O Trauma De Ron escrita por Katerina_


Capítulo 12
Julgamento




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/360403/chapter/12

— Eles não podem julgar sem a presença do Ron, se ele é o acusado! – protestou a Sra Weasley. Toda a família se reunira na Toca quando saiu à notícia. Tinham acabado de jantar.

— Na verdade não há nada na lei sobre isso. Mas há jurisprudência. Um fantasma foi julgado pelo assassinato da esposa, em 1634, na Irlanda do Norte. Não conseguiram achá-lo para comparecer ao tribunal, e ele foi condenado mesmo assim – contou Percy.

— Certamente não à morte – zombou George, mas ninguém riu.

— Ron não é um fantasma – protestou Hermione, sentindo o estomago embrulhar só de imaginar isso.

— Nós sabemos – disse Petter Sommerville. Ele também estava ali, já que trabalhava nesse caso. – Mas para o Ministério ele poderia bem ser – Hermione levantou-se então, sob os olhos de todos, e entrou apressada em casa. A Sra Weasley levantou e foi atrás.

— Você vai pegar o caso, Percy? – perguntou o Sr Weasley, sério.

— Se não sirvo para defender meu irmão, é melhor eu me aposentar – este confirmou. – Mas não vai ser fácil. Meu melhor trunfo é Hermione. Se bem que isso é como uma faca de dois gumes, a mulher dele ser nascida trouxa. Bem, juro que darei meu melhor.

Hermione saiu do banheiro pálida e deu de cara com a Sra Weasley.

— Está tudo bem, querida? – essa perguntou, preocupada.

— Sim. Eu só fiquei abalada com essa história de julgamento. Passei mal.

— Será que a comida foi muito forte? – a Sra Weasley tinha preparado feijão com chilli. Não era brincadeira.

— Talvez. Porque na verdade eu não tinha comido nada antes por umas doze horas. Estive interrogando o Datwillis. Pode ter sido isso.

— É, deve ser... – a Sra Weasley abraçou a nora e levou-a para o quintal. Estava pensando em algumas coisas... mas era muito difícil. Tudo era muito difícil. Inclusive convencer Ron a não se entregar de uma vez. Hermione escreveu dizendo que, mesmo que ele fosse ao julgamento, devia encontrá-la antes em casa de Ammy. Então ele dirigiu-se para lá, onde estavam Hermione, George, Ammy e Harry. Gina não iria ao julgamento porque Leonard estava com eles ainda, e ela precisava cuidar dos meninos e de si mesma, pois estava grávida de três meses. Hermione deixara Rose com sua mãe, para não sobrecarregar Gina e, impaciente, esperava Ron na copa de Ammy. Esta tinha até dificuldade de andar – nove meses e a barriga tinha quintuplicado de tamanho no último mês, acalmando o medo da Sra Weasley de que seu neto nascesse mirrado. A captura programada não fora cancelada, mas seria realizada por Petter, Neville, Dino e Luna. Uma preocupação a mais na cabeça de Hermione, que ela fora obrigada a colocar em segundo lugar por causa das circunstâncias mais urgentes.

— Querido! – exclamou Hermione, pulando no pescoço do rapaz quando ele aparatou na cozinha, em cima das Gemialidades Weasley. Ele amparou-a com um braço, olhando distraído para os outros atrás dela. Abraçou Harry e o irmão e beijou o rosto de Ammy.

— Vocês não teriam uns sanduíches ou coisa assim? Hoje não tive oportunidade de procurar comida – ele pediu, rouco. – A menos que não tenhamos tempo.

George logo lhe apresentou um prato com o que ele pedira. O quarto de hora seguinte foi tomado pelo silêncio. O próprio George quebrou-o.

— Afinal, Ron vai ou não vai aparecer no julgamento?

— Pensei que isso era questão resolvida, que estávamos aqui para decidir como eu vou – Ron falou.

— Percy diz que não é uma boa idéia – falou Harry.

— O tal fantasma não foi condenado? – Ammya questionou.

— Mas se pegarem Ron, vão mantê-lo sob custódia para extrair uma confissão – Hermione disse. Ela estava encostada na janela.

— Tanto melhor. Se me derem Veritasserum vão saber a verdade, e a verdade é que eu sou inocente – Ron teimou.

— Não estamos falando de Veritasserum, Ron, nem de interrogatórios simples. Eles podem fazer você confessar que é azul, com os métodos certos – George contradisse, gravemente.

— Mas as coisas não estão mais tão ruins para o Ron como no começo. As reportagens no Pasquim ajudaram muito – Harry ponderou. – Nesse caso, mostrar que não teme a justiça seria o mais sábio.

O argumento era correto e Hermione concordava, mas não estava sentindo segurança nesse procedimento.

— Você está certo, Harry. Mas não é uma coisa que podemos arriscar.

— Será que estamos arriscando tanto assim? – questionou Ron, erguendo-se.

— Uns quinze anos em Azkaban, no mínimo – murmurou Ammy.

Eles ficaram quietos. Não se podia decidir com certeza o que era melhor. Só que Ron já estava decidido: iria. Hermione, porém, era favorável ao contrário.

— Temos vinte minutos para estar lá – disse George, olhando o relógio.

— Vamos, então – disse Ron, arrumando a roupa e adiantando-se para a porta, com George e Harry fazendo o mesmo. Hermione, contudo, interpôs-se na frente deles, séria.

— Não, Ron, não vá – pediu.

— Hermione! Eu só quero ficar livre disso de uma vez, pra poder viver em paz com você e com a Rosie! – ele retrucou, pasmo com a oposição dela.

— Eu sei! Mas é arriscado demais. Você não pode, Ron.

— Sai da minha frente, Hermione. Por favor – ele pediu, sério, levantando a mão para empurrá-la para o lado.

— Sinto muito – ela soluçou, estuporando-o. Os outros olhavam para ela, pasmos. Hermione guardou a varinha, olhando para Ron.

— Hermione! Se Ron não aparecer no julgamento vai ser um déficit na credibilidade dele, ainda que Percy tenha dito o contrário – Ammy exclamou.

— Ronald Weasley vai ao julgamento. Mas não ele – Hermione respondeu, inclinando-se sobre o esposo e puxando alguns fios do cabelo dele. Tinha um frasco na mão, que tirara do bolso interno do sobretudo.

— O que você...?! – exclamou George, observando com surpresa a cunhada jogar os fios de cabelo no frasco, que chiou e borbulhou.

— Não vai fazer isso, Hermione! – exclamou Ammya, nervosa.

— Eu tenho, Ammy – Hermione respondeu, pegando roupas de Ron na mochila dele e dirigindo-se ao outro cômodo. Ammy segurou o braço dela.

— Se não é seguro pra ele, por que seria pra você?

— Porque eu sou nascida trouxa. Poderia no máximo ficar presa uns dias como cúmplice. E mesmo que não fosse seguro, eu o faria. Não suportaria ver Ron sofrer mais do que já sofreu, esse julgamento seria mais um suplício... eu... – a voz de Hermione foi morrendo. Ammy soltou-a e ela entrou na sala. Vestiu as roupas de Ron e jogou uma longa capa por cima. Voltou para a cozinha.

— Vou tomar só lá. Tenho três doses; espero que não passe desse tempo. Percy vai precisar convencer o juiz a me deixar ficar tomando isso. Harry, você e Ammy levem Ron para a casa do Gui. Ele estará a salvo lá – Hermione abaixou-se junto a marido e beijou sua testa. Sentiu um enjoo ao pensar nas próximas horas. Tinha que parar de tomar aquelas poções energéticas e comer direito. – Eu e George vamos indo, encontramos vocês lá. Tudo bem?

Não, não estava. Mas eles sabiam que não adiantaria nada dizer isso. Calados, assumiram seus papéis. Hermione e George aparataram no Ministério e escaparam-se disfarçando para um banheiro masculino. Hermione entrou em um boxe e saiu de lá exatamente como Ronald. George arregalou os olhos.

— Você não sabe como isso é esquisito... – resmungou. Hermione colocou o capuz (de qualquer forma queria passar despercebida). Ela e George saíram, e dirigiram-se aos tribunais. Algumas pessoas que julgavam reconhecer Ron xingavam ou faziam careta de desprezo; mas alguns aurores ex-colegas deram tapas penalizados em seu ombro. Quando Percy os viu aproximando-se, ficou rubro.

— O que ele está fazendo aqui? – perguntou a George, andando para este, que vinha em direção a ele. – Eu não disse que não devia vir?

— Não é Ron. É Hermione – George cochichou, disfarçadamente, para Percy. Primeiramente, este não entendeu. Ficou olhando, confuso, para o irmão, até que lhe deu um estalo. Ele arregalou os olhos.

— Ela é louca?! – questionou, pasmo.

— Bom, nós já sabíamos disso. E você vai precisar arranjar uma desculpa para ela tomar a poção.

— Meu Deus, ela é maluca! Quando isso acabar... – não deu para Percy completar a ameaça. O julgamento estava começando. Ron-Hermione foi conduzido(a) ao banco dos réus e Percy, ainda furioso, aproximou-se do juiz.

— Meritíssimo, meu irmão... está com uma disfunção alimentar... muito tempo em cavernas... Ele precisa tomar continuadamente uma poção estimulante para manter-se de pé. Peço permissão para isso.

O juiz olhou-o de má vontade, mas devia uns favores a Percy.

— Seja – disse, e o Weasley fez um discreto aceno com a cabeça na direção de Hermione. O juiz indicou aos guardas que deviam devolver a garrafa ao réu. A varinha ela não ia ser tola de trazer. E o julgamento começou.

A primeira declaração coube à acusação.

— Declaro o réu, Ronald Bilius Weasley, 26 anos, culpado das seguintes acusações: de ter, num ato de sadismo antitrouxa, assassinado o menino trouxa Hugo Willowby; de ter torturado seus pais Donald John Willowby e Charlene Mary Willowby, também trouxas, até à loucura; de ter obliviado seus ex-colegas, os aurores John Paul Dawson e Emerald Alistair Travis com um feitiço mal feito que deixou sequelas, para apagar as pistas, de ter prestado falso testemunho e obstruído a justiça e de ter fugido e permanecido foragido durante os últimos meses, atrapalhando as investigações do caso. Ele é culpado, notavelmente, e merece o beijo do dementador, porque a intolerância contra os trouxas deve ser combatida com igual intolerância por parte das autoridades – o promotor, muito competente, falava com severidade. – Para evitar e inibir o surgimento de novos Voldemorts.

Uma ovação com muitos aplausos surgiu no tribunal. O juiz pediu ordem. Então foi a vez de Percy falar.

— Declaro que meu cliente é inocente de todas essas acusações, com exceção da de fuga, se é que pode ser considerado fugitivo alguém que não cometeu crime. Na minha concepção, é um termo impróprio. Meu cliente, e meu irmão, defendia-se da perseguição que o Quartel General dos Aurores, juntamente com nosso veículo principal de comunicação, o Profeta Diário, emplacou contra ele e sua família. Ronald Weasley é um rapaz nobre, honesto e corajoso, que nunca deixou de cumprir seus deveres de cidadão-bruxo do nosso país mesmo quando o Ministério o fazia – como no caso de Voldemort, citado pelo meu colega. Ele nunca mentiu em qualquer de seus depoimentos, sempre deu o melhor de si na proteção do mundo bruxo e jamais, repito, jamais teve qualquer coisa contra um trouxa. A família Weasley, a que pertencemos, sempre foi conhecidamente taxada de “traidora do sangue” por radicais partidários da “superioridade” do sangue puro, e a esposa de meu irmão, Hermione Jean Weasley, nome de solteira Hermione Jean Granger, nasceu trouxa. Declaro que não há provas para incriminar meu cliente, e nem mesmo os argumentos de que se utilizam para acusá-lo são válidos, como estou disposto a provar.

— É isso que queremos ver – resmungou o juiz, mal-humorado, em tom inaudível.

As primeiras testemunhas chamadas pela acusação foram os responsáveis pela verificação e análise do local do crime, das vítimas – o depoimento oficial dos peritos da polícia. Eles não conseguiram dizer com precisão como Ronald poderia ter cometido aqueles crimes. Só afirmaram com certeza que o sangue no sobretudo de Ron era efetivamente do garoto Willowby. Percy fez um esgar de riso ao ouvir isso. Era a prova mais idiota que já tinha visto em toda a sua carreira. Poderia ser derrubada com duas palavras. Também o tempo que passara desde o primeiro alerta de emergência e o pedido de reforços de Ron fora desfavorável para ele – era tempo suficiente para um bruxo competente como ele cometer aquele crime três vezes. Percy, porém, encontrou um ponto positivo, interrogando a mulher que recebera a mensagem de alerta.

— Sabemos que houve um alerta – disse Percy. – Mas foi um alerta do que, exatamente?

— Não foi específico – respondeu a mulher, com voz fanhosa. – Se pudéssemos saber o que os aurores vão enfrentar quando atendem uma chamada, evitaríamos muitos trotes – completou, aborrecida.

— Eu sei disso. Mas pergunto que tipo de alerta foi. Uma denúncia, detecção de objetos encantados, detecção de magia das trevas...?

— Achávamos que era um bule encantado, ou uma mangueira que mordia, qualquer coisa assim. Até o próprio Ronald disse isso no depoimento. Não levamos a sério. Tudo estava calmo.

— Mas a senhorita pode afirmar com certeza que era desse gênero a chamada?

A mulher hesitou. Respondeu a contragosto: “Não”.

— O que a senhorita estava fazendo naquele momento? – Percy questionou, com ar irônico.

— Eu estava conversando com Gladys – respondeu ela, de má vontade. – Estávamos discutindo o prêmio do Sorriso Mais Atraente do Semanário das Bruxas. Ela teimava que ele devia ter sido dado a Tony Tudor, e eu disse que não, porque...

— Então poderia ter sido detecção de magia das trevas? – cortou Percy.

­­— Poderia – admitiu a mulher.

— Sem mais perguntas.

Mais tarde foi ao chefe da investigação que ele colocou numa sinuca de bico. Logo que lhe permitiram perguntar algo ao homem, questionou:

— Fizeram o Priori Incantatem com a varinha do meu cliente?

— O quê? – perguntou o homem.

— A regurgitação dos últimos feitiços – disse Percy, embora soubesse que o “O quê?” viera pela surpresa do homem com a pergunta, e não porque ele não soubesse que feitiço era aquele.

— Sim, fizemos – retrucou o homem, meio hesitante.

— E qual foi o resultado?

— Feitiços estuporantes, desarmadores e escudo. Algumas azarações simples – respondeu o responsável, com ar impessoal.

— Indícios de luta, portanto. Entre bruxos.

— Deduzimos que lutou contra Dawson e Travis. Os feitiços nas varinhas deles era semelhantes. Logicamente, os colegas não se deixariam obliviar passivamente.

— Seria mais correto pensar que eles lutaram do mesmo lado contra alguém, não é mesmo? Ainda mais porque, pelo que o senhor acaba de dizer, não houve registro de nenhuma maldição imperdoável ou feitiço das trevas na varinha de Ronald.

— Realmente. Mas não ficou especificado que os danos foram produzidos por feitiços das trevas... – o cara parecia confuso.

— E o obliviate?

Houve silêncio.

— Sem mais perguntas.

Realmente, Percy conseguira deixar muita gente pensando com essas perguntas simples. Pena que as provas físicas não eram tão fundamentais e relevantes nos julgamentos bruxos como nos trouxas, por causa da facilidade de apagá-las com alguns acenos de varinha. Havia dois pontos a analisar: o motivo e o caráter do réu. Percy Inace Weasley concentrou a defesa nesse segundo ponto, que era para eles sem dúvida o mais favorável, embora a ausência de motivo ajudasse. Chamou vários conhecidos de Ron para depor sobre ele, algumas pessoas de importância e seriedade notáveis no mundo bruxo, como Minerva McGonagall.

— A senhora foi professora de Ronald Weasley.

— Isso.

— Qual o conceito que tinha dele em tempo de escola?

— Ronald era um garoto com hábitos comuns, notas acima da média e com responsabilidade suficiente para ser considerado digno de uma nomeação para o cargo de monitor por Alvo Dumbledore. O Sr Weasley fazia das suas travessuras, na maioria das vezes acompanhando ou acompanhado pelo Sr Harry Potter, mas demonstrava desde cedo ser uma pessoa de muito caráter. Não é preciso lembrar aos senhores, eu acredito, que ele participou ativamente do núcleo de resistência contra Voldemort, a Ordem da Fênix, da qual tive a honra de fazer parte. Mas acredito que o Sr Potter, que conviveu com ele nessa época, possa dar mais detalhes sobre isso – respondeu McGonagall, dignamente.

— E a senhora encontrou-o depois desse período?

— Tive oportunidade de visitá-lo em algumas ocasiões. Estive presente no seu casamento e visitei a ele e a Hermione por umas quatro vezes desde então, sendo a última quando do nascimento de sua filha, a pequena Rose Hermione. Gostaria de ter oportunidade de fazê-lo mais frequentemente, mas Hogwarts me deixa demasiadamente ocupada – Minerva fez uma pausa. – Pelo que pude ver, e sei que é este o sentido de sua pergunta, continua o mesmo.

As pessoas não costumam levar em conta o que é dito pela mãe de alguém. Mas a Sra Weasley tinha uma personalidade forte.

— Ronnie sempre foi o mais pacífico dos irmãos. Com exceção, talvez, do Bill. Isso até fazia com que seus irmãos gêmeos, George e o finado Fred, o atormentassem com pequenas peças e travessuras. Ronnie é um rapaz simples e extremamente bondoso. Ron, pelo que pude perceber, só quis sempre uma coisa da vida: amar, ser amado e proteger aqueles que ele ama. Podem pensar o que quiserem dele, mas eu sei que ele é o mais nobre dos meus filhos, e essa não é uma competição fácil de vencer – ela disse, em tom firme.

O Sr Weasley também foi chamado a depor. Olhando para Ron, qualquer um podia ver que ele puxara o pai. E pelo depoimento de Arthur Weasley ficou óbvio que não havia naquele país pessoa mais pró-trouxa que o mesmo Arthur Weasley.

Em seguida foi a vez do depoimento de Harry Potter. Começou tímido.

— Rony é um cara legal. Ele é um amigo de verdade. Nada do que se atribui a mim, em questão de feitos importantes para a sociedade bruxa, teria sido realizado se eu não conhecesse Ronald Weasley. Da primeira vez que enfrentei Lord Voldemort conscientemente, no primeiro ano de Hogwarts, até a destruição da última Horcrux dele, Ron esteve comigo, e incontáveis vezes dispôs-se a se sacrificar por mim. Algumas vezes ele realmente se sacrificou, ou pelo menos se arriscou seriamente. Ele me salvou da morte em certas ocasiões, me protegeu, acreditou em mim quando eu precisava, sempre me deu força e mesmo que eu o desfizesse ou dissesse que não queria sua ajuda, ele me ajudava. Lembro de uma vez – Harry corou – em que eu gritei com ele e com Hermione, a sua esposa. Foi antes do quinto ano de Hogwarts. Eu disse coisas horríveis e injustas. E eles não me retrucaram uma palavra. Quando saímos para caçar os Horcruxes, houve um tempo em que eu não sabia mais o que fazer. Ron tomou a dianteira e nos guiou. Então eu digo que se não fosse ele, muitos de vocês não estariam aqui hoje, porque eu nunca teria derrotado Voldemort – Harry tirou os óculos e apertou os olhos com a mão. Dissera tudo gravemente. Estava bem comovido. – Ron continua sendo o mesmo cara. Extremamente nobre e corajoso. Nunca deu pra trás nem nas missões mais difíceis, nem naquelas que ameaçaram ou prejudicaram a vida pessoal dele. Como essa aqui. Eu não vou dizer mais nada a esse respeito porque não adianta. Mas ele ainda vai receber pedidos de desculpa de muita gente – Harry estava vermelho e respirando com dificuldade. O promotor perguntou ironicamente:

— Seu amigo não tem nenhum defeito, Sr Potter?

— Não – respondeu Harry, seco, e foi dispensado.

Chamaram mais alguns colegas de Ron. E mesmo aqueles que não gostavam especialmente dele admitiram que era difícil associá-lo a este crime, praticamente impossível na verdade. A defesa estava muito forte. Se o julgamento terminasse ali, não haveria outra sentença possível além da absolvição. O promotor estava preocupado. Confabulou com seus assistentes uns instantes, e o que disse em seguida deixou as pessoas intrigadas.

— Eu gostaria de ouvir mais uma testemunha a respeito do caráter do réu. Sr Wilfred Thomas Reed! – anunciou.

Will estava na audiência como fotógrafo do Profeta. Quando chamaram seu nome, fez uma careta de espanto, mas, colocando a máquina de lado, dirigiu-se ao banco das testemunhas. No caminho acenou amigável e timidamente para “Ron” (ele não sabia quem era de verdade, fora decidido na última hora). Hermione respondeu com um cumprimento de cabeça, bem ao estilo Ron (Harry, George e Ammy tinham que admitir que ela o imitava com perfeição), tragando o último gole da Poção Polissuco.

O Sr Reed prestou juramento sob os olhos curiosos e a respiração presa de uma verdadeira multidão. E seu interrogatório começou.

— Sr Reed, quais são suas relações com o réu? – com essa pergunta tinham começado os questionamentos. Mas ela deixou o poeta, habitualmente tão seguro de si, bastante desconcertado.

— Bem... somos conhecidos de longa data; acho que a essa altura já somos amigos, não somos, Ron? – perguntou Wilfred, incerto, virando-se para Ron. Hermione não respondeu, seria repreendida se o fizesse. Apenas sorriu de leve, encorajando. Mas a insegurança de Wilfred já fora notada e anotada pela acusação, e eles estavam dispostos e explorá-la.

— Qual é a sua opinião sobre Ronald Weasley? – o promotor questionou.

— Ah... ele é um cara legal. Bastante corajoso, nobre, de coração mole... Essas coisas, sabe. Eu brinco com Hermione que ele é o “cavaleiro” dela – Will sorriu. Ammy escutava tudo preocupada. Não era muito prudente expor as relações com Hermione, talvez, da parte de Reed. E havia alguma coisa estranha acontecendo na sua barriga enorme naquele momento. Mas ela dirigiu sua atenção para o julgamento. Wilfred continuava. – Eu acho meio absurdas essas idéias sobre ele, porque é o tipo de cara que nunca faz coisas ruins para os outros. Se estiver com muita raiva, te joga uma bomba de bosta e fica por aí. Só não digo que é inofensivo porque tem os caras que ele capturava no trabalho, né? Mas é bondoso pra caramba, só um pouquinho ciumento.

Percy treinara o rosto para esconder suas emoções durante o julgamento. Mas foi difícil ocultar o nervoso em que aquele “ciumento” escapado dos lábios de Wilfred o deixara. Era o primeiro ponto negativo de Ron levantado naquele tribunal que realmente tinha fundamentos. Mesmo que fosse só “um pouquinho”, como dissera Will. Ele precisava cuidar mais com as palavras. O promotor estava conduzindo na intenção de complicar as coisas.

— Como conheceu o Sr Weasley? – perguntou.

— Eu trabalho... trabalhava com a mulher dele, Hermione. Ela foi demitida do Profeta Diário faz, acho que um mês e pouco. Demissão bem injusta, eu diria. Trabalhamos juntos por anos. Conheço Ron desde que ele e Hermione apenas namoravam. Saímos juntos, com uma turma, umas poucas vezes. Depois eles se casaram, e acho que posso dizer que frequento a casa dele, embora nem de longe tanto quanto Harry Potter.

— Deixe-me ver se entendi... o senhor foi antes amigo da mulher dele, Sr Reed?

— Hum... É – resmungou Reed, quase inaudivelmente, percebendo a armadilha e não podendo desviar dela sem cometer perjúrio.

— Em algum momento esteve, ou está, apaixonado por ela, Sr Reed? – Will gelou.

— Objeção! – gritou Percy. – O senhor promotor está levantando questões da vida subjetiva da testemunha que não têm relação direta com o assunto principal deste julgamento!

— Objeção concedida – respondeu o juiz. – Não é obrigado a continuar respondendo, Sr Reed – Wilfred, porém, pusera-se de pé. Disse:

— O que importa, senhor promotor, não é o que eu sinto ou deixo de sentir por ela. O que importa é quem ela ama, e ela ama Ronald Weasley. Eles são um casal feliz e apaixonado, mesmo que essas “investigações” tenham tentado impedir isso. Pra mim, como poeta, é a beleza disso que importa. E como pessoa também – ele levantou-se e voltou para junto de sua máquina, irritado, sob as palmas de um terço da audiência. Mas um suposto “outro” fora descoberta no caso – não era positivo. O juiz pediu ordem. O promotor:

— Chamamos, para depor, o réu: Ronald Bilius Weasley.

Hermione levantou-se se sentindo esquisita. Manter a expressão cansada e abatida de Ron fora fácil para ela, que se encontrava no mesmo estado de ânimo. Ela já esperava que uma hora iam chamá-la para depor, e acreditava que podia controlar isso; o mais complicado seria não dizer nada que justificasse acusarem-na de perjúrio depois. Seria mais difícil fazer isso agora que o depoimento de Reed lhe deixara perturbada, e que a poção parecia estar fazendo borbulhas na sua barriga. Mas Hermione conseguiria. Também ouvira muitas coisas ali que lhe deram ânimo, elogios que ela gostaria que Ron (de verdade) estivesse ali para ouvir.

“Ron” passou do banco dos réus ao das testemunhas.

— Sr Ronald Weasley, o que aconteceu na tarde do crime?

“Ron” repetiu com exatidão aquilo que fora dito a Hermione naquela noite do assassinato de Willowby e depois. Conferia com seu depoimento anterior, registrado pelo Ministério. Demonstrava firmeza.

— Se o senhor é inocente como alega, por que fugiu, ao invés de entregar-se à justiça quando resolveram detê-lo por precaução?

— Eu sei como funcionam essas coisas, senhor... O Ministério não manda as pessoas para Azkaban “por precaução” ou “temporariamente”. Estava todo mundo convencido de que eu era o culpado, por causa da campanha do Profeta Diário. Chegaram a discriminar os Weasley e atacar a loja do meu irmão, George. Por mim, eu não temia. Mas tenho família. Não podia me arriscar a passar a vida em Azkaban e deixar Hermione e Rose desamparadas.

— Essa sua esposa... – o promotor começou a circular pelo centro do tribunal, fingindo distração, mas falando em tom bem audível. – Sempre ela. Hermione, a nascida trouxa... Seu álibi, não é? Hermione, a amiga de Wilfred Reed. Vocês parecem ser indissociáveis, impossível conhecer o senhor sem conhecê-la. Tão apaixonados... No entanto, o senhor está sendo julgado e onde está ela agora? Por que não está aqui?

Hermione corou de raiva e conseguiu uma proeza que Harry e Ammy não sabiam que a Poção Polissuco era capaz: ao invés das faces, as orelhas ficaram vermelhas.

— Nós temos uma filha, como o senhor já ouviu hoje. Hermione precisa cuidar dela.

— Onde o senhor esteve, durante esse período em que permaneceu foragido?

— Não fiquei em um lugar só. Cavernas, becos, florestas... coisas do tipo – respondeu Ron (Hermione). O promotor perguntou:

— Sua esposa sabia onde o senhor estava?

— Afinal, quem está sendo julgado aqui? Ronald Weasley ou Hermione Weasley? – explodiu Ron-Hermione. O homem ignorou.

— Como estão suas relações com sua esposa, Sr Weasley?

— O senhor já tem uma teoria formada. Vai distorcer qualquer coisa que eu disser para que se encaixe nela. Então não vou responder mais nada a menos que o senhor me faça as perguntas corretas – e Ron calou-se.

O promotor abriu a boca para mais uma questão, mas mudou de idéia e disse apenas:

— Sem mais perguntas.

Faltava pouco para o julgamento acabar. A declaração de Percy foi uma repetição da primeira, mais firme e enfática, ressaltando o caráter provadamente nobre de Ron. A do promotor, porém, foi total e perigosamente mudada.

— Eu, hoje, aprendi uma lição – ele começou – de que as coisas são sempre mais profundas do que parecem. Aleguei no início que Ronald Weasley cometera o crime contra o menino Willowby num ato de sadismo. Esta minha teoria foi derrubada e esmagada pelos depoimentos sobre o caráter do réu. Decididamente não tinha a tônica perversa do sádico. E eu fiquei muito confuso, quase me convenci de que estava de todo errado, “Ron” não cometera o crime. Mas ao mesmo tempo, os depoimentos sobre ele fizeram-me conhecer uma parte nova de sua personalidade: a carência emocional. Ronald é o sexto filho homem de uma família, sem força de destaque o suficiente para se o mais querido, o mais mimado ou qualquer mais. Nas palavras de sua própria mãe, “só quis sempre uma coisa da vida: amar, ser amado, e proteger aqueles que ama” – o homem repetiu, consultando suas anotações. – Ele não consegue satisfazer essa sua necessidade em casa, procura fazê-lo fora. Na escola, participa em atos de heroísmo, de modo a obter o reconhecimento geral. Mas ele quer algo mais profundo. Então aparece uma garota. Ela demonstra amá-lo. E ainda é nascida trouxa, de modo que o sangue puro de Ron permite-lhe sentir-se superior em relação a ela. Precisa protegê-la. Ama-a. Eles se casam. Mas então aparece uma terceira pessoa. Um colega de trabalho, poeta, sensível, simpático, charmoso... Ron pode ser “um cara legal”, mas não faz o tipo sedutor que encanta as mulheres. Wilfred faz. Ele e Hermione trabalham juntos, lado a lado, por anos. E ele está apaixonado por ela, isso é óbvio. Por mais “apaixonada” que a Sra Weasley esteja por seu esposo, Wilfred Reed é um oponente injusto...

— Ele faz a Hermione parecer uma loirinha frívola! – Ammya comentou, indignada, para a Sra Weasley, que estava ao seu lado. – Quem não a conhece, o que vai pensar?

— A assiduidade de Reed junto de sua esposa, que já incomodava “Ron”, o deixa desconfiado. Não precisa haver um motivo real, pois soubemos que ele é “um pouquinho ciumento” – o homem disse, em tom irônico. – Manifesta o ciúme e as coisas entre ele e Hermione pioram, dando-lhe certeza que há algo. Ele vai para o trabalho com a cabeça cheia disso. E então há um chamado. Trouxas receberam objetos encantados e estão tendo problemas com eles. Dawson, Travis e Weasley vão lá e resolvem. Mas ao invés de demonstrarem gratidão, os trouxas (sabemos que há muitos assim) fazem um escândalo, ameaçam denunciá-los, tentam agredi-los. O menino é o pior, e corre para cima de Ronald. Nesse momento toda a decepção com a esposa, alia-se no subconsciente dele com o fato de ela ser trouxa; o ódio que tem dela naquele instante transformado em ódio antitrouxa por seu sangue puro o toma e ele mata o menino, em um acesso. É filho único, e os pais, já desequilibrados pelas esquisitices que tinham visto até então, enlouquecem – não puderam determinar a causa exata da loucura deles. Ronald, chocado com o que fizera, e assustado, resolve obliviar os parceiros. Lutam: dois contra um, mas a autopreservação dá a Ronald uma força sobre-humana, e ele subjuga os colegas. Ainda perturbado, demora para decidir o que fazer então. Chama o Ministério um tempo depois. Está arrependido, mas tem medo. Inventa uma história e a sustenta, abalado. Quando o Ministério desconfia dele, foge. E hoje aparece, movido em parte pelo remorso e em parte por esperança de livrar-se dessa situação logo de uma vez. É assim que as coisas parecem ter sucedido. Se foi ou não, cabe aos senhores decidir – o promotor fez uma reverência para o juiz e seus auxiliares e se afastou. Os juízes juntaram as cabeças para confabular. Percy estava vermelho de raiva do oponente. Os partidários de Ron estavam todos bastante apreensivos. Hermione parara de ouvir na metade do discurso do promotor. Sentia-se mal, muito mal. O efeito da poção estava quase no fim, e toda concentração que lhe restava ela dirigia, aflita, para os ponteiros do relógio. Queria sair de lá logo, nem que fosse para a prisão. Não queria transformar-se na frente de todos. Mas os minutos escoavam.

Por fim, o juiz endireitou-se e bateu com o martelinho. Fez-se mais silêncio ainda. Ele proferiu a sentença:

— O tribunal entrará em recesso por uma semana, para captação de novas provas. Até lá, o réu ficará detido sob custódia do Ministério da Magia.

Percy deu um soco de raiva na sua pasta. Três aurores adiantaram-se para prender Ron. Mas Hermione mal tinha descido dois degraus do banco dos réus quando oscilou. Sentiu-se enfraquecer e enjoar violentamente, ao mesmo tempo em que seu corpo sofria metamorfose e ela voltava a ser ela mesma, perante os olhos espantados de todos. Houve um “Oh!” generalizado na audiência. Os aurores recuaram, assustados. Mas o mal de Hermione não passou com o fim do efeito da poção. Pelo contrário, piorou. Tudo isso aconteceu numa fração de segundo, e ela caiu desmaiada aos pés dos aurores.

— Hermione! – Ammy gritou, desesperada, levantando-se na “platéia” e estendendo a mão para o lado da prima. Mas nesse momento as pontadas que ela vinha sentindo na barriga acentuaram-se muito e ela gritou novamente, desta vez de dor, caindo sentada, dobrada sobre a barriga.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!