Laya despertou com a televisão desligada.

Era de se esperar que estivesse mesmo assim. Tio Simon jamais deixaria a TV ligada sabendo do preço alto que teria que pagar. 

Olhou em volta. A fumaça do prato de macarronada dela ainda estava lá. Ela saiu do sofá cambaleando, se apoiando nas paredes da casa e seguiu até a cozinha.

-Tio Simon?- perguntou mas não teve resposta.

Não se desesperou de início. Começou a procurá-lo em todos os cantos da casa pequena, mas não achou nenhum sinal de Tio Simon. Mesmo assim não se desesperou afinal, Tio Simon poderia estar cuidando dos animais.

Não teve vontade de procurá-lo tanto. Começou a enrolar o macarrão no garfo e comeu à vontade. Não se preocupava se alguma coisa...

Uma luz parecia ter se acendido em cima de sua cabeça. Ela olhou desesperadamente em volta, achando um cartão rosa em cima da cômoda.

"Querida Laya,

Criança, não se desespere. Eu... vou ficar bem. O que você viu de manhã era um cristal antigo, do qual ninguém jamais deveria achar.

Eu finalmente compreendi o porquê. Me desculpe abandoná-la assim tão de repente. Me desculpe, de verdade.

Ás vezes não lembro de você. Não me lembro nem de mim mesmo. 

Eu gostaria de poder ficar. Gostaria de te proteger. Mas tudo o que eu fiz para a sua sobrevivência foi o possível, foi o que eu podia.

Eu quero te salvar, mas quem vai ME salvar? Você é a garota mais inteligente e de rápido aprendizado que conheci em toda a minha vida.

Não, vão fui pego pelos guardas. A fazenda é um campo protegido e ninguém jamais vai ter acesso como você. Cuide dos animais por mim.

Não sou eu, é o cristal. Eu não me lembro do que eu te disse. Apenas fique bem.

Lamento não ter me despedido antes, mas seria muito mais complicado. Não sou muito bom em  despedidas. 

Eu gostaria de poder fazer mais. Eu gostaria de te proteger e creio que estou. Mas quem vai me proteger?

Adeus, Simon...

Laya se deixou cair na cadeira onde estava. As mãos trêmulas estavam fazendo certo esforço para não deixar cair a carta de Simon. Lágrimas em seus olhos transbordavam. Laya não sabia o que estava sendo pior.

Há quatro anos havia perdido os pais. Agora, havia perdido Simon por uma coisa que nem ela própria havia entendido. Proteger? Quem vai protegê-lo, salvá-lo? 

Ela não sabia onde ele estava ou o que havia de tão ruim naquele cristal. Mas seria tão ruim a ponto de obrigar Simon a deixá-la? Ainda mais para protegê-la?

Com quem contaria agora naquele momento? Esqueceu-se da sopa. A notícia do abandono mais recente fez o coração de Laya dar um salto, voltando com frieza. Agora só lhe restava os animais.

Ela nunca deveria ter sido jogada daquele carro. Deveria estar com os pais- morta, mas com eles-, pelo menos estaria melhor.