Aquele Professor É Um Lobisomem escrita por Lady Pompom


Capítulo 18
Capítulo 17: Noite de Lua Cheia parte 2 -Pulsação-


Notas iniciais do capítulo

Essa história não possui qualquer relação com pessoas, fatos ou lugares da vida real. É uma obra de ficção com fins de entretenimento.



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Ária assistiu calada à chegada do samurai e da líder do clube de ocultismo. Seu coração ficou apertado quando ela sentiu o perigo que se aproximava, mais uma vez, do lobisomem na cena. Seu sangue correu veloz pelas veias e ela suou frio pelo tenso clima que se instalou ali com a chegada de mais um inimigo.

“Isso é mal... Muito mal... Se eu não fizer nada, de novo o Isshvan vai... Porque não importa a situação, ele não irá nunca se transformar... Ainda mais no meio da cidade!! Preciso agir rápido ”

            Alícia estava paralisada, se culpando pela própria petulância. Não conseguia pensar claramente numa solução rápida para o problema.

— Porventura és tu o mentor por trás dos ataques aos inocentes, criatura?! –o samurai segurou firme a espada, com as duas mãos, apontando a lâmina para o vampiro que sorria-

— Isso realmente é importante agora...? –sorriu cínico- Não já os matou com suas próprias mãos?

— Tu os deturpaste com tuas presas impuras, seu ser maligno! Roubar a liberdade mental e transformar seres vivos em servos é um crime imperdoável, serás subjugado por causa de sua vileza!

“Ele planejava atrair esse homem desde o início? Um caçador?!”

            Isshvan assustou-se com as proporções que aquela noite estava tomando, mesmo sob a lua cheia, não poderia lutar de forma apropriada na cidade, apesar de que as ruas eram muito largas, por serem uma avenida, e as poucas residências que havia (como a que ele havia destruído o muro há pouco) eram distantes umas das outras.

“Mesmo que seja um espaço aberto, aqui é a civilização, não um campo de batalha...!”

            Sanmoto Correu em direção ao vampiro e desferiu um corte, mas o oponente habilmente desviou. O caçador não se contentou com um simples golpe e começou uma sequência de cortes a qual o vampiro desviava com um sorriso no rosto.

— Vai me atacar com tudo enquanto sua outra presa fica ali parada? Aquele lobo sorrateiro pode acabar fugindo, sabia? –Raphiel tentava incitar um conflito-

— Acabarei com o outro assim que tiver te exterminado!

— Neste caso...

            O vampiro se moveu desviando dos golpes e a cada passo, aproximava-se mais e mais do lobo que assistia à luta.

— Que truque sujo... Atraindo Sanmoto para perto do professor... Isso é... –Alícia cerrou os dentes-

            O caçador continuou a cortar incessantemente, até o vampiro aproximar-se o suficiente do lobisomem. O homem parou, ainda com a espada em posição de ataque para visualizar ambas as presas, de um lado o vampiro que havia tramado todos os ataques na cidade, e do outro, um desconhecido que tinha um cheiro diferente do vampiro, exalava o cheiro ameaçador sob a lua cheia.

            Ele havia visto com os próprios olhos quando o homem dera um soco no vampiro e o mesmo voou longe. Apesar de que essa cena poderia ser interpretada de muitas formas, ao notar a força sobre-humana do lobo, considerou que o vampiro tinha alguma desavença com o dito cujo e que ambos estavam lutando no meio da cidade, portanto, os dois representavam uma ameaça em potencial e deveriam ser eliminados.

            Com o dever em mente, o caçador olhava para ambos, decidindo qual deles exterminaria primeiro. O vampiro culpado ou o lobo suspeito? Ele iria direcionar a lâmina para o vampiro, mas foi interrompido pelo outro:

— Pretende estender seu confronto por a cidade? Lutar próximo a residências habitadas? –questionou o professor, revoltado-

— Eu nunca machucaria humanos, diferente de criaturas como vós!

            O caçador direcionara agora um ataque para o professor que se expôs. O ato arrancou um sorriso de Raphiel que passou de participante a mero espectador, cruzando os braços e esperando pelo desvelar da batalha.

            Sanmoto tentava cortar o lobisomem ao meio, mas o outro desviava.

— Não tenho a intenção de lutar contra você! Está sendo usado por aquele cara, não percebe?!

— Eu vou finalizá-lo depois!

“Não...” –Ária mordeu o lábio inferior- “Eu não vou permitir que ele lute contra o caçador!”

            A mulher foi em direção à luta que acontecia, mas foi impedida por o vampiro que surgiu à sua frente.

— Não é bom interferir na luta dos outros, Senhorita!

— Não me atrapalhe! –bufou irritada- Você armou isso desde o começo não foi? Está tentando irritar o Isshvan? Se está, eu sinto muito, mas ele não vai nunca se deixar levar por alguém como você!

— Humph. –murmurou arrogante- Tem mesmo sangue humano nas suas veias, a Senhorita fala bastante como eles... Contudo... Se ele pode mesmo dar conta daquele caçador, então por que está tão desesperada para auxiliá-lo?

Ária grunhiu, sua paciência com aquele homem estava nos limites. Enquanto isso acontecia, Alícia despertou de seu transe, precisava agir o quanto antes, correu para próximo da luta que acontecia entre os outros dois.

— Sanmoto, pare! –gritou cerrando o punho- Esse é meu professor, não é um inimigo, deixe-o em paz! Ele não irá nos causar mal algum!

— O quê?

            O caçador hesitou por um momento, e deu um pulo para trás, ainda apontando a lâmina para o professor que também parou de se mover, em frente a ele. O samurai direcionou um olhar de perfil para a garota no plano de fundo, distante dele, depois voltou a encarar o oponente com olhos flamejantes em fúria e dedicação.

— Mesmo que seja uma ordem da Milady Alícia... Não posso ignorar o mal bem à minha frente!

            Ele partiu para cima do lobo, tentado perfurá-lo com sua espada de prata, o outro desviou, mas assim que o fez, o caçador habilmente desenhou um corte horizontal com o fio afiado de sua lâmina, atingindo o oponente no tronco.

            Isshvan torceu o rosto ao sentir a pele arder, para seu azar aquela era uma espada de prata, o ferimento não se curaria tão rápido quanto o normal, mas como estavam sob a lua cheia, ele não teria problemas em lidar com aquele caçador, isto é, se possuísse vontade de lutar contra o homem e se usasse seus poderes reais.

— Isshvan! –gritou a noiva-

            Ária distraiu-se do homem que estava à sua frente e focou sua atenção na outra batalha, Raphiel novamente pôs-se no caminho, impedindo que ela se aproximasse do noivo.

— Seu...! –disse franzindo o cenho-

— Não vou deixá-la ir!

            Raphiel desferiu um golpe com as mãos nuas, um corte transversal, tal era seu poder que suas mãos eram afiadas como uma lâmina e suas unhas haviam crescido um pouco.  Ele teve sucesso em atingir a mulher, apenas parcialmente porque ela desviou-se por um fio.

            Alícia assistia ao conflito, sentindo-se impotente. Sua voz não podia mais impedir o caçador e tampouco podia enfrentar um vampiro.

“Ária também está com problemas... Isso é tudo minha culpa, porque eu...” –ela balançou a cabeça, fechando os olhos, bem apertados- “Nada disso Alícia Aven, você criou o problema, você conserta!”

            Leonhard Graham, impelido a lutar por causa dos golpes sucessivos e perigosos que o caçador lhe lançava, deu as costas e correu do campo de batalha. Tinha que mudar o local, antes que alguém acabasse notando o tumulto no meio da rua, mas foi novamente impedido pelo caçador.

            O samurai se lançou num golpe que visava perfurar o lobo, que teve de desviar, e iria continuar a maratona até um local mais apropriado, porém, o primeiro golpe do caçador havia sido apenas uma finta para enganar seu oponente, o golpe seguinte era o verdadeiro objetivo: perfurar a perna de Isshvan.

            Quando o lobisomem percebeu o ataque, era tarde, e ele pode somente minimizar o dano, desviando um pouco. Um grande corte foi feito em sua coxa. Ele recuou veloz, para evitar outro golpe, mas o ferimento começava a incomodar e manchava sua roupa de sangue.

— Professor! –Alícia gritou nervosa-

            Impressionada pela luta e ainda mentalmente instável ela aproximou-se do caçador. Ária tentava, da mesma forma, encerrar seu confronto e ajudar o noivo, mas o vampiro era persistente não a deixava dar um passo à frente. A situação só piorava, a cada minuto que ela perdia ali, mais um golpe era acertado no noivo. Precisava se livrar daquele oponente antes que mais uma vez Isshvan ficasse entre a vida e a morte.

            Num ímpeto desesperado ela arranhou o vampiro, usando as mãos, fazendo-o recuar alguns passos pelo impacto.

— Ora, aplicando tanta força num só movimento... –ele cumprimentou sorrindo cínico- Ainda assim, não será o suficiente para passar por mim!

A mulher grunhiu irritada. Naquele momento, a chegada de dois personagens irrompeu o fluxo da batalha e todos presentes começaram a olhar na direção dos dois que vieram a passos lentos, dobrando a esquina da rua.

            Os dois jovens que entraram em cena assustaram-se com o que viram, porque todos os olhares estavam direcionados a eles e principalmente, porque eram olhares conhecidos.

— Professor? Alícia? Senhor...? –Silas virava a cabeça para olhar cada um dos nomes que citou, perdido-

— Olhe, até a Ária está aqui, mas... –Karen disse confusa- Aquele Senhor...

— Quem é o cara...? –Silas lançou um olhar para o vampiro- Espera, mais importante que isso, o que todos vocês estão fazendo aqui?!

— Eu quem quero saber... –Alícia engoliu seco-

— Crianças, aqui não é lugar para vocês, saiam imediatamente! –Ária ordenou num tom de alerta-

            E todo aquele jogo havia se tornado mais complicado, com mais dois inocentes envolvidos em um impiedoso campo de batalha, por obra do destino.

“Eu não estou entendendo muito bem a situação, mas... Isso parece ruim! O professor e aquele caçador no mesmo lugar, e aquele cara suspeito na frente da Senhorita Ária... O que exatamente está acontecendo aqui? Logo hoje que a Karen está aqui...”

            Silas suava tenso, tentando interpretar o que via, preocupado com a garota ao seu lado. Inconscientemente sua postura havia enrijecido, defensiva, e ele se pôs na frente da menina que o seguia.

            Raphiel não deixou a oportunidade passar em branco, com a distração de todos, ele desferiu um soco no estômago da vampira, fazendo-a cair no chão, sentada, dobrando-se sobre o próprio tronco pela dor do golpe.

— Por favor, me perdoe, eu realmente não aprecio bater em moças, mas a Senhorita pode acabar atrapalhando meus planos...

— Ária! –Isshvan desconcentrou-se de seu oponente-

            O caçador tentou mais uma vez, cortá-lo e ele foi obrigado recuar alguns metros, afastando-se do inimigo, que sem demora correu até onde o vampiro estava e tentou cortá-lo.

            Raphiel foi atingido nas costas, pois quando percebeu a aura assassina do caçador, este já estava desferindo um corte, que ele desviou por sorte, evitando ser partido em dois pedaços.

            O vampiro afastou-se do oponente, depois do susto de quase ser cortado ao meio, com um sorriso no rosto, ele respirou aliviado.

— O que há caçador? Pensei que fosse acabar com ele primeiro... –apontou para o lobisomem ao longe-

Sanmoto franziu o cenho, depois olhou para a mulher no chão que ainda tentava se recompor.

— Consegue se levantar, Senhorita?

 “Por que ele está me ajudando? Ah... Isso mesmo, ele não deve ter notado o que eu sou... Talvez seja melhor assim, enquanto ele estiver aqui, Isshvan estará livre dele...”

— Perdoe a minha imprudência, eu deveria ter evacuado os humanos primeiro... Por favor, fique aí atrás, não deixarei que eles te machuquem novamente.

 “Eu não entendo... Esse caçador está mesmo tentando matar o professor... Mas... A Alícia não disse nada a ele? Temos que fazê-lo perceber que o Leonhard não é mau!”

            Silas assistia à cena, confuso. Estava inquieto, olhava nervoso para as figuras ali, Ária caída no chão, o vampiro um pouco afastado, o caçador apreensivo e o seu professor, que apesar de ferido ainda parecia hesitar em iniciar um confronto sério.

            Não podia ficar simplesmente parado ali no meio daquela bagunça, precisava agir e estava determinado para isso.

“Se eu tentar explicar, se eu disser a ele... Porque é do nosso professor que estamos falando talvez ele... Possa entender...”

            O caçador correu novamente em direção ao lobo, e levantou a espada na intenção de desferir um corte para finalizá-lo, porém, seus movimentos travaram quando de súbito, Silas correu e se pôs no caminho.

— Não! – o garoto franziu o cenho, gritando- Por favor, pare com isso! O professor não vai machucar ninguém, pare de atacá-lo!

— Saia do meu caminho, eu não irei escutar as suas ordens, Milorde! –o caçador posicionou a lâmina novamente, quase ameaçando o menino-

— Você não entende, ele não está fazendo mal a ninguém! –gesticulava com as mãos-

— Isso mesmo, o verdadeiro inimigo não é ele! –Alícia intrometeu-se-

— Milady Alícia, já lhe disse minha posição, não importa quem seja, uma criatura maligna ainda será uma criatura maligna! Não importam quantos séculos passem, nada pode eliminar os instintos adormecidos destes monstros que irão atacar sem piedade!

— Não, por favor! –Karen se juntou ao grupo, implorando também-

            Raphiel irritou-se com todas aquelas crianças criando um tumulto ali, seus planos não podiam ser impedidos, não permitiria que um lobisomem que se uniu aos humanos que ele tanto desprezava saísse vivo. Ele partiu para o ataque ao professor desprevenido, que apenas notou a presença dele quando estava próximo demais.

— Parece que terei de sujar minhas mãos no fim das contas...

O vampiro disse com um sorriso cínico, pronto para perfurar o professor. Antes que pudesse terminar o golpe, ele sentiu seu sensor de perigo alertar, e rapidamente virou os olhos na direção da qual sentiu o perigo se aproximando. Era o caçador, com uma vontade assassina, pronto para cortar o braço dele, mas antes que conseguisse, o vampiro recuou.

— Decidiu intervir também?

— Já chega! Eu irei expurgar o mal agora mesmo! –ele posicionou o fio da lâmina entre ambos os monstros-

            Com o olhar em chamas ele encarava as presas. Os dois estavam apreensivos, esperando o movimento um do outro, na tensão da batalha. Quem seria o primeiro a se mover? Quem obteria a vitória? Eram tecnicamente, dois contra um, mas isso não intimidava nem um pouco o caçador.

            O samurai foi o primeiro a se mover, com um corte na direção do vampiro, que foi atingido no tronco, que caiu sentado no chão, ferido; mas o golpe não acabou aí, o caçador virou-se num impulso para o lado do lobo e girou a espada, pondo toda força que possuía para perfurar o coração do lobisomem. Não importava quão boas fossem as habilidades regenerativas, se atingisse o coração tudo estaria acabado.

            O tempo congelou, todos que assistiam tiveram a sensação de que aqueles segundos eram horas, Karen cobriu a boca, prevendo a tragédia; Alícia abriu a boca, como se fosse gritar e Silas só conseguiu abrir os olhos em surpresa e um temor que começava a assombrar seu coração.

“Desse jeito... O professor vai ser morto...!”

            Esse pensamento engatilhou o desespero do menino, que sentia-se inútil diante da situação, podendo apenas assistir de longe ao destino que aguardava seu amigo.  

. . .

            Isshvan ficou surpreso com o golpe, foi tão rápido e ele nem pretendia lutar! Estava tentando encontrar uma mínima oportunidade para fugir do caçador, por mais que estivesse sendo perseguido, ele sempre fora o tipo de pessoa que evitara a violência.

            As batidas do seu coração ameaçaram falhar. Sua perna ainda não estava recuperada e sua reação, apesar dos instintos, estava enferrujada para uma luta. Justamente por não querer lutar, era como se ele, inconscientemente, tivesse desligado suas habilidades, bloqueado o caminho para que elas fossem à superfície, mesmo na lua cheia. Ele podia controlar-se bem nesse quesito, tanto em esconder seus poderes reais como em demonstrá-los eficientemente, o que não era o caso.

            Esperou sentir a lâmina cortando sua pele. Não teria escapatória. Mas aquela lâmina não o alcançou. Ele viu o sangue que voou e espalhou-se no ar, todavia, ele não sentiu dor alguma. Era assim morrer? Sem dor? Não... Algo estava definitivamente errado. Muito errado. Foi o que ele pensou, e assim que percebeu o que acontecia, sua mente estagnou. Com os olhos fixos naquela cena.

            Óbvio que ele não sentiria dor alguma, aquele sangue não era dele, nem fora ele atingido pela espada mortal do caçador, mas sim...

— Ária...?-foram as únicas letras que conseguiu pronunciar-

            Era ela quem havia sido atingida, e a espada não só a havia acertado em cheio como a atravessava. O rubro do sangue coloria o vestido branco da mulher, se espalhando como um vírus, caindo no chão.

            O caçador ficou assombrado ao ver que havia atingido a mulher, e por um momento sua determinação fraquejou, seu aperto na espada afrouxou, não queria, de modo algum ter feito aquilo. Nunca em suas missões havia ferido alguém inocente, sua incompetência, seu erro o amedrontava.

“Tch! Aquela mulher atrapalhou?!”

            Raphiel estava irritado. Não pensou que ela pudesse mesmo se mostrar um empecilho tão grande a ponto de receber um golpe no lugar daquele lobo.

            Os jovens que assistiam de longe a luta ficaram sem palavras, imaginando se aquilo não era um pesadelo. Como podia a situação ter chegado a tal ponto? E agora, o que aconteceria?

            Ária segurou a lâmina do caçador com as duas mãos, firme, tal que suas mãos começavam a sangrar por ela tocar no fio da espada. Ela encarou Sanmoto, com seus olhos vermelhos vibrantes, expressando uma emoção que era um misto de raiva e revolta.

— Sua lâmina não alcançará a mais ninguém!   

Ela forçou a espada, quebrando a lâmina em duas. Retirou a parte que estava fincada no próprio corpo e jogou para o lado, grunhiu de dor, mas cerrou o punho, juntando todas as forças que ainda lhe restavam e desferiu um soco furioso no caçador, que ainda atemorizado pela falha, recebeu sem tentar reagir, voando alguns metros, raspando o chão.

Suma daqui, caçador!

            O caçador cuspiu sangue, mas mais do que a dor do golpe, seu orgulho doía. Tentava se levantar, sem ainda ter forças para aguentar manter-se em pé.

            Ária também exauriu suas forças, caiu assim que explodiu sua raiva num só golpe.

— Ária! –o noivo apressou-se para acudir a mulher-

— Isshvan, eu sei que você não irá se transformar, e aqui não é lugar certo para se ter uma luta, então suma logo com as crianças... –disse num tom sério enquanto se esforçava para levantar-se-

— O que está dizendo? Perdeu a cabeça?! –ele franziu o cenho-

— Não. Você sabe que desde o início o alvo deste vampiro era você... E não sei como, mas ele conseguiu trazer até um caçador... –falava pausado, com certa dificuldade- Se ficar aqui só estará fazendo o que ele quer, certo? Vá embora...

— Não.

Isshvan Von Einhardt, não é hora para teimosia!

Ela disse em tom forte e depois olhou para o noivo, com um sorriso desconcertado.

— Eu não lhe disse antes? Tenho que ser uma boa guarda-costas não é?

            Ela levantou-se, trôpega e o noivo a olhava assustado e estupefato. Raphiel olhava irritado para os dois. Partiu para cima do lobisomem, driblando Ária, não importava se a mulher o havia protegido uma vez, agora que estava fraca, não o faria de novo. 

            Ela surpreendeu-se quando foi ultrapassada e o vampiro direcionou um golpe para Isshvan, mas antes que ele pudesse completar o golpe, ela virou-se dando uma cotovelada no oponente que voou ao ser atingido no rosto.

            O ferimento da mulher, no entanto, só piorava a cada vez que ela mexia-se para defender o noivo.

— Ária, se você continuar vai – o homem foi interrompido-

— Como se eu fosse deixar aquilo acontecer de novo... Se eu tivesse o sangue frio o bastante para ficar parada enquanto alguém te mata, eu não teria vindo todo o caminho até aqui...

A voz dela sobrepôs-se à do noivo que engoliu seco ao ouvir aquelas palavras, preocupado.

            Os dois se fitavam, e a mulher não pretendia deixar o local e fugir, de forma alguma. Isshvan balançou por dentro. Não sabia como ministrar as emoções que começavam a fazer turbulência dentro dele. Não podia controlá-las, era algo involuntário e poderoso.

E enquanto os dois mantinha a troca de olhares, Raphiel novamente aproximou-se, para acabar com o homem.

            Ele foi em direção ao lobisomem, pronto para perfurá-lo, no coração, fazê-lo desaparecer do mundo e arrepender-se de ter se unido aos humanos. Novamente ele desferiu um golpe, com toda a força que podia acumular.

Mas... O alvo que ele atingiu foi diferente do desejado e imediatamente retirou a mão que havia usado para perfurar, afastando-se de sua presa, chocado.

            De novo. Ária havia se jogado na frente do homem de novo. Desta vez, ela o havia empurrado, o suficiente para que ele recuasse um passo e tivesse um desequilíbrio enquanto ela recebeu aquele golpe nas costas. Mas ela não pode mais se manter em pé, e caiu nos braços de Isshvan, que ainda estava impressionado com a cena.

— Ária! –gritaram as crianças, cheias de preocupação-

            O vampiro franziu o cenho, extremamente irritado enquanto olhava para a mão cheia de sangue que acabara de fincar na mulher. Seus planos haviam sido frustrados mais de uma vez, e por a mesma pessoa. Seu semblante antes indiferente foi tomado por raiva. Não gostava de perder, ainda mais para alguém que carregava o sangue humano que ele desprezava com tanto afinco.

. . .

            Issshvan, imediatamente ajoelhou-se e apoiou a mulher em seus braços, sacudindo-a para que ela recobrasse a consciência, chamando por o nome dela num tom preocupado. O sangue dela estava espalhado pelas roupas dele e ela não parecia acordar...

— Hmn... –ela abriu os olhos, atordoada-

— Ária, temos que chamar o Illiel agora, ele vai cuidar de você... –disse consternado-

— Quando ele vier, vai dar um jeito nisso...

            Ela olhou-o com a visão embaçada. Podia prever o que iria acontecer quando tocou no ferimento que não se curava rápido como sempre. Sua natureza humana a arrastava para baixo, mas ela não sentia remorso algum por possuir aquele sangue humano dentro dela... Sorrindo, ela fitou o noivo mais uma vez:

— Mesmo que ele venha... Isso não vai sarar rápido...

— Não... Do que está falando? –ele disse nervoso, com a voz rouca- Eu sei que você se esforçou muito, mesmo ferida, mas o Illiel vai dar um jeito nisso, não há porque se preocupar... –falava com um tom suave-

— Isso não é verdade... –ela levantou uma das mãos e acomodou no rosto do lobo- E sabe disso...

—... Não...

— Mesmo se ele viesse agora, meus ferimentos não curam tão rápido... quanto os seus... –falava com dificuldade-

            Agora até sua voz não saía propriamente, era como se as palavras ficassem presas no meio da garganta, resistindo a sair, aquele ferimento doía tanto, mas ela não quis deixar isso transparecer no rosto, não poderia preocupar ainda mais o noivo que a olhava temeroso.

—... Não, isso é... –ele tinha no rosto uma expressão conflituosa-

— Isshvan. –disse com voz forte-

            Ela sorriu mais uma vez, com sentimentos azedos ameaçando abrir ainda mais aquelas feridas. Ela que sempre prometia estar ao lado dele seria a primeira a abandoná-lo? O homem calou-se num silêncio abominável.

— Eu sinto muito... mesmo... –ela respirava cansada- Eu vim aqui porque achava que você estaria muito solitário... Eu pensei que poderia ao menos aliviar um pouco sua solidão... Tinha medo de que acabasse como seu pai...

            Ele mantinha o silêncio, embora seus olhos estivessem somente prestando atenção a ela, sua mente vagava por um universo inteiramente longínquo.

— Eu não queria deixá-lo sozinho tão cedo... mas... –ela lançou um breve olhar para as crianças que a assistiam com lágrimas nos olhos- Creio que... Não preciso mais me preocupar com isso...

—... Eu só tenho medo... –disse num tom fraco- De que você não seja capaz de enfrentar o ódio que há entre você e seu pai...

— Não diga isso numa hora dessas, -ele tocou na mão da noiva que estava em seu rosto- Pare de falar como se... –os olhos dele começaram a arder-

— Como se eu fosse morrer? –ela sorriu amarga- Eu não poderia estar aqui sempre por você... Por mais que quisesse, eu morreria mais cedo... Sabe disso... Mas...

            Um sorriso sincero brotou nos lábios da mulher e os olhos dela lacrimejavam e enquanto a visão do rosto do noivo ficava obscurecida, ela foi perdendo a consciência, mas conseguiu prenunciar suas sentenças finais.

— Eu te amo muito... queria que soubesse disso...

            As últimas palavras foram ditas quase que num sussurro, pois já não havia mais energia suficiente para pronunciá-las em voz alta. No entanto, elas alcançaram com toda força, perpassando através do coração e da alma do homem.

            Isshvan a fitava perdido, incrédulo. Seu rosto escureceu, sua postura relaxou ele dedicou sua atenção à mulher adormecida em seus braços, cujo perfume pairava suavemente no ar misturado ao forte cheiro de sangue. Ele esqueceu-se do mundo ao redor, viajando para o mais profundo de sua mente, onde estavam as lembranças, longe do que se passava na realidade...

. . .

“Como isso foi acontecer? Eu sabia que não seria uma boa ideia trazer a Karen junto, logo agora... Por quê? Por que tinha que ser a Ária? “

Silas sentia a dor que apertava seu coração. Ele podia ouvir os soluços do choro da amiga que estava bem atrás dele, e podia ver, pela expressão de Alícia que ela não estava bem. Era uma tristeza imensa, não aguentava ver aquele cenário.

            Os olhos do garoto marejaram e ele caiu de joelhos no chão, socando, para descontar a frustração. Ele socou continuamente até seus punhos adquirirem uma cor vermelha. Levantou a cabeça para olhar para o professor. Ele continuava lá parado.

“Como... Como ele deve estar se sentindo...? Ele não era muito próximo dela, mas... A Ária era uma pessoa tão alegre... Por que ela tinha que...? Eu tenho que dizer algo... Mas o que eu posso...? Não é hora para chorar, eu tenho que ser forte... O professor deve estar muito abalado, Karen e Alícia também... Se eu chorar agora... Quem irá consolá-los?”

            O garoto enxugou as lágrimas e levantou-se prontamente, ainda com uma expressão angustiada. Ele andou até se aproximar de seu professor, parou a apenas um dois metros de distância das costas do homem.

            Abriu a boca para tentar dizer algo, e estendeu a mão para ajudar o outro a se recompor, mas parou ambas as ações e selou a boca, sem saber quais palavras dizer para um homem que acabara de perder alguém importante. Abaixou a cabeça, tentando encontrar uma ação que pudesse ser útil àquela situação.

— Professor, eu... –ele levantou a cabeça, para fitar as costas do homem-

            Quando ele fez isso, um súbito sentimento o tomou. Ele ficou paralisado, na posição na qual estava, de pé com a mão estendida e seus olhos se abriram. Um sentimento estranho e maligno começou a tomá-lo. Ele recuou um passo quando olhou novamente o professor.

“O que é isso...? Tem algo de errado... Eu estou com... medo? Qual é meu problema? É o professor Leonhard, ele nunca nos machucaria, não?... Mas... por que me sinto tão inseguro para me aproximar mais...? O que é esse arrepio estranho?”

            O aluno viu Isshvan levantar lenta e tortuosamente a cabeça para o alto, para o céu.

“O que...? para onde ele está olhando?”

O menino levantou a cabeça, na mesma direção.

“O céu...? Por que ele está olhando para lá? Não tem nada-”

            No momento que pensava, uma luz de entendimento cruzou sua mente. Silas arregalou os olhos com a possibilidade e se aterrorizou ainda mais com a visão.

“Espera... Não me diga que ele está olhando para... Professor, não me diga que vai...!”

Silas: < http://aleli0.deviantart.com/art/Silas-Belmont-636184727?ga_submit_new=10%253A1474684063>

. . .

“Que homem patético...”

            O vampiro pensava, com o olhar indiferente. Sua raiva toda se esvaiu quando ele viu a mulher morrer e que seu oponente estava agora ali, no chão e havia perdido qualquer vontade para continuar a luta.

“Está quebrado. Aquele homem está quebrado em pedaços... Ele perdeu-se completamente por causa de uma mulher... Eu nunca pensei que veria um caso tão estranho entre um lobo e uma mestiça... Esses dramas realmente estragam o meu humor...”

            Ele fechou os olhos e suspirou, cansado daquela história. Seu plano foi falho em muitos aspectos e houve imprevistos, mas não era hora para analisar isso, precisava dar um fim àquela situação lamuriosa.

“É uma pena... Mas terei que acabar com um homem assim, sem vontade nenhuma de lutar... Isso incomoda meu orgulho, contudo, não posso me dar ao luxo de ter orgulho se quiser acabar com aqueles humanos amaldiçoados...”

            Ele dirigiu-se a passos lentos, cada vez mais aproximando-se do lobo. Viu o aluno do homem aproximar-se, mas era apenas um garoto humano, não havia nada que ele pudesse fazer para impedir o assassinato. O lobo estaria morto antes que o menino notasse. Porém, ele parou de caminhar quando sentiu uma sensação pesada, um horror repentino que o fez ficar alerta. Estagnou ali no meio da estrada, apreensivo.

            Encarou o lobo, viu o homem levantar a cabeça para o alto, ainda segurando a mulher nos braços. Algo parecia fora do lugar. Aquele homem não estava bem, com certeza. Havia segurado a mulher por longos minutos, sem mover um músculo, e de repente fizera uma ação tão esquisita. Sentiu um arrepio, e olhou diretamente para a mesma direção, e eis o que ele viu:

 

A lua cheia.

“Esse desgraçado... Não me diga que ele vai...!!”

            E assombrado com o próprio pensamento, Raphiel ficou arisco, rangendo os dentes. Precisava fazer algo antes que o pior acontecesse...

. . .

Pouco antes de o lobo encarar a lua...

. . .

            Quando Isshvan se deu conta, Ária estava ali, já inconsciente em seus braços. Sua mente parou. O mundo ao redor era nada mais do que um fino rascunho mal feito em volta dele, incoerente, sem importância. Sua mente o trouxe lembranças, algo que escavado do fundo de sua memória enquanto seus olhos se desfaziam em lágrimas...

. . .

Um jovem homem, de cabelos negros, curtos, e olhos azuis segurava outro pelo pescoço( que já parecia morto) elevando-o a altura dos olhos. Chovia incessantemente, e o homem de olhos azuis usava roupas elegantes. Completamente ensopado, com a franja lhe caindo nos olhos, grudada na pele pela umidade, surpreendeu-se quando ouviu um estalo, como o de passos. Olhou instantaneamente na direção da qual vinha o som.

            Era uma garota. Uma adolescente, não devia ter mais que 16 ou 17 anos. Cabelos negros e lisos presos num rabo de cavalo, molhados pela chuva. E apesar de ser noite, ela usava um uniforme escolar, também encharcado. Ela fazia uma expressão perdida, num misto de medo e confusão. Deixou cair a pasta escolar que segurava, sem palavras para a cena que via.

            E os dois se encaram mudos por algum tempo, com a chuva como som de fundo, no silêncio da noite.

Essa memória, de novo...

— Ah... –a menina soltou um grunhido após ver a cena-

            O homem de cabelos negros deixou escorregar por suas mãos o pescoço do outro que segurava, e que caiu imóvel no chão. Ele estava assustado, quase tanto quanto ela.

“Alguém me viu... Isso é...”          

— Eu... –a garota cobriu a boca com as mãos, emocionada- Não acredito...

“Se ela gritar aqui...”

— O senhor... –ela tremeu- O senhor...

“Eu tenho que fazer algo a respeito disso...”

            O homem franziu de leve o cenho, preocupado com a reação da menina. E virou-se para ela, deu um passo, tentando não parecer muito ameaçador, mas parou quando a ouviu dizendo:

— Isso é incrível! –ela tirou as mãos da boca, e tinha um sorriso nos lábios- Isso é muito incrível! O Senhor é... Igual a mim!

            Uma expressão confusa apoderou-se do rosto dele. A chuva cessou, mas os pingos de chuva que caíam das lamparinas e das árvores ali perto ainda podiam ser ouvidos. Ele ficou em silêncio ao escutá-la.

            Era a primeira vez em toda sua vida que via este tipo de reação. Não conseguia ainda acreditar que não fosse um sonho. Uma pessoa que testemunhou sua força inumana e continuava com um sorriso, bem em frente a ele, encarando-o com olhos brilhantes, como se ele estivesse fazendo algum tipo de mágica. Isso o deixou inteiramente desconcertado.

— Quem é você...? –perguntou frívolo-

— Ah, me perdoe, -ela correu até o homem e estendeu a mão com um sorriso de um lado ao outro do rosto- Me chamo Ária!

            Ele fitou a mão dela estendida. Depois olhou para o rosto dela, perplexo. Ela abaixou a mão estendida, sem graça por não ter sido cumprimentada.

— Perguntei quem é você... –ele franziu o cenho, irritado-

— Ora, mas que homem desconfiado, -ela inchou as bochechas fingindo estar irritada- Eu já te disse meu nome!

— Não foi isso que eu perguntei... Você tem... Um cheiro diferente...

            Ela gargalhou quando o ouviu dizer aquilo. Não podia ter ouvido as palavras de forma correta. Sua mente devia estar lhe pregando peças para encontrar um homem que falava engraçado.

— Desculpe, deve ser mesmo esquisito... Não é a reação típica da maioria das pessoas quando descobre, não é?

— Descobrem o quê?

— Que o Senhor é um lobisomem, ué. –respondeu simplista com um leve sorriso-

            O homem suou frio e recuou um passo, com certo temor da garota sorridente à frente. Como ela podia saber sobre sua identidade? Ele nem havia se transformado ali! Quem era realmente aquela jovem?

— Como você...?

— Como eu sei? –ela pôs um dedo no queixo- Bem... O Senhor disse ‘cheiro’ agorinha... E segurando aquele homem transformado assim com tanta facilidade, não podia ser outra coisa, não é?

— Como sabe tanto...? Como sabe que era um transformado... –ele ficou ainda mais seco e desconfiado-

— Eu lhe disse, nós somos iguais... –ela suspirou- Eu também não sou humana...

Ele estava ainda mais aturdido com as palavras dela, por outro lado, a garota se divertia com as caras e bocas dele.

— Ora, vamos, não precisa ter medo... Deve ter ficado bem surpreso porque eu não saí correndo gritando ‘monstro’ ou algo do tipo, não é? É claro que eu não faria isso, as pessoas também me tratariam assim se soubessem o que eu sou... –revirou os olhos-

— E o quê você é?

— Ai! Isso doeu! –ela franziu o cenho- Não sou uma ‘coisa’, eu disse que não era humana, mas não é bem verdade, eu sou parte humana também, mas não completamente...

“Parte? Uma mestiça?”

— Aliás, o que faz aqui a essa hora da noite? –ele continuou numa postura defensiva-

— Ah. –ela parou de sorrir e fez uma expressão preocupada- Essa não! Preciso ir para casa, meus pais vão me matar se eu chegar mais tarde!

            Ela correu, e o homem a observou, ainda perdido na situação. Ele ficou ainda mais confuso quando ela correu de volta, agarrou na manga da camisa do homem e disse:

— A propósito, o senhor tem que vir comigo... Já que matou aquele transformado, meu avô vai querer algumas explicações, seja sincero, tudo bem? Aquele transformado estava causando uma confusão pelas redondezas e meu avô estava de olho nele, por isso vai ter que se explicar direitinho!

            E ela correu, arrastando-o junto. Completamente sem reação, ele se deixou ser arrastado.

. . .

“Naquele dia que eu a conheci... Isso mesmo... Na época eu ainda não sabia sobre a família dela... Agora que eu penso nisso... Ela poderia ainda estar com a família se eu não tivesse aparecido por lá...”

“De novo, por minha culpa... Quantas vezes isso irá se repetir? Quantas vezes quer que eu me sinta culpado por o que acontece? Você não disse que viveria mais do que eu, Ária?”

            Foi um choque. Isshvan olhava para a noiva, vidrado nela, imerso em seu próprio mundo. Seus sentidos ficaram confusos, sua respiração começou a ficar ofegante, seu sangue ferveu, borbulhou em suas veias, e seu coração acelerou tanto que a cada batida, tentava saltar para fora do corpo.

            A visão dele alternava entre uma vista turva e uma imagem clara da mulher em seus braços. Suas lembranças ocupavam sua mente num turbilhão de cenas, vozes, sons. E ele afundava cada vez mais em seu próprio ser.

            Mais uma memória lhe veio à mente, clara como o dia:

Estavam ambos sentados em cadeiras de metal brancas, em uma varanda de uma casa de madeira, à luz do dia. A mulher fitava o noivo com uma expressão entediada.

— Isshvan, eu ainda não entendo...

Ele não respondeu, apenas virou a cabeça para olhá-la, como se esperasse a pergunta que ela faria.

— Se podia simplesmente ter se transformado para fugir daquele caçador, por que não o fez?

O homem suspirou e respondeu num tom sério:

— Não é fácil assim, Ária...

— Por que não? Não consegue controlar sua transformação ainda? –ela pôs a mão no coração, com certo medo de ter um ‘sim’ como resposta-

— Não é isso... É apenas desnecessário usar aquela forma quando posso fugir sem ter que recorrer a ela...

— Por quê? –inquiriu com um tom de desentendida-

— Aquela é uma forma terrível, não que eu seja incapaz de controlá-la, mas prefiro não ter que ficar daquele jeito... –ele respondeu fitando o céu, com um olhar distante- Ela é a personificação da verdadeira natureza de um lobisomem, quando estamos transformados, a percepção do mundo ao redor muda: tudo vira preto e branco, nosso sentidos se aguçam, nossa constituição torna-se incomparavelmente mais forte, mas principalmente, aquilo desperta nosso instintos...

— Instintos?

— Sim... Sabe o que isso significa? –ele a encarou- Que não seríamos diferente de animais... Eu posso me controlar, mas mesmo assim, um momento de fraqueza e eu facilmente perderia o controle... Eu perderia a razão, e sem ela, perderia a humanidade, então eu não seria muito diferente de uma besta feroz, não acha?

A mulher se encolheu na cadeira e ele deu um breve, fraco sorriso antes de continuar:

— É por isso que não gosto daquela forma... É uma transformação arriscada, uma faca de dois gumes que te torna mais poderoso ao mesmo tempo em que pode acarretar consequências devastadoras se houver o mínimo descontrole...

            A mulher sentiu um arrepio percorrer a espinha, e depois continuou seu interrogatório:

— E se algum dia você precisar se transformar?

— Já faz muito tempo desde a última vez que precisei fazê-lo e não acredito que terei de me utilizar disso tão cedo... Mas não se preocupe muito, eu não me transformaria aqui, no meio de uma cidade... Eu tenho autocontrole suficiente para evitar a transformação natural durante a lua cheia... E tive um árduo trabalho para poder controlar isso tão bem, sabia?

            Ela o fitou com o olhar trêmulo por alguns instantes, com certo tipo de piedade, ele prosseguiu:

— A depender de mim, nunca mais utilizarei aquela forma...

. . .

            Saindo de seu mundo de memórias fragmentadas e escurecidas, o lobo levantou a cabeça, lentamente em direção ao céu estrelado. E bem no alto, a lua cheia. Apesar de ter saído de seu passado, sua mente ainda estava deslocada do plano real, não podia suportar aquela situação.

            E refletida nos olhos lacrimosos dele, a lua brilhante e cheia, um astro magnífico que parecia hipnotizá-lo, colocá-lo num transe por inteiro. Ela o chamava, para mais perto, para observá-la, para juntar-se a ela na doçura da noite. Ele não precisava mais resistir aos instintos como havia feito por tantos anos, não precisava se importar em manter amarras à sua verdadeira natureza, não mais...

            E foi com uma liberdade enganosa que o seduzia, lançada pela lua, que ele perdeu completamente o controle de si.

            Isshvan sentiu seu coração apertar, a cada palpitar ficava mais apertado, como se alguém o espremesse entre os dedos, aquela dor o atingiu e ia se intensificando, mas a circulação de seu sague não diminuía, pelo contrário, fluía mais veloz, e seu corpo ficava mais quente, a ponto de sua pele ficar vermelha. Ele, pela primeira vez, largou a mulher no chão, pela dor que o acometia, pondo a mão no coração e se curvando.

            A sua vista começou a escurecer, ficar turva e mudar os tons que ele enxergava. Sua percepção da realidade mudou. Sua visão passou a ser apenas sombras em preto e branco, que formavam objetos e se distinguiam detalhadamente, mesmo sem a luz, mesmo nas profundas sombra da noite. Ele colocou as mãos na cabeça e foi se levantando, desequilibrado, gemendo de dor.

Pulsava. Tudo em seu corpo pulsava. Sua cabeça doía e uma miscelânea de cenas confusas povoavam seus pensamentos; pulsavam suas pupilas que se retraíam; suas veias que pululavam para a superfície da pele, ficando em alto relevo; seu corpo todo, até mesmo sua mente ensandecida; um sentimento sufocante e avassalador.

Uma dor ainda pior o atingiu: Seus ossos deslocaram-se e passaram a se realocar de forma diferente, ele encurvou-se, dolorido, gritando desesperadamente, e gradativamente, as mudanças se faziam mais visíveis: seus músculos cresceram, sua pele, foi mudando de cor e sendo coberta de pelos negros; suas orelhas, ficando iguais aos de um animal em particular; suas unhas cresceram, tornando-se garras; seus dentes, viraram todos caninos afiados e protuberantes; seu rosto foi se transfigurando, tornando-se semelhante ao de um lobo; Tudo nele passou por uma mudança drástica. E os espectadores, ficaram abismados, assistindo quietos ao espetáculo macabro que acontecia. Silas recuou alguns passos, assustado com a forma que seu professor tomava.

Quando sua aparência ficou irreconhecível, ele olhou para o alto, para a lua, com suas pupilas felinas, e uivou do fundo dos pulmões, um uivo desconcertante que perfurou através da alma dos ouvintes.

— Profes... sor?

Silas olhou aterrorizado para o lobisomem que estava a pouco mais do que três metros dele.

            Num impulso veloz, o lobo virou-se para o garoto e o encarou, bufando, de tal forma que o hálito se condensava e saía como fumaça de sua boca.

. . .

            Foi quando eu percebi a verdade... Por que sempre se manter afastado das pessoas? Isolado, longe de relações...? Aquele que me olhava... Aquele que mirava a mim... Não era mais o professor que conhecíamos... Não era mais o Leonhard Graham que fingia ser humano ou o Isshvan que Ária tanto amava. 

            Eu aprendi sobre o verdadeiro medo. Um sem precedentes, pior do que ter medo da morte, de um tipo que te faz temer perder pessoas importantes... E de morrer enquanto as assiste submergir num caminho escuro...

Aquele era só... Um animal... Pronto para nos devorar vivos... E Essa imagem não sairia nunca de minha cabeça...

. . .

            O desespero se fincou como uma estaca no coração de todos os presentes, não somente os aliados, até os inimigos se assombravam com a criatura temível que havia despertado.

E Silas, ao fitar os olhos azul-cinzentos e animalescos do monstro à sua frente, estremeceu internamente. Ao tomar ciência de que não jazia razão alguma naquele animal feroz, ele recuou mais um passo, com o corpo trêmulo. E num segundo, o animal sumiu de sua vista. Ele olhou em volta, ainda amedrontado, mas não viu sinal da fera...

Foi quando sentiu uma respiração ruflar em seu cabelo, fazendo as mechas castanhas esvoaçarem pelo vento que produzia. Ele lentamente virou a cabeça para trás e se deparou com o rosto daquela criatura, uma face voraz e ameaçadora, o rosto de um verdadeiro lobisomem.

O animal rosnou irascível, em seguida levantou suas mãos com garras para cima e o menino acompanhou o movimento com os olhos; ele estava tomando impulso para cortar o garoto. As garras dele eram como uma sombra, banhadas pela luz da lua. E com essa terrível visão, o menino congelou. Seu destino estava selado, mais uma vez, sob o luar.

Uma terrível e sangrenta noite de lua cheia.


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Notas finais do capítulo

Uma imagem de Silas Belmont!!



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