo nele que não me agrado, tem algo de errado nele...

— Talvez esteja com ciúme da popularidade dele?-limpava o blazer do amigo -

— Não! Não estou não! –levantou-se bruscamente- Eu sei que tem algo de errado com ele...

— Ora, vamos, admita que está com ciúmes, é mais fácil!

— Já disse que não é! –saiu batendo o pé-

— Sil... Ah! Lá vai ele com a criancice... –suspiro- Sinto que isto vai acabar se tornando uma grande confusão...

. . .

            Poxa! O que tem de tão bom no novato? Só porque ele é estrangeiro?! Eu não fui com a cara daquele professor, ele é muito suspeito...

Tap, tap tap tap...

            Passos ritmados foram ouvidos vindo à mesma direção que eu, ainda um pouco longe, olhei em volta, não tinha ninguém, nada além dos arbustos. Pulei para trás de um arbusto.

            Cuidei para não fazer barulho, até controlei a respiração e observei secretamente quem estava ali. Mas que surpresa! Vejamos se não é o novato!!

            Ele andou e quando chegou bem do lado do meu arbusto, parou. Suspeito, muito suspeito... Suei frio, será que ele me descobriu?

            Olhou em volta. Inspirou (?) profundamente. E saiu andando. Esquisito... Muito esquisito, porém, fico feliz que ele não tenha me notado. Por falar nisso, aonde é que ele vai...?

            Não poderia perder esta chance, tinha que saber aonde ele iria... Será que está envolvido em coisas suspeitas? Eu o segui.

            Desta vez, ele entrou no prédio... Uh... Segui-lo dentro do prédio da escola é mais difícil, mas eu posso fazer isso!

            Hum...? Ele entrou na sala dos professores... Não posso entrar lá... Será que eu consigo ver da janela...? Eh? Onde está o sensei? Professooorr, onde está o Senhor? Como assim ele sumiu? Tenho certeza que o vi-

Algum problema?—a voz veio de trás do garoto-

­– U-UAaaaaaa!

            Eu juro que não foi um grito. Eu não grito de susto. Só me virei bruscamente.

— Não seja escandaloso. –o professor novato me falou num tom sério- Perguntei se há algum problema.

— N-não... Er...

— O que faz aqui?

— Eu estava indo ao banheiro, limpar isso... –mostrei a mancha na camisa, por sorte eu tinha uma desculpa- O banheiro é por ali... –apontei para o fim do corredor, mentira, não tem banheiro nenhum lá-

— Entendo...

— Hehehehe... –eu estava nervoso, bagunçando meu cabelo - E-eu tenho que ir! –sai a passos apressados, o mais rápido que pude.    

Suei frio ali atrás, nervoso. Pra minha sorte o banheiro ficava perto mesmo. Ainda que não fosse desculpa boa o suficiente, não podia se deixar ser pego espiando a sala dos professores novamente.

Silas Belmont!

Eu congelei ao ouvir meu nome sendo pronunciado pelo homem para o qual estava de costas.

—... S-sim...? –virei a cabeça para olhar o professor-

— Ah, então esse é mesmo seu nome... –ajeitou os óculos- Não corra pelos corredores.

— Sim... –senti um enorme alívio ao ouvir que era aquilo-

            Comecei a andar de novo, como se um enorme peso sumisse de meus ombros. Logo senti um arrepio na espinha quando ouviu a continuação do que o professor disse:

— E, por favor, contenha-se de seguir os outros...

            Parei de andar por um segundo. Em seguida, corri até o banheiro numa explosão de adrenalina.

            Só pode estar brincando, tenho certeza que não tinha sido descoberto! Não me distraí, ele não olhou para trás uma vez se quer... Quando foi que me viu?! Foi naquela hora no jardim...? E como ele apareceu bem atrás de mim? Aquilo foi assustador! Gosto ainda menos desse cara!

. . .

— Estou dizendo, ele apareceu atrás de mim do nada, mas eu o vi entrando na sala!

— Sil, acho que seu ciúme está criando coisas no seu cérebro!

— Karen! Não consegue nem acreditar no seu melhor amigo?!

— Não estou dizendo que não acredito, é só que é uma besteira ficar seguindo o novo professor, está ouvindo boatos demais sobre ele... Além disso, é só o primeiro dia dele aqui, tente não fazer ele se sentir mal, tudo bem?

— Aah... Você não entende mesmo! –fiz uma expressão emburrada para chantageá-la emocionalmente-

— Até amanhã Sil!

            Despediu-se e eu fiquei olhando enquanto ela entrava em casa. Esse professor era sinistro, mas talvez ela estivesse certa e eu que estou desconfiando demais? Talvez ele só seja um homem comum que quer uma vida normal num emprego assim? Ah! Eu devo mesmo estar imaginando coisas, não tem como um sensei ser alguém ruim... O diretor não contrataria alguém que não fosse bom profissional, certo?

            Nada para se preocupar. Amanhã mesmo eu vou me desculpar por segui-lo e recomeçar, agir como um bom aluno comum!

            Entrei em casa, meus pais estavam na sala, eles vão viajar a negócios daqui a três dias e vão passar o mês fora... Minha mãe disse que está tudo bem porque ela deixou dinheiro pra eu me virar e pediu pra a vizinha, a mãe da Karen, vir olhar se estou bem... Sinceramente... Eu não sou mais criança!

            Tomei um banho e me joguei na cama, não estou com fome, o melhor mesmo é dormir.

. . .

Um uivo.

Acordei com um pulo, sentando na cama, aquele som que ouvi em minha cabeça foi bem alto, como o uivo de algum animal. Estava frio, é porque deixei a janela aberta antes de dormir. São duas da madrugada... Melhor fechar. Bocejei.

            Andei até a janela. E iria puxá-la pra baixo para fechar, cocei um olho, estava com tanto sono... Foi quando eu vi um cachorro preto parado em frente ao portão da minha casa, olhando para a janela do meu quarto, onde eu estava.

            Cocei os olhos. Estava um pouco escuro, era um cachorro ou um lobo? Pode ser que... O uivo de ainda agora foi dele? Não, não tem como ter lobos em áreas urbanas, só se ele tiver fugido de algum zoológico... Está olhando pra cá, o que ele quer? Eu não estou só sonhando? Belisquei minha bochecha para ter certeza.

— AI!

            Eu estava bem acordado, e tinha algum ser canino em frente ao portão de casa... Fechei a janela e as cortinas, bem rápido. Não é possível que tenha um cachorro na minha porta, nem gosto de cachorros.

            Saí do quarto e desci as escadas, fui até a sala de entrada da casa, olhei pelas frestas da cortina, na janela da sala, o cachorro não estava mais lá. Uma ilusão dos meus olhos cansados, talvez?

. . .

Na manhã seguinte...

            Eu saí de casa às 7h em ponto, as aulas começavam as oito, e sempre saíamos às sete e meia, por isso quase sempre chegávamos atrasados. Não desta vez, após aquela visão noturna, fui assolado por uma terrível insônia. O resultado foram cochilos de meia hora e a perda de sono quando levantei cinco da manhã.

            O lado bom é que consegui me arrumar cedo, e fiquei lá na porta, solitário, esperando a Karen aparecer pra irmos à escola. Ela saiu cedo hoje também... Pergunto-me se ela também ouviu aquele uivo...

— Sil, bom dia. –disse sorridente como de costume- Você parece cansado... Está tudo bem?

— Sim, claro, só não dormi bem ontem...

— Por quê?

—... É uma longa estória... –eu ri para disfarçar a seriedade do conto-

. . .

— Um cão? À noite, na sua porta? Duas da madrugada?-perguntava pausadamente, um tanto incrédula, era de se esperar, parece coisa de gente maluca-

— Sim, estou falando sério! Não consegui dormir depois daquilo...

— Não estava sonhando?

— Não, acho que não, me belisquei e tudo, mas ele continuava lá, depois quando desci pra olhar mais de perto, ele tinha sumido!

— Será que não teve pesadelos por que importunou o professor?

— N-não!

— Hum... Culpa ou arrependimento retratados nos sonhos...?

— Não foi! Eu vi sim! Tô dizendo!

            Nós continuamos a discutir pelo caminho, mas ela não se convenceu do que eu disse... Realmente era ridículo, mas eu esperava que ao menos a Karen acreditasse... Eu estou enlouquecendo?

            O dia na escola foi normal, tentei achar uma chance pra falar com o professor novato e me desculpar, mas acabei dormindo no horário de almoço, e perdi a chance.

            No fim da tarde, na hora que saímos da escola, o céu já estava alaranjado, se pondo. Eu iria falar com o professor agora, depois ia direto pra casa e esqueceria tudo que aconteceu ontem. Quem sabe não tenho um bom sono hoje?

— Sil? Não vai pra casa agora?

— Não... Tenho que resolver algo, vai na frente.

— Eu posso esperar...

— Não, não, eu vou demorar um pouco, é melhor você ir logo ou seus pais vão se preocupar...

—suspiro-

— Sabe que a mamãe me mandou ficar de olho em você!

— Não vou fazer nenhuma besteira, juro!

— ... Tchau então... –ela saiu hesitante-

            Pouco depois, a pessoa que eu procurava passou por ali.

— Ah! Sr. Leonhard! –corri até o professor-

—...?

— Erm... Eu só queria me desculpar por ontem, o que fiz foi errado, não vou mais segui-lo, sinto muito mesmo! –me curvei num gesto de respeito-

— ...Tudo bem... Fico feliz que tenha vindo se desculpar. –disse com a mesma seriedade e indiferença de sempre-

            Não entendo se ele realmente ficou feliz. Não parece feliz pra mim. Huu... Esse professor é um pouco frio... Imagino se ele é sempre assim... Talvez só esteja se acostumando com os alunos desta escola...?

— Devia ir para casa, não é bom voltar tarde. –ele voltou a andar- Tem muitos bandidos à solta.

— Ah! Sim. –curvei-me novamente, desta vez, rápido-

            Fiquei olhando ele se encaminhar ao estacionamento da escola, entrar num Honda Civic prateado. Não é lá grande coisa, mas até que é um carro legal, bom o suficiente para um professor, acho.

            Ele falou algo sobre bandidos... Essa não!! A Karen!! Corri pra tentar alcançá-la, infelizmente não a encontrei e acabei cansando rápido no meio do caminho. Eu arfava cansado. Corrida não é pra mim.

            Parei pra olhar o céu, estava limpo, mas não dava pra ver todas as estrelas por causa das luzes da rua... Mesmo assim, estava muito bonito. E era lua crescente, uma bela lua crescente.

            Voltei pra casa e apaguei o dia anterior de minha memória, como se fosse apenas um mau sonho que esquecemos. Mas aquela memória ainda iria visitar meu pensamento de novo, não muito distante dos dias de paz que tive...

. . .

            Na semana seguinte, todos já haviam se acostumado com o professor, eu não o segui mais, e também parei com minhas suspeitas sobre o sujeito. Os dias corriam normalmente, e eu desejava que tudo continuasse assim...

            Quando foi que... Quando foi que aquela sensação, de que algo vai dar errado se apoderou do meu coração...? Quando foi que esse medo repentino apareceu? Sim... Tudo começou depois do sonho que tive...

            Naquela semana, aconteceram alguns incidentes inexplicáveis... Encontraram pessoas mortas, em um estado horrível, feridas, ao que foi dito, pareciam com mordidas e cortes feitos pela garra de algum animal... Fiquei um pouco assustado, afinal, eu tinha visto aquele cachorro esquisito na minha porta...

            Na mesma semana, no dia antes da lua cheia, eu tive um sonho...

            Eu estava caminhando sozinho numa noite escura, e de repente olhava pro chão. Havia marcas de sangue, formando uma trilha, eu seguia, com medo... E quando a trilha terminava, eu olhava para frente, ao longe eu via um homem caído, este era o dono do sangue na pista; e perto dele, outro homem de pé... Aquele homem era... O professor...

            Depois um misto de cenas confusas aparecia, a Karen gritando, o professor ensanguentado, e eu acordei.

            A princípio, achei que era porque estava ouvindo muito as notícias dos casos de assassinato na vizinhança, ou pelo cachorro daquele dia... Mas, algo estava errado. Por que o professor estava no sonho? E a Karen? Algo ruim aconteceria aos dois? Esperava que não...

— Qual o problema, não parece ter dormido bem hoje...

— Hum... –cocei o olho de sono- Não... Tive pesadelos...

— De novo? Eles estão ficando mais frequentes, não devia ver um especialista?

— Por causa dos pesadelos? Não mesmo!

— Seus pais já viajaram, não? A minha mãe disse que se quiser, pode ficar conosco por alguns dias... Se isso te fizer dormir melhor...

— Eu estou bem Karen, não se preocupe... Mas...

            Estou preocupado de verdade sobre meus sonhos... Se acontecer algo à Karen...

— Algum problema?

— Não...

— Não quer voltar para casa mais cedo hoje? Não parece bem, seria melhor se descansasse.

— Posso dormir na enfermaria.

— Não devia fazer isso, é melhor na sua casa, ou pode acabar passando a noite no colégio, o que seria muito perigoso... Afinal, tem aquele criminoso que ainda não identificaram se é um homem ou um animal com raiva...

—... Tá bem! Eu volto pra casa quando acabarem as aulas da manhã!

            E assim foi, logo que a hora do almoço chegou, eu peguei minhas coisas e pedi permissão para sair mais cedo. Andar sozinho era um saco... Tentei um caminho diferente, saí da escola pelo estacionamento dos professores.

— Hã? Não vejo o carro do Sr. Leonhard... Era um Honda Civic não era...?

            Mas não estava lá no estacionamento, apesar disto, ele estava na escola. Será que o carro dele quebrou? Não me importei muito com isso, não é da minha conta.

. . .

            Eu dormi bastante quando cheguei em casa, acordei perto do horário que todos saem da escola, o sol estava quase se pondo. Eu não tive um sonho ruim, mas aquela sensação amarga continuava na minha cabeça... Eu disquei o número da minha vizinha...

— Alô, Karen?

[Sil! O que foi? Aconteceu algo?]

—Não... Eu acabei de acordar, estou um pouco preocupado com você voltando sozinha...

[Tudo bem, eu sei o caminho de casa!]

— Não é que... Aqueles assassinatos ultimamente... –um lapso de memória do sonho me passou pela cabeça- Eu estou indo te buscar, entendeu? Me espere aí no colégio! –disse um apouco alterado-

[Sil? Está tudo-]

— Não! Espere aí, eu vou agora mesmo! –desliguei o celular com urgência-

            Tenho um mau pressentimento... Por que isso está acontecendo? Eu comecei a ter pesadelos depois que vi aquele cachorro, no dia que o professor apareceu na escola... Poderia dizer que... Ele é a causa desses sonhos que tenho...?

            Corri para chegar o mais rápido possível, com pensamentos à mil. Contudo, não fui veloz o bastante para chegar antes do anoitecer... Sim, as estrelas já estavam no céu, todas elas e a lua cheia, esplendorosa no auge da minha visão.

            A personagem principal do dia não estava ali. Minha amiga não estava mais lá... Não no portão da escola, ou no terreno. Ainda tinham algumas pessoas saindo, alguns professores. Também não vi o Sr. Leonhard.

            Liguei de novo para ela, mas não atendia ao telefone, fiquei desesperado. Corri para o caminho que sempre voltávamos para casa. Achei que a encontraria naquele lugar.

— Atenda, por favor... –disquei de novo-

            Mudo. Por que as pessoas sempre deixam de atender nessas horas? Isso é um filme de terror por acaso? Não estou gostando nem um pouco...

            Um grito quase perfurou meus ouvidos, era uma voz feminina. Essa voz é definitivamente a... KAREN!!! Corri o mais rápido que pude na direção daquele grito, acabei trombando com alguém na esquina, que vinha correndo na direção oposta.

— K-Karen...? –disse atônito-

— Sil... –disse com os olhos lacrimejando- Desculpa, eu não quis te esperar, vim sozinha, mas aí apareceu um...

— Calma... Por que gritou?

— U-um homem... Silas tinha um homem devorando alguém...

—D- devorando...?

            Meu coração congelou naquele momento, como se recusasse a palpitar enquanto eu via as lágrimas escorrendo no rosto da Karen e sentia um frio inexplicável, não na pele, era um frio que estava dentro de mim...

            Eu segurava nos ombros dela, que cobria o rosto com as mãos e soluçava. Minha expressão, eu imagino como estava, mas por dentro eu me sentia horrorizado. Não faz sentido, faz? Sua melhor amiga grita, vem correndo na sua direção e diz que viu alguém devorando uma pessoa...

            Minha lógica foi quebrada quando tirei meu olhar dela e o pus à frente, na esquina. Vi a silhueta de um homem, coberto pela sombra da parede, arfava como se estivesse fazendo algo desesperadamente, e ouvi um barulho...

—Pingo, pingo, pingo...

O que era que estava caindo ali...? Baba? Para um ser raivoso como ele aparentava ser, não seria tão surreal... Mas não era... Aquilo carmesim que caía na rua, que se tornava preto quando ficava longe da luz...

 

 

Sangue

. . .

 

            Karen olhou para o sangue, suponho que havera ouvido o mesmo que eu, assim que noticiou o que era, perdeu a consciência, de choque. Eu tentei segurá-la, mas aquele homem, aquela coisa que não sei se devo referir como sendo um humano, veio para cima de nós.

            Sem pensar, eu joguei a Karen para o lado, ela caiu, mas não acordou, enquanto eu dei passos para trás, e aquele homem lançou a mão para cima de mim, como se quisesse me arranhar, que piada!

— Hein? –eu olhei para meu peito...

Minha roupa está... Rasgada...? Como foi que...? Antes que desse mais atenção, ele seguiu com um outro golpe, no mesmo estilo, lançando desta vez a outra mão sobre mim, ainda tentando me arranhar, e eu caí.

            Minhas pernas simplesmente fraquejaram e tremiam mesmo depois que eu já estava sentado no chão. Aquela coisa inumana tinha garras... Sim, meus olhos não estavam vendo ilusões, tudo ali era real...

            Karen caída ao meu lado, o sangue que ainda pingava, mas não era daquela pessoa, e as garras cheias de sangue que ele tinha, felizmente não era o meu, olhei meu peito e toquei pra conferir, não havia um único arranhão.

. . .      

Eu sempre fui um garoto consideravelmente afortunado... Meus pais moram juntos e somos felizes, só nós três... Eu tenho boas notas graças aos estudos que me dedico... Tenho uma linda amiga de infância que é minha vizinha... E todos os dias da minha vida tem sido pacíficos... Até agora...

Como minha vida se tornou um inferno? Como aquelas lembranças dos dias felizes foram completamente dizimadas, desintegradas da minha memória? Por que minha vida tão feliz tem que acabar de um modo tão trágico?

 

 

Não quero morrer, não quero morrer, não quero morrer!

Aquela coisa veio me atacar de novo... Porém, eu já estava no chão, abatido, convencido de que não havia mais nada que pudesse ser feito... Minhas pernas, meu corpo inteiro não obedecia aos meus comandos, eu só consegui fechar os olhos instintivamente...

. . .

Me desculpe, Karen... Me desculpem mãe, pai... Sinto muito mesmo...

. . .

Um rugido estrondoso soou em meus tímpanos.

Em seguida, ouvi o som de algo crepitando, em seguida um rosnar de algum animal. Continuei com os olhos fechados até ouvir outro rosnar, diferente do animal, era mais como um urro de dor que não parecia humano, animalesco, mas não como um animal comum...

            Abri os olhos para entender a situação. Meu tronco ainda estava milagrosamente atado à minha cabeça. Tateei para ter certeza e para o meu alívio, estava mesmo tudo no devido lugar.

            A cena que vi foi um pouco surpreendente e muito assustadora: o homem que me atacara estava longe de mim, tocando no braço que estava agora ferido, e perto dele um cachorro(?)... Era o mesmo que vi no portão da minha casa... Mas... Isso não é um cachorro... É um lobo...

            Tenho certeza de que é o mesmo, embora estivesse escuro naquele dia, eu lembro de que era da mesma cor, um lobo de pelo negro e olhos azuis-cinzentos impactantes que brilhavam no escuro... Brilhavam ainda mais nesta noite de lua cheia.

            Aquele lobo virou a cabeça um pouco, para me encarar, ignorando completamente o inimigo à sua frente. Percebi que ele tinha um brinco prateado na orelha. Por que estava me ajudando? E os olhos dele, pareciam tão profundos quando me encaravam, aquilo chegava a dar medo, era como se eu estivesse encarando um abismo sem fundo, me perdendo na imensidão cinza azulada dos seus olhos. Ele me encarava como se me conhecesse... Horripilante!

            Assim que o “homem monstro” tentou dar uma investida, ele voou em cima do homem e rasgou o pescoço, com seus dentes caninos afiados. O homem foi ao chão e o lobo grunhiu enquanto o sangue se espalhava na pista.

            Um silêncio imensurável se instalou ali. Nem eu pude proferir algo, nem aquele animal que apareceu fez algum som. Ele apenas andou até perto de mim, que não conseguia mover um músculo por causa do choque, me cheirou, e encarou minha roupa rasgada, grunhiu.

Por instinto, me arrastei para trás com os braços gaguejando palavras que nem eu mesmo lembro. Pft! Como se um lobo fosse me entender.

            Ele me encarou por algum tempo, era um lobo grande, quando eu estava sentado, os olhos dele ficavam da mesma altura que os meus. Desistiu de mim, foi até o corpo do homem morto na rua e mordeu as roupas, saindo arrastando o cadáver para longe dali, sumindo da minha vista.

            Tentei me levantar uma, duas vezes. Minhas pernas bambas não me sustentavam. Alguns minutos parado ali, busquei organizar meus pensamentos, o mais sensato a se fazer era pegar Karen, levá-la para casa e esquecer o que vi hoje.

Podia fingir que tudo era um pesadelo, um sonho ruim. Não era. Sabia que não podia nutrir uma mentira tão grande por muito tempo quando nem eu mesmo acreditaria que era uma ilusão. O que vivi foi bem real, não se pode simplesmente esquecer-se de algo dessa magnitude.

            Não posso contar nada para Karen, para uma ela será melhor se acreditar que foi um sonho. Eu viverei bem guardando esta noite em segredo bem fundo no meu coração, se só eu souber, já é o bastante.            

            Ouvi alguém se aproximar, instintivamente, puxei a minha amiga para o perto de mim, para os meu braços. A silhueta ficava cada vez mais definida sob os feixes de luz dos postes.

—...

            Era o professor Leonhard... O que ele fazia aqui...? Eu ainda estava chocado, por isso não consegui se quer chamar o nome dele. Imagino o que ele deve pensar vendo minha roupa rasgada, Karen nos meus braços e um monte de sangue no chão.

            Olhei de soslaio para a expressão dele. Nada. Nem um mínimo detalhe de surpresa, era a mesma expressão fria de quando ele dava aula, ou quando falava com as pessoas. Isso era uma das características que mais me davam medo do professor. Sua frieza era incomparável.

            Diferente do que a maioria das pessoas faria, ele não fez nenhuma pergunta, não me olhou estranho, nem com reprovação. Deu uma breve olhada na Karen e depois em mim e disse:

— Eu lhes levarei para casa.

—...

            Não sei por que, nem pensei muito nisso quando o segui até o carro. Pusemos Karen no banco de trás, e eu sentei na frente, ao lado dele. Fiquei com a cabeça baixa durante a viagem, olhava para ele, que só prestava atenção ao volante. Não perguntou nada, nem falou muito.

— Professor... –eu consegui falar, ele desviou sua atenção da direção para me olhar- Eu estou com medo...

—...

            Não sei como estava o meu rosto na hora que disse aquilo. Ele voltou a prestar atenção à estrada, e eu olhei pelo vidro do carro, para o céu. Eu senti muito medo, de um modo que nunca havia sentido em toda minha vida. Medo de morrer, de perder alguém importante. E de fato uma parte de mim morreu naquele dia...

            Minha coragem sumira, minha mente ficou desconcertada, desorganizada, não conseguia falar direito.

            Não sei que desculpa o Sr. Leonhard Graham usou, mas assim que desci do carro, eu fui direto para casa, deixando Karen aos cuidados dele. O vi tocar a campainha da porta dela, então estava tudo bem, ele não iria machucá-la...

            Fui para meu quarto vazio. Olhei pela janela. Tentei achar sono, mas não consegui. Fiquei horas a fio ali. Parado, como um zumbi. Olhando o céu as estrelas, revendo as cenas do acontecido em minha memória e principalmente, aquela lua cheia magnífica, que brilhava esplendorosamente e que era a única testemunha daquela noite terrível.

            Eu implorei pra que a noite pudesse acabar, e que tão logo a manhã chegasse, eu pudesse dormir e sonhar tranquilamente, deixando pra trás essas lembranças cruéis...


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