Almost Human escrita por MsNise


Capítulo 24
Explicando


Notas iniciais do capítulo

Olá! Bom, tá aí o novo capítulo. Enfim, espero que vocês gostem de lê-lo - pra mim, foi realmente ótimo escrevê-lo. Um agradecimento especial à MsAbel que revisou pra mim e obrigada a todos que leem a minha história e me acompanham s2 até lá embaixo s2



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Estava inteiramente pasmado e entorpecido. Mas queria a verdade. Carecia dela. Portanto, puxei a porta em um solavanco e comecei a andar apressado, atropelando tudo o que aparecia na minha frente. Ameacei começar a correr, mas não o fiz. Porque, apesar de tudo, eu deveria ser justo com Kyle.

Encontrei-o em um corredor qualquer, conversando com Aaron e Brandt tranquilamente, sem nenhum vestígio daquela raiva e daquela negação que ele sentia por mim.

No momento em que passei ao lado deles, agarrei o braço de Kyle e o reboquei comigo sem nenhuma olhadela para trás. Ele ameaçou me bater e até levantou a mão contra mim, mas eu dava a impressão de tão obstinado – meus olhos ardiam de determinação – que ele recuou.

– Ian, o que está acontecendo? – ele parecia confuso, olhando-me como se eu houvesse enlouquecido. - Onde está me levando? – ele perguntou, mas continuou acompanhando meus passos. Não o respondi.

Continuei seguindo meu rumo, virando em alguns corredores e andando reto em outros. Tinha o meu objetivo traçado, pronto para ser cumprido. Já tinha o lugar onde eu queria ir. Tinha certeza de que Susan estava no quarto dela. Certeza absoluta.

Então foi para lá que eu fui. Foi para lá que eu arrastei Kyle.

Irrompi pela porta, derrubando a madeira no chão e fazendo a poeira púrpura se levantar e preencherminha visão. Mas antes disso vi o que precisava. Ela estava lá. Estava sentada encolhida em seu colchão e chorava. Chorava copiosamente. Olhava-me com medo. Temia minha reação. Entretanto, não me comovi. Não senti nada. Estava completamenteinativo.

– Susan? O que estamos fazendo no quarto de Susan? – Kyle perguntou, franzindo o cenho de curiosidade e de confusão.

– Coloque a porta no lugar – mandei rispidamente, soltando seu braço em um movimento brusco.

Surpreso com a minha ira, ele me obedeceurecolocando a porta de madeira no lugar. Eu não queria que ninguém escutasse o que aconteceria aqui dentro.

– Gente, pelo amor de Deus, o que está acontecendo aqui? – Kyle nos perguntou com uma voz alta e meio revoltada.

Encarei Susan. Ela manteve meu olhar, mas não parou de chorar. Os espasmos sacudiam seu corpo de tempos em tempos. Suas lágrimas trouxeram lágrimas aos meus olhos. Mais uma vez eu me lembrei de nossa mãe. E eu não queria lembrar-me dela.

Senti a raiva. A raiva forte e sólida me dominando. Ela tomou seu lugar de maneira lenta e dolorida, era gelada e dura, transformava-me em uma pedra de gelo ambulante. Fazendo minha vida virar novamente de ponta cabeça. Minha voz, quando saísse, sairia em forma de gritos descontrolados. Desesperados.

A dor não me ajudava na questão da coerência. Sim, eu sentia a dor. A dor da traição. Da mentira. A dor do segredo. Eu a sentia me dominando, pouco a pouco, membro a membro. A dor era mais dolorida do que eu conseguia me lembrar.

E então veio outra vez. A ira. Um misto de sentimentos. Lágrimas inundaram meus olhos. Eu não conseguia enxergar. Eu gritaria. Eu estava prestes a fazê-lo. Eu não conseguiria aguentar. Não mais.

Diga alguma coisa! – berrei, cheio de ódio. Meus olhos borbulhavam. Tudo dentro de mim esquentava ao ponto de borbulhar. Susan se encolheu e Kyle recuou. – Diga a porcaria de alguma coisa! Diga que é mentira! Explique-me a sua história toda! Começo, meio e fim. AGORA!

Eu não controlava mais nada. Nem a minha voz, nem a minha atitude. Temi a mim mesmo. E os outros também temeram. O choro de Susan se intensificou, rasgando parte por parte de minha alma. Dilacerando-me. Kyle estava assustado. Queria me conter, mas tinha medo. Kyle estava com medo de mim. Em que monstro eu havia me tornado?

– Ian, por que você me trouxe aqui...? – Kyle iniciou temeroso, falando com cautela demasiada.

Não o deixei concluir. Nem sequer sei se ele concluiria. Provavelmente não. Mas eu o interrompi. Interrompi-o de maneira brusca e definitiva. Eu soube que ele não falaria mais nada depois disso.

– Por quê? Por quê?! – escarneci, soltando um riso ácido. – Porque eu descobri que nós temos uma irmã – eu falava como se estivesse rindo, com a voz cheia de sarcasmo. Abri meus braços em um gesto receptivo. – Descobri, depois de quinze anos, que nós temos uma irmãzinha mais nova. Isso não é incrível?!

Ele se assustou. Pelo meu tom e pela minha fala. Seus olhos se arregalaram e começaram a passear entre Susan e a pessoa que eu havia me tornado. Assenti com um sorriso carregado de ironia.

Chega, Ian! Pare! – gritou Susan, finalmente. – Pare de agir como se eu fosse a pior coisa de sua vida! – ela se levantou em meio a tropeços e veio se postar na minha frente.

E não é?! – berrei em sua cara. – Não foi você quem pôs tudo o que eu acreditava no chão? Não foi você quem virou meu mundo todo de cabeça para baixo? Por que não assume?!

Porque eu não sou você – ela gritou mais alta e desesperadamente. – Porque eu não acredito que a culpa de tudo sempre seja minha!

– Mas é, não é?! – Eu estava extrapolando todos os limites. Estava ofendendo. Machucando. Estava me vingando.

NÃO! Não é! A culpa não é de ninguém! – estávamos próximos. Nossas respirações pesadas se confundiam se tornando uma só. Nossos olhos azuis se encaravam cheios de ódio. Cheios de dor. Ambos estavam cheios de água salgada. De água ácida. Que ardia. Que queimava. Que machucava.

Então me explique por que não! Porque, até agora, eu não entendi nada. Tudo o que eu acreditava se tornou uma mentira. Por que ninguém é culpado, afinal?! – eu não pararia de gritar. Não conseguia me conter. Por que diabos ela mentiu para mim por todo esse tempo?

Porque sua mãe, nossa mãe, apenas o abandonou porque traiu seu pai. E ninguém é culpado por isso!

Calei-me. Foi apenas um segundo perceptível, mas eu emudeci; Susi tirou as palavras de minha boca. Com força, peguei em seus ombros e a aproximei de mim, como se eu fosse cumprimentá-la com um abraço. Entretanto, todos os presentes sabiam que o meu objetivo não era esse.

Ela aparentava apavoramento pela minha ira. Encolheu seus braços em sua frente e se afastou o quanto conseguia de mim. Estreitei meus olhos e finalmente deixei o choro tomar seu lugar em mim – ele estava sendo reprimido, mas eu não conseguia suportá-lo queimando a minha garganta.

– O que disse? – questionei em um sussurro, aproximando nossos rostos novamente. – O que aquela...

Ela sustentou o meu olhar. Esquadrinhou cada detalhe de meu rosto abatido e raivoso, mas não ousou se afastar mais uma vez. Apenas continuou parada. Seus olhos não solicitavam liberdade, não solicitavam nada; aceitavam o castigo. Deixei minhas mãos fazerem o caminho do seu ombro até seu pulso e a puxei para um pouco mais perto de mim, agora com o toque mais suave. Ela finalmente começou a falar com a voz ainda embargada:

– Vocês sabem como era o pai de vocês – ela se dirigiu a mim e a Kyle, que permanecia esquecido em um canto qualquer, tentando digerir tudo o que tinha ouvido. Contudo, ela olhava somente para mim. Encarava-me. – Minha mãe, ou melhor, nossa mãe, não gostava dele. Abominava suas atitudes e sua vida. Não se importava com seus sentimentos. Pensava somente em vocês dois. Mas um dia ela cedeu. Rendeu-se aos encantamentos de outro homem. Não considerava traição, mas engravidou tempos depois. Esse homem era casado e já tinha filhos, portanto não a aceitou. Ela teve que aguentar, e de fato aguentou, por meses, sabendo que carregava uma vida consigo – eu estava demasiadamente chocado e sem reação, porém ela não pretendia parar nem por um segundo. Queria revelar toda a verdade em uma única vez, livrando-se do peso finalmente. Ela continuou em palavras ora atropeladas ora abusivamente lentas. - Começou a usar roupas diferentes, mais largas, para esconder a barriga. E conseguiu, por um bom tempo. Mas ela se viu encurralada. Estava quase aparecendo. Faltava pouquíssimo, muito pouco, então ela se preparou. Arrumou suas malas e, quando estava prestes a arrumar a de vocês, se tocou que vocês não teriam uma vida. Viveriam mendigando com ela. Ela os amava demais para ser capaz de deixá-los nessas condições. Portanto, em uma noite, partiu sozinha. Bom, comigo também, mas eu ainda estava dentro dela. Tinha em sua mente o plano de voltar para resgatá-los, quando achasse condições melhores. Mas, não muito tempo depois, apareceram os alienígenas. E ela ficou com medo de que vocês tivessem sido dominados, por isso não voltou para buscá-los. Vivemos perigosamente por anos, pulando de esconderijo em esconderijo. Quando você me resgatou, Ian, fazia apenas um mês que ela havia desaparecido. Ela gritava para eu partir. Não sabia o que fazer. Então, eu simplesmente fui... Sem saber que na verdade eu não queria aquilo.

O silêncio se abateu no local. Eu não pronunciei nenhuma palavra, nem Susan e muito menos Kyle. Tentei encontrar algo bom nessa revelação, mas nada achei. Era impossível acreditar que a culpa não me pertencesse mais. Senti-me quase vazio com a ausência dela.

Deixei que minhas mãos abandonassem os pulsos de Susan e recuei um passo, depois outro, em um torpor profundo e sem fim.

Eu era a culpa e agora ela não era mais minha. Como dar adeus a algo ruim, mas que te transformava no seu eu verdadeiro? Estava entorpecido, não tinha ânimo para gritar nem para sair correndo. Queria cair de joelhos ali mesmo.

– Eu... não consigo acreditar em nenhuma palavra aqui proferida – murmurou Kyle.

– Tudo é verdade – confirmei e em minha voz havia convicção. Pois, apesar de não querer aceitar, eu sabia que era a verdade.

– Por que você acredita nela, Ian? – a voz dele estava embargada, diferente de tudo o que eu havia ouvido. Ele também não queria aceitar.

Fechei meus olhos.

– Olhe para ela, Kyle. Veja seus olhos e suas atitudes. Constate por si mesmo que ela é nossa irmã mais nova.

Ele emudeceu. Abri meus olhos novamente e a primeira coisa que eu vi foram duas bolas azuis com os mesmos sentimentos que minha mãe carregava consigo. Deixei-me afundar nesse céu azul e voei sobre ele, reconhecendo todos os sentimentos nele contidos. Abandonei meu corpo por alguns suficientes segundos para conseguir compreender a complexidade de tudo isso.

Como seria viver sem a culpa? Será que eu conseguiria me aceitar da maneira como eu sou noprincípio? Será que eu voltaria a ser aquele que eu sempre fui, mas que abandonei em alguma parte do caminho? Será que teria alguma mão para segurar a minha quando eu quisesse me renegar novamente?

Conseguiria sentir a felicidade em sua forma mais pura e perfeita de ser? Entraria em uma nova realidade? Esses questionamentos ainda existiriam?

Completarei a parte que está faltando de outra nova realidade, deixando toda a escuridão para trás? Obterei a luz e consistirei em ser iluminado por ela? Localizarei uma nova vida me aguardando no meu íntimo mais profundo?

Alcançarei a felicidade, porque a culpa já não fará mais parte de mim?

– Eu acho que... eu preciso pensar – dito isso Kyle deixou o quarto cambaleante, ainda tentando entender.

Mas eu já havia entendido perfeitamente bem.

Susi sentou-se na beirada do colchão com movimentos medidos, sem desviar seus olhos dos meus. Estendeu sua mão pesarosa aceitando de antemão a negação, mas para sua surpresa eu aceitei a oferta e mantive sua mão segura na minha. Ela sorriu fracamente para mim, mas não fui capaz de corresponder.

– Eu não sou o culpado – afirmei mais para mim mesmo do que para ela. Tentava me convencer.

– Não foi, não é e nunca será.

– Alguém é?

– Não. Pois pense comigo, nossa mãe estava tentando apenas encontrar algo que preenchesse o vazio dentro de seu peito. Ela estava à procura de uma razão para viver.

– E ela achou – sussurrei encarando o chão. – Você era a sua nova razão de viver.

– Você e Kyle também eram.

– Sim, eu sei.

Ela esperou por um momento ainda segurando em minha mão. Sustentou meu olhar com uma expressão séria e pensativa.

– Você não a culpa, não é?

– Não – a verdade de minhas palavras me assustou. Acreditava realmente no que havia proferido.

– Você está livre, Ian, vá viver a sua vida de liberdade – ela me lançou o sorriso mais triste que eu já havia visto; porque apesar de estar livre, a minha liberdade não a incluía. Ela sabia que eu a excluiria por pelo menos um tempo. Lágrimas brotaram outra vez em seus olhos.

Ela estava assustadoramente certa. A razão a pertencia. Soltei sua mão lentamente, com movimentos calculados. E então parti sem olhá-la.

Apesar de tudo, eu ainda estava profundamente magoado por ela não ter me libertado antes. Eu era seu escravo porque ela tinha a verdade em suas mãos o tempo todo e a guardou para si em uma atitude egoísta.

Em silêncio, andei pelos corredores da caverna. E comecei a viver essa nova etapa de minha vida com uma única certeza: eu não sou o culpado.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Deixem reviews me dizendo essas coisas, é muito importante pra mim! Enfim, espero que vocês tenham gostado e essas coisas. Até o próximo capítulo s2s2



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