O vento fraco e os raios de sol ferindo meus olhos enquanto eu andava pela rua me fizeram voltar a pensar com nitidez.

Bruxo? Era difícil demais de acreditar, embora eu tivesse visto a maldita cadeira voando acima do chão, sem nenhum truque aparente.

Talvez, se eu avaliasse melhor a situação, as coisas mudassem de jeito.

Meus pais os achavam estranhos. Eles quase não saiam de casa e a vizinhança inteira comentava sobre esse fato.

O próprio Christopher admitira isso quando, no dia em que nos conhecemos – ou eu o conheci – ele disse que não gostava de lugares movimentados.

Ah, isso era uma grande mentira. Se ele não gostava de lugares cheios de gente, não iria pra um baile, nem muito menos ficaria com os amigos da Ashley.

Ah, Ashley, como eu odeio essa garota. Como eu poderia acreditar no que Christopher dizia, se ele já havia me enganado? Não tinha jeito.

A garotinha e suas previsões... como é? Eu o amo? Que piada. Isso é uma piada.

E o pior é que era verdade.

Eu não conseguia deixar de ter dó dele. Não podia culpá-lo. Não conseguia.

Havia algo pedindo pra que eu acreditasse. Que não podia ser uma mentira total. Teria que haver algo de verdadeiro nisso.

Bruxo. Eu amo um bruxo. Mas que vida essa minha.

                                                               *-*-*-*-*

-E aí, Ag! – gritou Michael quando ele e meus pais chegaram da igreja, no domingo à tarde.

-Demoraram. – respondi, olhando a TV.

-É. Ficamos conversando com Mandy. Fui muito... animado. – respondeu minha mãe, sem nem me olhar, já indo para o quarto colocar a Bíblia sobre o criado-mudo que tinha do lado da cama dela.

Congelei. Uma estátua olhando a TV. Minha mente agora mais abalada do que nunca.

Como é? ...? ...? Mandy?... Mandy Muller??? O pai de Jeff? Dono da Sweatest Ice-Cream???

...

Meeeu Deeeus. O que será de mim?

Se Alice – que já sabia das visitas de Christopher na sorveteria – tivesse dado com a língua nos dentes sobre isso com o marido, Mandy, e se ele tivesse fofocado isso para os MEUS PAIS, eu suspeitava que as coisas ficariam ruins.

E a atitude de minha mãe de não me olhar, e meu pai, passando direto pra cozinha, não me inspirava nada de bom.

O que eles fariam? Me colocariam de castigo? Tirariam-me do emprego? Nada parecia animador, embora eu já estivesse tão deprimida que qualquer tempo só pra mim seria uma benção. Mas, parar de vez com meu trabalho, ou ficar de castigo, sabe-se lá por quanto tempo, era ter tempo demais pra ficar sozinha, o que quase sempre me fazia pensar em Christopher, e isso, agora, não era bom.

Na pior das hipóteses, eles me bateriam? Me matariam? Me colocariam pra fora de casa? Um internato?? Orfanato, talvez???

-EI, AGATHA! – gritou Michael.

-Hã? O que foi? Ta gritando por que??

-Por que já te chamei umas trezentas vezes!! Ah, num inventa que ta aí olhando a TV e interessada nesse filme da Barbie, vai! Passa ai pra Formula 1?! Vai?

Olhei-o querendo me livrar daquela coisa.

Graças a Deus o baile já passou. Esse imbecil vai embora logo.

Joguei o controle no sofá e me levantei, indo pro quarto.

-Pode ficar.

Ainda tive tempo de vê-lo correndo pra frente da TV antes de subir as escadas.

                                                   *-*-*-*-*

-Senta aí, Agatha. – disse meu pai.

Eu acabara de dar de cara com maus pais no corredor, mais especificamente na porta do meu quarto, conversando aos sussurros.

Meu pai me mandara sentar na cama, e acabara de fechar a porta à chave. Minha mãe estava encostada na janela do meu quarto, respirando devagar, aparentemente tentando ficar calma.

Sentei-me.

-Hã? O que foi, gente?

Ah, é obvio. Já descobriram. Aquele Mandy desgraçado. Vou matar aquela bolota do filho dele.

-Agatha – começou minha mãe – temos que ter uma conversa séria.

-Ta. Tudo bem. O que foi?

-Mandy nos disse uma coisa. – falou meu pai – ele contou que aquele garoto que foi com você pro baile, Christopher, ele ia te visitar todos os dias na sorveteria.

Engoli em seco. Tudo bem, eu já sabia que eles já sabiam, mas ouvir a acusação é outra situação.

 -Ah...

-Por que não nos disse isso? – perguntou minha mãe, mais séria do que eu gostaria.

-Porque vocês ficariam do jeito que estão agora, pensando outras coisas.

-E o que estamos pensando? – perguntou meu pai.

-Bem... tenho certeza que estão pensado que eu tenho algo com ele.

-E por que estamos pensando isso?? – atiçou minha mãe.

-Porque... não da pra pensar algo diferente antes que eu explique.

Ah, mas que ótimo. Esse era o problema de conversar sério com meus pais. Eles sempre me levavam a dizer o que não queria.

-Hum... e qual é a sua explicação? –perguntou meu pai.

-... eu não sei porque ele me visitava. Eu o vejo como um amigo, e acho que é por isso que ele também ia me ver. Porque agente costuma conversar.. na escola. E é bem legal.

Muito convincente.

-Agatha – recomeçou minha mãe, desencostando-se da janela e vindo parar bem na minha frente – nós sempre confiamos em você. Nunca houve problemas em você ter amigas, mas amigos é diferente.

-E por que?

-Porque não existe amizade entre homem e mulher.

-É claro que existe!!

-Não – retrucou meu pai, numa voz firme e ameaçadora – não existe, e não há como existir. Sabe por que? Porque é instinto humano se aproximar de alguém de outro sexo com segundas intenções.

-Eu não tenho segundas intenções!!

-Você pode não ter, mas ele sim.

-E daí se ele tiver?? Se ele quiser algo comigo eu digo que não e pronto!!

-Quem diz que não e pronto aqui somos nós. – disse meu pai, agora bravo mesmo – e nós dizemos que não queremos você com ele. Nem com nenhum menino desse lugar. Eu já te disse que essa vizinhança não presta. Esses adolescentes tão todos loucos! Não quero minha filha envolvida com nenhum deles!

-...

-Você pensa que é fácil assim, filha, mas não é. – disse minha mãe - Sabe como eu e seu pai nos conhecemos? Assim, numa amizade. As pessoas daqui não são boas, e você sabe disso. Elas ficam dizendo coisas ruins de você, não é? Não há uma exceção, Agatha, e nós sabemos disso. Não queremos que você se iluda. E para o seu próprio bem, escute: não queremos você com ele mais. Entendeu? Não queremos. Se você teimar, você perde seu emprego, e não sai mais de casa.

Aquilo não podia estar acontecendo. Proibida de estar com Christopher? Não. Eu não conseguiria. Mas, meu Deus, será que eles não viam? Não havia nenhum problema em ser amiga de meninos, porque eu já não tinha nenhum amigo menino! Nenhum deles queria falar comigo, e eu não sentia falta, não!!  Mas Christopher...? Não era justo..

Não... mesmo que ele tivesse me enganado, eu queria confiar nele. Ele tinha confiado em mim ao contar o segredo que possuía. Mesmo que eu tivesse sim segundas intenções, ele nunca me disse que tinha, nunca pareceu ter! Tudo o que eu fingia haver de diferente no comportamento dele era apenas fruto da minha imaginação! E daí que meu pai e minha mãe foram amigos antes de se casarem? Eu não tinha nada a ver com isso. Nada!

Aquilo era uma injustiça.

-Estamos entendidos, Agatha? – perguntou meu pai.

Era uma injustiça, mas eu não tinha saída.

-Estamos. – falei num sussurro, abaixando a cabeça.

-Assim espero. Sabe que eu cumpro o que digo. – e saiu, junto de minha mãe, que fechou a porta atrás de si.

Joguei-me no colchão e afundei a cabeça no travesseiro.

Quando é que isso tudo vai acabar?

Pela primeira vez eu desejei ser uma bruxa e sair voando dali.