Ele E Ela escrita por Maitê


Capítulo 28
Deformada




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Sabe como é entrar em uma cena de crime?
Maria sabia, ela soube no momento em que abriu as portas de seu quarto. Em cada uma das vezes que quis morrer, ela estava ali. Aquelas paredes conheciam mais sobre ela, do que qualquer pessoa viva ou morta que já tivesse passado por sua vida.
Ela caminhou devagar até a cama e sentou-se, olhou em volta com um aperto no peito. Olhou para a porta do seu banheiro, foi ali que ela quase morreu. Ao pensar no que tinha acontecido, ela sentia vergonha e era esmagada pelo peso do medo que sentia. Não sabia como as coisas iriam funcionar, não sabia como seria a relação com Jack ou com Miguel, não sabia como Berta ia se comportar ao lado de uma suidida. Não sabia como lidar consigo mesma, a cada minuto ela tinha um novo conflito interno. Seu corpo, com todas aquelas marcas, sua mente com tantas pertubações. Ela era um campo de batalha sem vencedor declarado.
Levantou a barra do vestido que usava, viu as marcas que deixara em suas pernas. Ao olhar todas as cicatrizes, nas coxas ou nos braços ela se sentia deformada. E realmente era, porém, por dentro. Era uma deformação com concerto, mas tão difícil..
Enquanto passava os dedos sobre as cicatrizes ela pensava no que iria acontecer, todos da cidade já deveriam estar sabendo. A escola que antes já era um tormento, agora seria mil vezes pior. Aulas particulares nem pensar, tinha ouvido seu mais novo psicólogo conversando com Jack antes de sairem do hospital. Seu pai tinha perguntado sobre aulas em casa, e recebeu uma resposta que não agradou nada Maria e que também era totalmente verdadeira. A partir de agora, ela iria usar de qualquer desculpa para não sair de casa. Não enfrentar o mundo e quem estivesse nele, isso só iria piorar as coisas. Maria precisava sair e conhecer gent nova, lugares novos, novas atividades até encontrar algo que desse prazer a ela. Que a fizesse sorrir. Mas era difícil pensar nisso agora, porque no momento Maria só queria dormir, quando dormia não sentia nada, nem via o que estava ao redor.
Tirou as sapatilhas dos pés e se arrastou até o meio da cama, puxou todos os cobertores para cima de si e puxou todos os travisseiros para seu redor. Aquela era sua fortaleza, ali ela estava segura. Ali ela pegou no sono, sem sonhos, sem dor, sem preocupações.

(........)

Ninguém a acordou, nem Jack ,nem Berta e muito menos Miguel. Quando a noite chegou e Maria ainda não tinha acordado, Berta pediu que ele fosse chamá-la.
Ele entrou no quarto dela e ligou o abajur em cima do criado mudo, observou o rosto dela iluminado pela luz. Como podia ser tão linda e ter tantos problemas?
Sentou ao lado dela e fez carinho em sua pele, afastou o cabelo de seu rosto e lhe beijou a face. Beijou todo seu rosto com carinho e suavidade, até que um sorriso se formou no rosto de Maria e ela abriu os olhos.
– Que horas são? - perguntou com a voz rouca.
– Seis da tarde, você está dormindo desde as duas mocinha.
– Dormir é bom... - e fechou os olhos novamente. - É fácil e tranquilo.
– Eu sei que é, mas viver também é muito bom. Dá só mais um pouco de trabalho, mas vale a pena. - dizendo isso, beijou-lhe os lábios com suavidade.
Passaram um tempo assim, trocando carinhos. Abraços, beijos e palavras de carinho e conforto. Era tudo o que ela precisava para se sentir viva, mas Maria era uma bomba relógio. Que poderia explodir novamente, a qualquer momento.
E explodiu.
Antes de descerem para o jantar, Maria resolver tomar um banho, Miguel continou no quarto esperando por ela.
Ao entrar naquele banheiro Maria sentiu seu coração para por um instante, viu a si mesma jogada naquele chão com os pulsos ensanguentados e morta. Desviu o olhar do chão, do espelho de tudo. Se concentrou no som de sua respiração e em seus próprios movimentos. Mas ao tirar o vestido que usava, uma coisa lhe chamou profundamente a atenção: os curativos em seus pulsos. Ela ainda não tinha visto os cortes, não depois que acordou no hospital. E subitamente, sentiu uma vontade enorme de vê-los.
Péssima decisão. Ao tirar os curativos sentiu alguma coisa crescendo dentro de si, uma coisa que já tinha sentindo antes. E identificou essa tal coisa quando se virou para o espelho, era raiva. A raiva crescente e pulsante que sentia de si mesma. Maria tinha uma visão distorcida de si mesma, mas por um momento conseguiu se ver da forma que realmente era. E sua raiva cresceu ainda mais.
O que iria fazer agora? O que iriam pensar dela? Como iria continuar sendo magra se todos os olhares estariam voltados para ela? Como ia esconder aquelas cicatrizes horriveis que tinha conseguido para si mesma?! Como? Ela tinha vontade de gritar, de explodir, de sumir, ainda sentia vontade de morrer. Ainda via isso como a única saída, mas tinha alguma coisa diferente. Tinha alguma coisa que a impedia de tentar novamente.
Mas a raiva ainda estava ali, ainda tinha que ser aliviada em alguma coisa. Na pele. Procurou pelas lâminas nos locais que costumava deixá-las, não queria fazer barulho. Não queria que ninguém a atrapalhasse. Quase gritou de raiva, quando não encontrou lâmina alguma. Berta deveria ter feito a faxina no banheiro. Mas tinha que haver algum meio, tinha que ter alguma coisa...
Ficou ereta em frente ao espelho, já podia sentir as lágrimas se acumulando em seus olhos. Por que tinha que chorar tanto? Por que tinha que ser tão fraca?!
Ela encontrou um meio de aliviar a raiva, passava as unhas com toda a força pela pele. Pela barriga. A parte mais feia de seu corpo. Queria sangrar, mas não conseguia tirar sangue de si mesma. Então colocava mais e mais força. Chorava sem querer, emitia sons que não conseguia ouvir. Mas Miguel conseguia.
Ele percebeu que alguma coisa estava errada, levantou-se da cama e foi até a porta do banheiro. Bateu, mas não teve resposta. Só aqueles gemidos de dor que ainda continuavam, abriu a porta num rompate e ficou estático ao ver Maria naquela situação.
Parada em frente ao espelho, com o olhar tão perdido como nunca esteve antes, se arranhava com força, deixando a pele marcada pela dor e por marcas vermelhas.
– Maria para!
Mas era como se ninguém tivesse dito nada, como se ninguém tivesse entrado no local. Como se ela estivesse sozinha ali, pronta para cair aos pedaços novamente.
Miguel foi até ela e agarrou suas mãos. Maria tentou soltá-las, tentou esmurrar o peito de Miguel.
– Maria para! Você vai se destruir, você quer morrer?! - Miguel gritou, enquanto tentava contê-la.
– Quero! - ela respondeu de volta. No mesmo tom.
Miguel soltou suas mãos, estava chocado. Estava com dor e magoado. Por que continuar querendo salvar uma pessoa que faria de tudo para morrer?
Ela sentiu o peso de suas palavras só depis de dizê-las. Sentiu o quanto magoou Miguel, o quanto se magoou e o quanto continuaria magoando todos aqueles que estavam a sua volta. Ela não queria ser assim, mas era assim que as coisas eram.
Sentou-se no chão. No mesmo local em que estivera antes, abraçou os joelhos com força e fechou os olhos. Chorou em silêncio, pediu desculpas a Miguel em silêncio. E pensou que se Deus existia mesmo, por que ele não a ajudava?
– Por que Deus não deu uma garota inteira pra você? - perguntou baixinho, pensou que ela não a tinha ouvido. Mas ouviu.
– Porque eu não pedi uma garota inteira. - respondeu ao sentar-se ao lado dela- Eu pedi um amor, e Ele me deu.
Que tipo de amor ela tinha a oferecer? Sentiu as lágrimas tomando conta de sua face com mais força, ela se sentia morta por dentro. Mortos não podem amar, pessoas que querem morrer também não tem essa capacidade. Então por que?
– Porque você continua aqui?
– Porque você é meu amor. E eu não vou fugir só porque as coisas estão ruins, um vez me disseram que as coisas boas acontecem depois da tempestade.
Maria olhou para o rosto dele, sentiu o olhar dele sobre si e deitou a cabeça em seu ombro.
Era ele. O motivo para ela continuar ali, era ele.


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Notas finais do capítulo

Gente acho que mais um dois, e chegamos ao fim ):