Doce E Sincero escrita por Miyuki Hime


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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— Olha, tem mais dois aqui. Também ficaram presos no banheiro masculino? – Dalva olhou especialmente para mim ao falar masculino. – Venham comigo.

Dalva já é uma senhora. Deve ter no mínimo uns 58 anos, mas só começou a trabalhar aqui na metade desse ano.

Fomos em silêncio. Eu nem tentei justificar. A lei dos alunos não podem ficar nos corredores sem permissão é uma lei extremamente exigente. Dona Dalva é uma pessoa muito rígida e sempre pensa no que a escola conseguirá com isso, então provavelmente ela vai aproveitar esse nosso castigo para nós obrigar a limpar alguma coisa depois das aulas. E eu estava certa. Ficamos com a limpeza da quadra. Ótimo, a quadra era enorme e cheia de lixo já que os alunos comiam na arquibancada na hora do intervalo.

Dividimos o trabalho. Eu varria tudo para o chão e ele varia o chão e jogava a sujeira no lixo.

A arquibancada da escola é toda feita de cimento e pintada de vermelho. Ela é colada em umas das paredes amarelas da quadra.

— Tem de tudo aqui. – Eu disse enquanto varria o segundo degrau.

— Dá para ver. – Ele disse mais alto.

— Toma. – Peguei uma garrafa verde de 2 litros vazia e joguei para ele. Só fui perceber que tinha pisado além do degrau quando já estava caindo em direção a Ezra que tentou me segurar fazendo o cair comigo em cima.

— Aí. – Eu disse ao olhar em seu rosto. Não era para ter olhado. Eu estava com corpo todo colado em Ezra que tinha o rosto rubro. Meu rosto esquentou de vergonha. Levantei-me quase que imediatamente até sentir uma dor aguda e latejante no tornozelo e despencar novamente sobre Ezra. Ótimo, é só o que falta agora. Consegui me apoiar nos joelhos e na mão o que é uma forma melhor de dizer que eu estava de quatro em cima dele. Olhei seu rosto novamente. Ele estava rosado e com um sorriso não muito normal no rosto. Mais que pervertido!

— Agora é você que ficou por cima.

Meu rosto corou mais ainda. Me joguei para o lado e cai sentada a sua direita. Meu tornozelo doeu mais ainda. Soltei um pequeno grito de protesto. Ele pareceu preocupado.

— Se machucou?

— Acho que fiz algo com o meu tornozelo. – A dor era suportável, mas incomodava.

— Consegue levantar? – Ele se sentou a minha frente.

— Acho que sim. Não o quebrei, só devo ter torcido ou dado um mau jeito.

— Tudo bem. Se apoia em mim. – Ele levantou e puxou meu braço. Fiz o que ele pediu, me levantei e envolvi seu pescoço com o braço esquerdo enquanto ele envolvia minha cintura com o seu direito. Não gostei da aproximação, mas realmente doía colocar o meu peso no pé esquerdo e assim eu poderia ir embora sem ter que limpar o resto daquela quadra imunda.

Pela escola ser grande, fizemos varias paradas até a enfermaria que ficava no prédio do fundamental. Ezra pergunta sempre as mesmas coisas em menos de 2 minutos. Está doendo muito? Você não quer parar um pouquinho? Você não quer ficar aqui enquanto eu chamo a Tatiana? Depois de uns 20 minutos, chegamos até a sala de espera e Ezra chamou a médica que apareceu menos preocupada que ele.

Nome. – A Tatiana é bem conhecida. Ela trabalha como médica aqui desde quando eu tinha entrado pela primeira vez numa escola, mas por eu ser uma pessoa quieta nunca precisei muito dos seus serviços então com certeza ela não me conhecia a não ser de vista.

— Anastácia Kim. – Kim era realmente nome. Eu não sei o porquê do meu pai gostar dele, mas para me diferenciar de outras Anastácias ele é realmente perfeito.

— Ensino médio. – Ela disse para si mesma. Tatiana tem cabelos medianos e pretos avermelhados por tintura. Pele morena clara e olhos castanhos escuros. É magra e deve ter um metro e setenta e pouco. – Vem cá. – Ela abriu a porta que levava para o consultório e ficou me esperando.

Ezra veio ao meu encontro e me levou até lá da mesma forma de antes. Ele me ajudou a sentar na cama hospitalar, não que eu precisasse.

Depois de ter sido diagnosticada e de bater um raio x descobri que tive uma entorse de grau 1 no tornozelo. Simplificando, eu tinha torcido levemente o tornozelo, nada para se preocupar. Tatiana disse que eu provavelmente teria que usar muletas caso eu continuasse indo para a escola, mas que em uma semana no máximo eu já estaria podendo andar livremente de novo. Ela só me mandou colocar bastante gelo para diminuir o inchaço que começava a crescer, remédio para dores musculares caso houvesse o que era pouco provável e andar o menos possível por mais ou menos uns cinco dias. Eu podia faltar aula por esses cinco dias, mas resolvi não fazer isso já que estávamos perto da época de provas. Ezra afirmou que ficaria o tempo todo comigo se eu precisasse. Agradeci a gentileza, mas recusei a proposta. Ele me ajudou até minha mãe chegar de carro e me buscar.

Os dias após esse foram complicados. Ezra sempre me esperava na entrada da escola. Sempre falava comigo quando me via. E depois que me achou nas redes sociais me adicionou em todas. Nos intervalos ele não era tão insuportável assim já que sem ele minhas amigas teriam que ficar comigo em sala trazendo sempre lanche de casa, o que elas odeiam.

Por conta do meu tornozelo não era bom que eu descesse escadas e enfrentasse multidões que era exatamente o que eu faria se fosse para o pátio, por isso eu ficava sozinha em sala com o meu mais novo amiguinho que despistava a Carla e o resto das pessoas para ficar comigo. Como ele é um garoto não podemos ficar em sala sozinhos. Ezra também passou a me acompanhar até em casa já que ele pega o mesmo caminho que eu para ir para casa e eu estava de muletas. Meus pais não tinham condições de vir me buscar na escola, minha mãe era a favor de eu ficar só em casa e fazer a provas depois de estar melhor, mas eu não aceitei essa opção. Nesses pequenos intervalos de tempo nós conversávamos sobre vários tipos de coisa e surpreendentemente ele me fazia rir, o que é muito raro.

Descobri que ele tem uma irmã menor de apenas seis anos chamada Alice. Seus pais estão juntos. Ele ama ciências assim como eu e odeia matemática também assim como eu. Ele nasceu e cresceu no Rio de Janeiro e entrou nessa escola a dois anos. Ele se preocupa com doenças mais do que o normal, ele diz que tem quase uma Somatoformes, que é uma hipocondria mais leve. Antigamente ele tinha Astrofobia que é o medo de trovões e relâmpagos, mas já se curou. Ele é apaixonado por música e só não embarca num futuro a envolvendo porque seu pai é rígido e acha que essa é um carreira sem futuro.Ele odiava ler livros, eu também não sou muito chegada. Em toda a sua vida ele nunca namorou ninguém, só tinha ficado. Eu nunca tinha nem namorado, nem ficado, nem beijado ninguém desde que nasci, mas não contei para ele.

Já se passou três dias desde a torção ter sido feita.

— Minhas amigas estão começando a perguntar sobre você. – Eu disse fingindo estar ajeitando as muletas de outro lado de minha carteira para que ele não visse o meu rosto corar.

— O que elas perguntam? – Eu sabia que ele me fitava.

— Sobre você ser meu namorado. – Eu disse já sentindo o rosto esquentar. Talvez não fosse a conversa apropriada para se ter nesse momento, mas eu quero arrancar logo uma resposta dele. Desde a torção ele tem feito várias coisas por mim, se eu precisasse delas eu até poderia aceitar como pena, mas eu tenho amigas que sempre me ajudam.

— O que você responde? – Ele tentou disfarçar a ansiedade na voz.

— Que somos só amigos. – O fitei. Ele tinha uma expressão brincalhona.

— Você gostaria de respondê-las de modo diferente? – Ele se aproximou um pouco mais saindo um pouco da carteira.

— De que modo? – Corei e fingi estar interessada na lousa a quatro cadeiras de mim.

— Dizendo que estamos namorando. – Meu rosto devia estar do mesmo tom que meu cabelo avermelhado.

Me arrependi de ter perguntado. Comecei a pensar em vários modos aceitáveis de cair fora dali. Não achei nenhum já que o meu tornozelo ia dificultar muito uma saída. Eu não sabia o que dizer. Ezra, eu preciso confessar, é muito, mais muito bonito e apesar de ser um pouco atirado é bem legal, mas eu e ele não combinamos.

— E-eu não sei. – E estava dizendo a verdade. Se Ezra me pedisse em namoro e eu realmente soubesse que ele estava apaixonado por mim, será que eu aceitaria?

— Vamos descobrir então. – Eu vi a cena nitidamente, ele saindo de sua carteira, seu rosto vindo demais para perto do meu, seus olhos se fechando, suas mãos se encaixando do meu lado na carteira e finalmente seus lábios tocando os meus. Eu queria me afastar, mas eu simplesmente não consegui, todas as sensações que deveriam ser ruins como o rosto queimando, a pele vermelha de vergonha, o meu coração aos pulos, minhas mãos tremendo e os insetos em minha barriga eram estranhamente bons, estranhamente embriagantes, mas tudo isso acabou quando ele abriu os lábios e eu senti sua língua pedir passagem. Me afastei tão rápido que se não fosse o braço da cadeira eu teria caído com tudo para trás. Ezra parecia assustado com a minha ação repentina e eu provavelmente parecia muito mais assustada com ação repentina dele.

— O que foi? – Ele perguntou inocentemente.

Não consegui responder por medo de minha voz falhar. Eu não sabia o que sentia. Vergonha? Raiva? Medo? Desapontamento? Acho que os mais fortes dos sentimentos agora são a vergonha e a raiva. Demorei um pouco de tempo para responder enquanto fitava o chão e tentava relembrar como se respirava normalmente. Ezra só sabia perguntar se eu estava legal. Não me deu nem um pedido de desculpas.

Assim que eu me recuperei o suficiente para dizer algo de produtivo o sinal felizmente tocou e ele foi obrigado a se retirar antes que Carla o percebesse e passasse a redobrar o cuidado em observar aquela sala. Fiquei quieta e pensativa o resto do dia. Aquilo foi uma surpresa para mim. Como eu já disse, eu nunca beijei, nem me apaixonei, muito menos amei alguém nesse sentido. É claro que uma vez ou outra eu acho um menino bonito, mas nada parecido com uma vontade de agarra-lo sem mais nem menos. Então de repente ser quase que beijada por um menino como Ezra, bonito, legal e principalmente atirado é uma coisa extremamente nova e extremamente embaraçosa para alguém como eu. Chamem isso do que quiser, timidez, antissocialismo, vergonha, fobia social, mas o fato é que eu tenho um pouco de cada.

Eu sabia que ele não desistiria de me levar para casa então eu tinha que pensar num plano para ir embora antes dele. Não tinha como pedir as minhas amigas para que elas fossem comigo até em casa já que as duas vão na mesma van escolar. O jeito é despistá-lo e ir antes dele... ou depois. Não tinha como eu ir antes dele, já que teria que esperar todos descerem as escadas para que eu fosse e provavelmente assim que o sinal batesse ele ia ser um da fila que iria para minha sala. Eu podia dizer a ele que queria ir ao banheiro e pular a janela do banheiro do fundamental, não era muito distante do chão já que sempre tinha um banquinho encostado a parede para o fundamental e meu pé já está bem melhor, sem falar que a saída dava para a parte de trás da escola que já estaria vazio a essa hora. Era entrar pela porta do vestiário infantil, sair pelo corredor do fundamental e ir direto para casa. Tudo bem. Vai ser isso.

Assim que o sinal tocou me despedi das meninas e fiquei a sua espera. Ele logo apareceu. Meu rosto ficou quente e eu não consegui concentrar os meus olhos nele por mais de três segundos. Ele percebeu a mudança, mas não comentou nada. O interrompi enquanto ele falava sobre um assunto banal e disse que queria ir ao banheiro. Ele me acompanhou até lá. Assim que eu passei pela porta me certifiquei em ver se o banheiro estava vazio. Para minha sorte ele estava. Entrei na segunda cabine onde se encontra a janela de vidro vertical, subi em cima do vaso e a abri sem tentar fazer muito barulho. Também não tinha ninguém do lado de fora e o banquinho estava lá. Primeiro eu joguei minha mochila e depois as muletas em cima para que não fizesse tanto barulho. Logo depois eu dei um pulo e já estava com metade do corpo para fora me apoiando nas mãos e nos braços, primeiro passei o joelho, depois toda a perna direita, em seguida inverti tudo. Agora a parte de cima de mim estava dentro do banheiro e a parte de trás do lado de fora, em uma questão de segundos eu já estava com o pé direito no banco e soltando as mãos da janela. Peguei minha mochila e coloquei as muletas. Fui o mais apressada que pude em direção ao vestiário. O fundamental já tinha saído a meia hora e as crianças que estudavam a tarde só iriam aparecer daqui a meia hora. Passei pelo corredor vazio. Assim que cheguei a saída vi os amigos de Ezra. Eu só os conhecia de vistas e do pouco que Ezra falava sobre eles. Um era baixo, ruivo e branco. Outro tinha um cabelo preto azulado e uma pele morena clara e o que mais me espantava era um menino de cabelo branco e incríveis olhos azuis*, ele não era feio, mas tinha uma aparência bem original, esse sempre andava agarrado com um outro menino de cabelos pretos e olhos verdes**. Também muito bonito.

Eles eu tinha certeza que me conheciam. Se eu passasse ali eles provavelmente perguntariam o porquê de eu estar sozinha ou fariam aquelas brincadeiras bobas de menino tentando perguntar se eu estava namorando o Ezra. Iria ser vergonhoso e Erza acabaria descobrindo. Repensei minha opções baseadas nos detalhes do lugar. O corredor é largo, suas paredes são laranja e do lado de cada porta de madeira clara tem um vaso de Palmeira-Ráfis. Em cada sala tem uma janela grande de vidro horizontal, teria como eu passar por elas, mas dessa vez não teria banquinho para me apoiar e nem a certeza de não encontrar ninguém. Me dirigi a cada sala. Todas sempre com o mesmo estilo. Parei na porta mais longe da saída em que se encontravam os amigos de Ezra. Olhei para fora da janela de vidro. Era o mesmo espaço que eu tinha pulado antes só que sem o banquinho. Como a janela fica no meio da parede, eu não precisaria arrastar cadeira. Subi em cima de uma carteira. Minha cabeça passava da janela. Um muro me separava dos outros adolescentes. Provavelmente as vans iriam começar a aparecer. Fiz exatamente o mesmo procedimento que tinha feito na janela do banheiro. Dessa vez tinha sido um pouco mais difícil para tocar o pé direito no chão, mas nada que não valesse a pena. Peguei tudo de novo e me pus a andar apressadamente. Assim que eu passar do limite do muro os amigos de Ezra poderão me ver, mas será de longe. Fui em frente sem olhar para os lados. Passei pelos portões da escola e senti o alívio de ver a rua sem nenhum conhecido.

Assim que cheguei em casa, taquei as muletas e a mochila no chão e me joguei na cama. O que eu faria amanhã? Ezra com certeza iria pedir uma explicação. O que eu falaria? Eu fiquei em pânico por causa do beijo e sai pela janela do banheiro Isso é patético demais. Eu sou patética demais. Eu não podia inventar nenhuma desculpa que cobrisse o pulo da janela, não tinha nenhuma saída por lá, fora essa e a porta. A janela é pequena demais até para falar que eu caí dela. Eu poderia ter feito vários outros planos que me dariam uma desculpa perfeita, mas não. Eu tinha que inventar uma coisa idiota como essa. Um estalo ecoou em minha mente. Eu tenho uma semana de atestado, já tinha se passado três dias. Hoje é uma quinta. Eu só preciso voltar na escola na segunda. Eu tenho então bastante tempo para pensar em uma desculpa mais aceitáv...

Fui interrompida por um celular vibrando. Só tinha eu em casa então obviamente é o meu. Abri a mochila e com cuidado olhei a tela. Era justamente quem eu não queira ver ou falar agora. Fingi que não tinha visto e ouvido a chamada de Ezra e deixei como estava ,depois eu inventava outra desculpa para encobrir isso também. Agora eu tenho coisas mais importantes para fazer. Comecei a pensar em várias coisas diferentes. Tudo me levava a um ponto. O que eu iria fazer na segunda e por que eu estou com tanta vergonha assim? Tudo bem. Eu não tinha beijado ninguém antes, mas fugir com eu fugi já é demais até para mim. Depois de horas sem achar uma resposta resolvi dormir para relaxar um pouco a mente.


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Notas finais do capítulo

Esse cap ficou meio grande e talvez com poucos detalhes importantes, então eu me desculpo se ficou um pouco tedioso de ler.
Mas digam o que acharam. Sempre aceito dicas construtivas e elogios. :>
Até o prox cap.

*,**Esses são o Noah ( filho da Sáfira e do Patrick em Frágil e amável) e o Amil ( filho da Hallery e do Thiago em Simples e invisível) de Encantador e secreto.



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