Aquele Professor É Um Lobisomem escrita por Lady Pompom


Capítulo 15
Capítulo 14: Era um dia chuvoso assim...


Notas iniciais do capítulo

Essa história não tem relação nenhuma com qualquer fato, pessoa ou lugar da vida real. è uma obra de ficção para puro entretenimento.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/368637/chapter/15

“...?”

“O que é isso? Está tudo escuro... Não... Que imagem é aquela? Ah... Isso é...”

            Um jovem homem, de cabelos negros, curtos, e olhos azuis segurava outro pelo pescoço (que já parecia morto) elevando-o a altura dos olhos. Chovia incessantemente, e o homem de olhos azuis usava roupas elegantes. Completamente ensopado, com a franja lhe caindo nos olhos, grudada na pele pela umidade, surpreendeu-se quando ouviu um estalo, como o som de passos. Olhou instantaneamente na direção da qual vinha o som.

            Era uma garota. Uma adolescente, não devia ter mais que 16 ou 17 anos. Cabelos negros e lisos presos num rabo de cavalo, molhados pela chuva. E apesar de ser noite, ela usava um uniforme escolar, também encharcado. Fazia uma expressão perdida, num misto de medo e confusão. Deixou cair a pasta escolar que segurava, sem palavras para a cena que via.

            E os dois se encaram mudos por algum tempo, com a chuva como som de fundo, no silêncio da noite.

“Eu me lembro... Isso foi quando eu vi a Ária pela primeira vez... Naquele tempo era um dia chuvoso assim também... Mas...”

“Por que eu estou me lembrando disso agora? Por que eu...”

. . .

            Isshvan lentamente abriu os olhos. A princípio, identificou o barulho abafado da chuva, provavelmente estava em algum lugar fechado. Foi quando reconheceu o teto branco que encarava. Sua casa. Definitivamente sua casa.

Sua cabeça estava ainda confusa, suas sensações ainda torpes, um misto de cenas se embaralhavam em sua mente, se lembrava de ter sido atingido, de fugir, de ficar com a vista embaçada e escura e de não se lembrar de mais de nada.

            Sentiu uma dor percorrer seu corpo, e como doía. Era como se tivesse algo entranhado nas veias dele, percorrendo seu sangue e causando ardência por onde passava. Torceu um pouco a expressão por causa da dor. Foi quando ouviu uma voz:

— Professor...- a voz feminina atraiu a atenção do lobo-

            Ele virou a cabeça na direção, já que seu corpo não parecia estar bom o suficiente para que ele se levantasse dali e checasse.

— Karen... Bastern? –estreitou os olhos, sem entender a presença da garota ali- O que faz... –ela o interrompeu-

— Não fale muito, por favor... –gesticulou com as mãos- O médico disse que você precisa ficar em extremo repouso.

            Ouviu-se o barulho de uma porta se abrindo. Era Silas, entrou no quarto com um astral baixo. Ele surpreendeu-se um pouco ao ver o homem deitado na cama acordado.

— Ele acordou, não é ótimo? –Karen sorriu-

— Sim... –replicou o garoto sem muito humor-

— Ah, -a menina voltou o olhar para seu professor debilitado novamente- Não se preocupe, vamos explicar tudinho quando a Senhorita Ária e o Doutor Illiel estiverem aqui...

            Isshvan silenciou. Embora seus pensamentos estivessem conturbados, não conseguiu se concentrar muito na situação por causa da fraqueza e fadiga que sentia. Fechou os olhos novamente, ouviu alguns sussurros dos dois mais jovens, mas não entendeu as palavras que diziam. Focou-se no barulho da chuva, era relaxante. Aquele som o levava àquelas memórias novamente. Podia se lembrar com clareza dos dias antigos, das boas e das más lembranças que guardava sobre o dia chuvoso que encontrou com a noiva.

. . .

No colégio Nieyama,

Pela manhã...

. . .

— O quê? –Houston, o professor de matemática disse estupefato- O que você disse?

— Infelizmente Leonhard Graham que ministra aulas aqui foi assaltado há uma semana atrás enquanto estava em outra cidade, e o ladrão desferiu três tiros, -Ária dizia com o olhar baixo e um ar de desânimo- Ele foi levado imediatamente para o hospital mais perto,  e como fica em outra cidade, ele estará longe por um tempo... Como não há nenhum parente próximo eu irei até lá, mas o médico disse que a recuperação dele não demorará menos do que um mês...

— Inacreditável! Como isso pode ter acontecido? –o homem franziu o cenho- Não acredito! Eu sei que ele estava ausente essa semana e que ligaram avisando da ausência dele, mas...

— Eu imaginei que ficaria surpreso, aqui tem um atestado... –Ária tirou um papel da bolsa e mostrou ao professor- Bem, de qualquer forma eu falei com o diretor, ele concedeu a permissão para tirar esse mês de licença médica já que o Leon não pode trabalhar... Parece que o Senhor terá de substituí-lo durante a ausência...

— Mas... –Houston engoliu seco, ainda descrente da situação-

— Se me der licença, tenho que voltar para a cidade onde ele está hospitalizado...

— Ah... –o homem ficou sem palavras-

“Leonhard Graham... Ainda não acredito que algo assim tenha acontecido com ele, mas... Por que ele viajaria no meio da semana para outra cidade? E ser assaltado logo durante uma viagem, é muito azar... Essa história... Ainda não consigo engolir... Pela cara daquela mulher realmente pareceu algo sério... Ahgh! Aquele Leonhard tem uma mulher tão bonita se preocupando com ele, isso me irrita!”

            E Ária saiu do colégio, rumo à casa do noivo. Claro que a história mirabolante que ela contou ao professor Houston e ao diretor era mentira, Leonhard Graham, ou melhor, Isshvan Von Einhardt estava em sua própria casa, se recuperando, mas ela não podia revelar a verdade sobre ele ser atacado por um caçador, certo? Então eis o conto sobre o ladrão, e para mais segurança, caso alguém tentasse checar se o professor lobo estava hospitalizado em algum hospital da cidade, ela mentiu dizendo que ele estava num hospital de outra cidade. Não acreditava que alguém iria tão longe a ponto de se informar em hospitais de outra cidade também.

. . .

Na residência de Leonhard Graham,

Ainda pela manhã...

. . .

            O homem abriu os olhos, ainda sonolento se viu encarando aquele teto familiar novamente. Seu quarto. Tentou virar a cabeça na direção da janela para ver o lado de fora, mas só por mover o pescoço seu corpo toda doía.

            As cortinas esvoaçavam com o ar fresco da manhã e alguns poucos feixes de sol morno entravam no quarto. O céu estava azul e límpido, e o clima agradável. Ele ficou algum tempo encarando a janela, pensativo.

            Voltou o olhar para a porta de entrada do quarto, quando a ouviu se abrir. Era Ária. Ela fez uma expressão de surpresa ao vê-lo acordado, e correu para o lado da cama imediatamente.

— Isshvan! –sentou-se no chão, encarando o noivo- Você acordou! –ela sorriu, segurando a mão dele e recostando a bochecha de uma forma carinhosa- Estou tão feliz que tenha acordado! Como se sente? Você se lembra de-

— Ária... –ele interrompeu a fala frenética da mulher- O que aconteceu...? –perguntou ainda confuso por suas lembranças-

— Ah- ela demorou alguns segundos para responder- Desculpe, você... Desmaiou no meio da rua enquanto fugia após ser atingido três vezes pelo Silver...

— Eu me lembro disso... Quero saber... Como eu vim parar aqui? –disse com a voz cansada-

— Bem, sobre isso... Nós o trouxemos aqui...

— ‘Nós’?

— Sim... Eu e seu aluno, Silas... Você ficou desacordado por uma semana... Na verdade, as crianças disseram que você acordou anteontem, mas dormiu de novo...

— Anteontem? –ele surpreendeu-se- Faz tanto tempo assim... Desde que fechei os olhos?

— Você está muito fraco, aquelas balas que lhe atingiram tinham prata líquida dentro, Illiel cuidou em tirá-las do seu corpo, mas parte da prata ainda está no seu sangue, você está tomando um remédio que ele preparou para eliminar a prata... E graças a Deus está funcionando!

            Ele ficou encarando a noiva por um tempo, ainda perdido, não lembrava como tinha ido parar ali. Entendeu porque seu corpo doía tanto, era a prata, uma toxina letal para ele. Estava em uma situação bem perigosa, foi um milagre que ele não tenha morrido.

            Mais duas pessoas entraram no quarto, eram seus dois alunos, Silas e Karen.

— Sil, veja só! –a garota disse abrindo um sorriso de ânimo no rosto- Ele acordou!

— Professor! –Silas também animou-se.

            Os dois se entreolharam e correram até perto da cama onde o professor estava.

— Como está se sentindo? –Karen perguntou preocupada-

— Eu estou bem... –respondeu franzindo um pouco o cenho-

— Ah, cara, eu pensei que você fosse demorar mais a acordar, quando você abriu os olhos anteontem foi uma surpresa!-Silas falava num tom energético-

Ele não disse nada, ficou escutando os alunos conversarem com ele, ou melhor, os alunos contarem como os dias haviam sido.

— Eles vieram aqui todos os dias... –Ária sussurrou com um sorriso- Acho que gostam muito de você...

O professor suspirou, cansado, parece que todo o sono ainda não havia sido o suficiente para matar sua sonolência.

— Sobre o que aconteceu naquela noite... –a noiva disse com o olhar baixo-

. . .

Uma semana atrás,

Na noite da perseguição.

. . .

— Você ainda consegue usar sua animalia, certo? Use-a para fugir mais rápido, eu cuido do resto! –a mulher disse de cenho franzido-

            Ela soltou o homem, e ele relutantemente deu as costas para ela. Silver posicionou a arma para atirar no lobisomem, mas Ária se pôs em frente à mira.

— Terá que passar por cima de mim se quiser chegar até ele... –disse convicta-

— Pois bem, -o caçador mudou o alvo na mira- Não costumo caçar vampiros ou humanos, mas dizem que há uma vez para tudo na vida, não é?

            Isshvan lançou um olhar de relance para trás, enquanto corria torto e se despia, assim usou animalia e se transformou no lobo negro, traçando um caminho desorientado pelas ruas, com as pálpebras pesadas, ameaçando cair-lhe sobre os olhos a qualquer momento.

            Ária concentrou-se no inimigo à frente. O caçador tirou um cartucho de uma de suas armas e trocou por outro.

— Tenho que guardar minha prata para a caça certa, balas normais dão conta de você, mesticinha...-ele sorriu maldoso- Bem que eu sabia que você tinha um cheiro diferente.

— Cheiro...? –a mulher perguntou com certo asco-

— Não se preocupe, Madame, não vai doer muito, eu prometo... –ele mirou na cabeça da mulher-

            Ele deu dois disparos, mas nenhum a acertou, ela desviou-se, furiosa. Num segundo alcançou o caçador, e tentou acertar um chute no lado esquerdo do homem, mas ele segurou a perna dela. Ela aproveitou a perna levantada que o caçador segurava, tomou um impulso e deu uma cotovelada na cabeça do homem, ele largou a perna da mulher e disparou, o tiro pegou de raspão no rosto dela.

            Ária deslizou os pés no chão molhado para afastar-se do caçador, o homem também recuou, mas logo voltou a alvejá-la. Posicionou-se para atirar novamente, passou a fazer uma série de disparos e a mulher, desviou de todos.

— Ora, ora, você até tem jeito, mocinha! –o caçador riu- Isshvan andou te ensinando como fugir também?

— Não fale o nome dele!

            Silver mirou a arma, mas antes que pudesse atirar, Ária bateu na mão dele, fazendo-o soltar a arma, ele então dispôs a outra pistola para atirar na mulher, mas no momento que ainda estava mirando, foi tempo o suficiente para que ela desse um chute forte no caçador, fazendo-o voar longe novamente.

— Não tenho tempo a perder aqui, Isshvan está...

            Ela correu o mais rápido que pôde para tentar alcançar o noivo. A chuva atrapalhava, deixando o chão escorregadio, mas ela não se importou, apressou o passo.

            Após algum tempo, ela podia sentir que estava perto, e viu as marca de sangue no chão, deixadas pelo lobo ferido, quando dobrou uma esquina de uma das escuras rua das cidade, lá estava ele, caído.

— Isshvan! –gritou desesperada-

            Mal notou a presença de outra pessoa ali, Silas Belmont, um dos alunos do professor. Correu para o lado do noivo que ainda estavam em forma de lobo.

— Professor... –a mulher ouviu uma voz embargada, era o garoto, com uma expressão de angústia-

— Rápido, vá até o carro, é só dobrar a esquina à direita, eu vou tirá-lo daqui agora! –a mulher ordenou-

— H-hã? –o garoto a encarou confuso-

— O que está esperando?! Não temos tempo!

            O garoto obedeceu, assim que dobrou a esquina, lá estava o carro, a mulher jogou as chaves e ele abriu.  Ela carregou o lobo sozinha até o banco de trás, Silas surpreendeu-se com a força que ela tinha, carregando um lobo enorme como se não fosse nada. Acomodou-se com o lobo nas pernas e ordenou novamente:

— Dirija até a casa dele!

— O quê?-Silas abismou-se- Mas eu não tenho carteira de-

— Não importa, dirige logo! –gritou impaciente-

            Silas engoliu seco e dirigiu o carro com a direção instável, enquanto a mulher falava ao telefone com alguém, um médico ao que parecia, e dava as direções a ele. O menino quase sofreu um acidente dirigindo a mais de 100 km por hora numa pista molhada e estreita e sem experiência. Quando chegou às portas da casa, não acreditou que aquela residência fosse de seu professor. Como ele podia ter uma casa de rico?

            A mulher imediatamente tirou o lobo do carro e pediu ao garoto que abrisse a porta, novamente entregando-o as chaves. Ele teve de tentar três vezes encaixar as chaves na fechadura, tremendo nervoso, até finalmente conseguir.

            Ária correu até o sofá da sala de estar, a sala de entrada da casa, e pôs o lobo ferido no sofá.

— Pegue aquelas cortinas, rápido! –ela ordenou a Silas, apontando para as cortinas da janela-

— Pra quê?

— Pegue!

— T-tá bom! –ele puxou com força as cortinas, entregando à mulher-

            Ela enrolou o lobo nas cortinas, com cuidado. Silas assistiu à cena, e os olhos dele foram se abrindo cada vez mais em surpresa quando o lobo foi tomando forma humana.

“Espera, então as cortinas era, para- Ah! Cara-!”

            A mulher fez mais uma ligação no celular:

— Illiel! O que eu faço? Ele retornou à forma humana! –ela perguntava andando de um lado a outro-

[Tenha calma, eu já estou chegando aí! Tente parar o sangramento, e verifique a temperatura do corpo dele, não deixe que fique com muito frio!]

— Entendi,  -ela lançou um olhar para Silas novamente- Fique aqui garoto, vou precisar pegar algumas coisas...

            Ela correu escadaria acima, sumindo da vista do garoto, e ele ficou ali, estático olhando o corpo imóvel do professor no sofá.

“Eu não consegui nem reagir... Não teria força nem pra carregá-lo também, eu acho... Pra que eu fui descobrir o segredo do professor? Se era pra ficar o tempo todo só vendo as coisas acontecerem sem poder fazer nada, seria melhor se eu tivesse continuado minha vida como um humano normal...”

“Eu quero poder fazer alguma coisa, não quero ser um inútil! Eu preciso fazer algo, pra ajudar! Não suporto ficar vendo tudo passar diante dos meus olhos e não alcançar nada! Eu quero ficar mais forte! Não quero ser sempre o mesmo garoto que só consegue ficar parado porque não tem poder para fazer nada!”

            A expressão do garoto de cenho franzido era uma miscelânea de frustração, tristeza e determinação. Sua concentração foi rompida com o barulho dos passos apressados de Ária, ela trouxe uma maleta de instrumentos médicos e cobertores.

            Não tardou muito até alguém tocar a campainha viciosamente. Silas correu para atender, era um homem, o Doutor Illiel. Ele foi até Isshvan imediatamente, e começou a tratar dos ferimentos.

— Vou ter que fazer uma cirurgia para remover as balas, ou o que sobrou delas, -olhava o tronco do lobisomem-

— Ah- -Silas sentiu-se enjoado, não se dava bem com sangue-

 – Tudo bem, o que eu posso fazer? –Ária encarou o médico com um olhar de súplica-

— Será minha assistente, agora escute atentamente ao que eu lhe pedir...

            Depois disso, o médico passou a noite extraindo as balas de prata, e injetando medicamentos. Leonhard Graham tinha um físico definido, músculos nos braços e no tronco, mas eles não eram vistos normalmente por causa das roupas compostas que o professor sempre usava.

Silas assistiu a todo o procedimento, de estômago embrulhado, sem piscar os olhos. Passaram a noite ali.

— Eu fiz o que pude, agora devemos levá-lo para uma cama, ele precisa de repouso absoluto, é um milagre que ainda esteja vivo, mas as condições podem piorar se não tivermos cuidado!

— Por favor, Illiel, fique aqui, tem muitos quartos, você pode cuidar dele melhor assim... –Ária implorava-

— Eu entendo sua preocupação, é claro que eu não deixaria meu amigo aqui na mão, farei o possível para dar a ele o melhor tratamento possível.

            O doutor e Ária transferiram o corpo do professor até o quarto, depois o doutor saiu e buscou alguns pertences em casa, e voltou para se instalar na luxuosa casa.

. . .

— O Illiel saiu para atender um paciente hoje, mas ele disse para chamá-lo assim que você acordasse... –a noiva sorriu- E você acordou...

— Ah... –ele suspirou fechando os olhos- Quanto tempo vai levar para que eu me recupere completamente?

— Illiel disse que levaria cerca de um mês, enquanto isso, terá de ficar fora de suas atividades como professor...

—... Ser atingido pelo Silver assim... Que patético... –ele disse indignado consigo mesmo-

— Não diga isso, você nunca gostou de recorrer à sua transformação completa, além disso, numa lua nova, não seria tão forte... 

Ele fez uma expressão emburrada para a mulher como se estivesse irritado com a tentativa dela de amenizar a situação.

— Não faça essa cara, -ela riu- Você foi capaz de fugir dele por anos, não foi? Só aconteceu que desta vez ele te feriu quando você estava em dias ruins... Além disso... –ela fez uma expressão séria- Tem definitivamente algo de errado com Silver... Ele...

— Olha só! –uma voz masculina distraiu a mulher- Nunca pensei que veria o professor conversando tão normalmente com a Senhorita Ària, normalmente ele só fica brigando com ela né? –Silas quem fez o infeliz comentário-

— Sil! –Karen, que estava ao lado do garoto, o beliscou pela inconveniência do comentário-

— Ai! –massageou o lugar do beliscão-

— Não se importe com ele, Sr. Graham, ele pode parecer insensível, mas quase chorou enquanto você estava desacordado.

— Karen! –ele resmungou com a garota, por tê-lo deixado constrangido-

— Viu? –a noiva do professor sorriu- Essas crianças te amam de verdade, Isshvan. Sinto que mesmo quando eu for embora, você não vai sentir minha falta, já que tem crianças tão amáveis ao seu lado...   –ela ruboresceu-

— Você é muito dramática... –ele respirou fundo-

            A mulher deu uma risadinha, e se levantou do chão, olhando para os alunos do professor que novamente discutiam.

— Crianças, podem conversar com o professor de vocês, só não o façam falar muito. Eu vou chamar o médico agora. -ela saiu do quarto, saltitante-

— Que bom que a Senhorita Ária se animou –Karen comentou, sorridente-

— É, ela parecia uma barata tonta, andando de um lado a outro da casa, chorando por os cantos porque pensou que você ia morrer...–Silas suspirou como se lembrasse das cenas que mencionava-

— Ficamos felizes que tenha acordado, o doutor disse que vai demorar mais que o normal, mas você será capaz de se recuperar, Senhor Graham...

            A garota deu um sorriso gentil, que pareceu iluminar o rosto dela. O professor só encarou por algum tempo, sem dizer nada. Mas pela expressão que ele fazia algo parecia ter sido tocado dentro dele.

—... A propósito... –o professor disse encarando os dois estudantes- Que dia é hoje...?

— Hã?-Silas piscou, sem entender o propósito da pergunta-

— É quarta-feira... –Karen respondeu- Por que a pergunta professor Graham?

—... Isso não significa... –ele encarou os dois jovens com um olhar rígido- Que vocês estão matando aula?

— Ah - o garoto recuou um passo-

— Bem, nós viemos aqui para-

            A garota tentou amenizar o olhar que o professor lhes lançava, gesticulando nervosa e tentando se explicar.

—... Vocês não deveriam faltar aula... –ele voltou à expressão fria habitual-

“Ah- Ele entrou mesmo no disfarce de professor! Ele tem que ser assim áspero até quando não estamos na escola... Pelo menos ele está voltando ao normal, isso é bom...”

            Silas suspirou enquanto ele e sua companheira ouviam o professor lhes dar uma bronca sobre faltar às aulas...

. . .

Distante daquele lar,

Numa cafeteria...

. . .

            A parte frontal da cafeteria era toda de vidro, de forma que se podia ver quem estava do lado de dentro, as mesinhas de madeira escura e as cadeiras, bem como o singelo balcão de mogno, onde os atendentes ficavam; do lado de fora, um toldo branco listrado de vermelho, e algumas mesinhas de madeira pintadas de branco ficavam ali, debaixo do grande toldo, ao lado das mesas alguns vasos de plantas e uma grade pequena branca, enfeitando e delimitando a calçada da cafeteria.

            O cheiro agradável de café forte vinha de dentro do local, e havia belos doces que faziam as pessoas salivarem. Numa das mesas banhadas ao sol, no lado externo da cafeteria estava sentado Raphiel.

            O vampiro usava roupas sociais, elegante como sempre. Poderia muito bem ser confundido com algum empresário que estivesse passando no local para tomar café da manhã antes de ir ao trabalho.  Chamava atenção de algumas garçonetes e mulheres que passavam por perto, pela sua beleza. Ele fazia uma expressão de desagrado enquanto olhava as pessoas passarem na rua.

            Ouviu o barulho de alguém puxando uma das cadeiras da mesa na qual estava, e sentando-se. Virou-se imediatamente e viu a figura que acabara de chegar:

Silver... –disse com desgosto-

— Bom dia, meu caro. –o caçador sorriu, num tom zombeteiro-

— É bom que tenha uma boa história para contar, me fazendo sair de manha, tão cedo, à luz do sol... –o homem de cabelos castanhos estreitou os olhos, pondo a mão na frente de um feixe de luz do sol que teimava em atingir seu rosto-

— Acredite, se não fosse eu não teria nem me incomodado em avisá-lo... –disse tomando uma postura mais séria-

— Isso significa que falhou em sua caçada?

—... Sim, por pouco... Mas foi uma falha... –suspirou pesadamente-

—Humpft... –o vampiro grunhiu com desprezo-

— Vim aqui apenas esclarecer os motivos, que devem lhe interessar também...  

O vampiro simplesmente estreitou os olhos, cruzando os braços em desgosto.

— Como já sabe, Isshvan não está aqui sozinho, ao que parece a noiva dele está por perto, ela me impediu de matá-lo...

—  Aquela mestiça impura? –o vampiro franziu o cenho-

— Oh, estou surpreso, você a conhece? –o caçador assobiou, como elogio à sagacidade do outro-

            A conversa deles foi interrompida por uma garçonete, que apareceu para recolher os pedidos.

— O que vocês gostariam, Senhores?

Ela estava com as bochechas vermelhas, enquanto encarava Raphiel. Silver segurou o riso pela cara de desgosto que o outro fazia.

— Eu vou querer um café, senhorita. –o caçador disse educado, ainda segurando o riso-

            A mulher anotou o pedido, o vampiro, para a infelicidade da mulher, não pediu nada e expressou sua frieza. Ela foi embora desmotivada.

— Voltando ao assunto, como sabe sobre aquela mulher? – o caçador o encarou sério-

— Eu a vi muitas vezes andando com aquele lobo, com meus ‘olhos’... Não é difícil perceber quando há sangue impuro, puros-sangues tem uma aura completamente diferente...

— Então vocês conseguem notar até isso... Não é exatamente ‘fácil’, não para mim, ao menos... Mas o que importa é que ela se mostrou um obstáculo, e não é de hoje que essa garotinha atrapalha... Ela já fez isso algumas vezes, em outras perseguições que fiz à Isshvan...

— Está insinuando que terá de eliminá-la também?

— Eu preferia que não, não sou muito adepto a lutar contra mulheres, apesar de eu me irritar bastante com ela de vez em quando... –Silver deu de ombros, como se tentasse jogar a responsabilidade para o vampiro-

— Não consegue nem fazer um trabalho simples...? Que homem lamentável você é... – Raphiel levantou-se- Humpft... Parece que terei de sujar minhas mãos um pouco por causa de sua incapacidade... Eu odeio ter que sujar minhas mãos.

O caçador deu um sorriso vitorioso, e o vampiro saiu andando pelas ruas, à luz do dia, enquanto o caçador assistia, com um sorriso malévolo no rosto.  

. . .

 De volta à casa de Leonhard Graham

. . .

            Illiel, grande amigo do professor, estava já na casa, no quarto do dito cujo, pronto para trocar os curativos, inspecionar a recuperação e medicá-lo.

            Isshvan fez um esforço para sentar-se na cama, grunhiu de dor quando se movimentou, seu corpo estava pesado e se recusava a mover do modo como ele queria. Conseguiu sentar-se na cama, com dificuldade.

— O que eu disse sobre fazer força? –o médico repreendeu-

— Eu sei... –respondeu o professor, afetado pela dor-

— Agora, vamos tirar essas ataduras... Mas antes, crianças deveriam ir para casa... -Illiel sorriu para os dois estudantes que assistiam à cena-

— M-mas... –Silas tentou contestar, mas Ária tocou no ombro do garoto e de Karen e os empurrou levemente para fora-

— Vamos, vamos crianças. Não é uma cena para vocês assistirem além disso o professor de vocês ficará em apuros se seus pais souberem que cabularam aula só pra vê-lo... –a mulher dizia num tom melodioso e sorridente-

            Ela expulsou os dois adolescentes do quarto, e os guiou até a porta da frente da casa, mandando-os embora dali. Depois que eles tinha ido, ela voltou correndo para o quarto do noivo.

            Isshvan observou quando o médico retirou as ataduras, os lugares onde ele havia sido atingido por as balas ainda não estavam curados, e a podia-se ver algumas veias verdes e azuladas, saindo dos ferimentos e se propagando pelo tronco e ombro sob da pele pálida.

— Isso é por causa da prata? –o lobo perguntou, tocando com certa repulsa na própria pele-

— Sim, pode ter certeza, e as dores também. O remédio que eu vou te dar vai arder um pouco, mas vai tirar a prata do seu sangue em alguns dias mais... –o doutor preparou uma injeção, e aplicou no braço do homem doente-

            Ele fez uma careta, pela dor, mas logo se recompôs.

— Ora, você parece até uma criança, Isshvan! –o médico riu- Vamos terminar de te enfaixar...

            O doutor eficientemente cuidou do paciente. Apesar de não estar habituado a receber cuidados e estar numa situação tão complicada, ele manteve-se calmo.

— Agora, me escute desta vez, seja um bom garoto e descanse. Tudo bem? –o médico o encarou, ate receber uma resposta sólida-

— Eu entendi... –o professor suspirou-

— Boa sorte! Tenho certeza de que não se sentirá sozinho com uma enfermeira tão linda quanto a Ária!

            Illiel deu um sorrisinho e se despediu do amigo e da noiva do amigo, marcando já a próxima visita, ainda na mesma semana para checar as condições de Isshvan. A noiva sentou-se novamente no chão, ao lado da cama.

— Até quando você vai ficar aqui? Não vai dormir também, Ária?-o professor olhou para a mulher que parecia animada ao seu lado- Me disseram que você não esteve dormindo propriamente...

 – Ah! –ela abismou-se- Quem lhe disse isso?!

— Não importa, se você continuar perdendo sono, vai acabar com o rosto todo enrugado... –disse virando o rosto-

— Que cruel! Não diga isso, Isshvan!

Eu vou ficar bem, não precisa ficar aqui o tempo todo... –o homem disse sério-

— Não... –uma expressão de tristeza surgiu na face da mulher-  

—...

— Eu não quero perder alguém importante de novo...

            Ela segurou com as duas mãos, a mão do noivo. Ele virou o rosto para fitá-la, com uma expressão angustiada. 

            Ele começou a sentir-se sonolento, os remédios que Illiel o dera estavam começando a fazer efeito, ao menos nãos sentia tanta dor, por causa dos analgésicos. Ele fechou os olhos novamente, e dormiu.

. . .

As memórias dele apareceram na forma de um sonho, mais uma vez,

            Isshvan, com sua aparência mais jovem, os cabelos curtos, usava roupas elegantes. Ele estava de frente a uma porta de madeira de uma casa grande de primeiro andar. Tocou a campainha.

            Estava do lado de fora da casa, era noite e o clima estava frio, as ruas molhadas, ele também estava molhado, mas a chuva já havia parado.

            Alguém veio atender à porta, era um homem, jovem também, devia ter seus trinta, no máximo, possuía cabelos castanhos escuros, com algumas mechas de cabelo caindo na metade da testa, e os demais fios penteados par trás; os olhos eram azuis, com um contorno preto; ele tinha o rosto cansado, e usava pijamas por baixo do roupão de dormir.

— Ah, Isshvan, é você... –ele sorriu ao ver o outro parado à sua porta- Só você mesmo pra vir a essa hora da madrugada...

—... Desculpe, Marcos... –disse o homem de cabelos negros, sem muita emoção-

— Ah... –Marcos fez uma expressão de surpresa ao sentir alguém puxando seu roupão- Illiel!

            O homem de cabelos castanhos abaixou-se para ficar da altura de uma criança, que havia puxado seu roupão. Era um menino loiro, de olhos azuis, coçava os olhos.

— O que foi, não consegue dormir? –ele sorriu, afagando a cabeça do menino- Espere um pouco, já coloco você na cama, papai está ocupado agora...

            Marcos levantou-se para falar com Isshvan, que pareceu surpreso ao ver o garotinho.

— A propósito, este é meu filho, Illiel, não deve lembrar, ele era só um bebê da última vez que o viu, já tem sete anos agora!–dizia orgulhoso do menino-

            O garotinho segurou no roupão do pai, estranhando a visita e o rosto inexpressivo de Isshvan.

— Me desculpe, que displicente eu sou, entre, por favor! –ele abriu a porta da casa-Está frio, pode passar a noite aqui, A Elísia não se importa...

— Não... –ele disse sério- Perdoe-me, mas não vim aqui para isso...

O outro o olhou confuso, tentando entender a situação que parecia ser mais grave do que aparentava.

— Na verdade, preciso de um favor...

— Favor? O que foi desta vez? Achou mais algum deles?  -perguntou com um sorriso-

            O sorriso do homem desapareceu e deu lugar a uma expressão preocupada, quando ele viu uma figura feminina surgir atrás de Isshvan. Era uma garota, adolescente, com os cabelos negros, longos e lisos, presos a um rabo-de-cavalo; os olhos castanho-avermelhados, com um tom de desânimo.

            Ela estava agarrada à roupa de Isshvan, e se escondia atrás dele, com certo receio. Parecia triste, e os olhos estavam fundos, como se tivesse chorado.

— Isshvan...?-Marcos demonstrou-se perplexo, encarando o amigo-

— Preciso que tome conta dela por algum tempo, até tudo se estabilizar... Alguns meses bastam, depois eu a levarei para minha casa... –ele explicou sem dar importância aos detalhes-

— C-como assim quer que eu abrigue uma garota? –ele quase engasgou-se com a própria saliva-  Espere... Isshvan... –ele abaixou-se e tapou os ouvidos do filho- O que você fez com essa garota? Não andou desvirtuando a filha de ninguém, andou? –arqueou o cenho, preocupado, levantando-se-

—... Não... –respondeu seco- É uma história complicada... Eu lhe contarei depois, mas por agora...

— Isso não é do seu feitio... Quem é ela afinal? –ele inclinou o corpo para ver a garota, que afundou ainda mais a cabeça nas costas de Isshvan-

— Não precisa ter medo... –o homem de cabelos negros puxou suavemente a mulher a pôs em frente a Marcos- Quero que a conheça, Marcos, esta é Ária...

— Ária...?

— Prazer em conhecê-lo... –a jovem disse ainda envergonhada-

— Ela é minha noiva... –Isshvan disse sério-

— N-noiva? –o amigo se surpreendeu-

— Sim...

. . .

            O professor acordou daquele sonho de lembranças. Estava tonto, os remédios ainda faziam efeito, dopando-o...

“Será que Illiel conseguiu fazer remédios tão bons assim, sozinho? Falando nele... naquela época ele ainda era uma criança... Há 50 anos...”

            Ele olhou em volta, ainda atordoado, parou seus olhos do seu lado direito. Ária ainda estava lá, no chão, dormindo com a cabeça apoiada na cama, e segurava a mão dele com ambas as mãos.

— Ária... –o olhar frio dele derreteu-

“Está tudo bem agora... Não precisa ter medo... Aquilo não vai mais acontecer...”

            Ele cuidadosamente livrou sua mão das mãos dela e roçou a ponta dos dedos pelo rosto dela.

Não precisa mais ter medo, Ária...”

            E repetindo aquelas palavras mentalmente, para si, ele ficou ali mais tempo, fitando mulher adormecida, até cair no sono novamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Aquele Professor É Um Lobisomem" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.