Ele E Ela escrita por Maitê


Capítulo 26
Perdão




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Primeiro veio o branco, a luz intensa. Depois veio a confusão.
Quando Maria abriu os olhos foi atingida com força pela luz, encarou o teto branco do quarto, não sabia ao certo onde estava e tinha medo de olhar.
Não lembrava bem do que tinha acontecido, mas certamente aquele não era seu quarto.
Olhou para a esquerda, viu uma grande janela com as cortinas abertas. A luz do sol no final de tarde irradiava por todo o quarto, era um quarto simples e todo branco, quando não era branco era bege. Não tinha nenhuma cor forte ou vibrante, tudo bem sem graça.
Deu mais olhada pelo quarto e tentou mexer as mãos, uma ela conseguiu mexer levemente a outra não, alguém a segurava com força.
Olhou para a direita, e viu um homem sentado ao lado da cama onde estava deitada. Não conseguiu ver seu rosto, pois o homem matinha a cabeça abaixada. Segurava sua mão com força e mantinha a testa colada nas mãos que se encontravam. Tinha os cabelos bagunçados, os ombros curvados, estava claramente esgotado.
Estreitou os olhos, quem era aquele homem? Que lugar era aquele? Onde estava Miguel?
Miguel.
Ao pensar no nome dele ela lembrou-se de tudo, pois ele tinha sido seu último pensamento antes de morrer. Mas ela não estava morta, aquilo não se parecia em nada com o lugar para onde os mortos são mandados, seja lá que lugar fosse esse.
Deu mais uma olhada em volta e percebeu que estava em um quarto de hospital, ao ver as ataduras em volta de seu pulso esquerdo ela teve certeza de que realmente estava em um quarto de hospital. Se desesperou, olhava em volta procurando por respostas ou um rosto conhecido, e quem era aquele homem que não a soltava?
– Miguel? - chamou baixinho, esperando que ele a ouvisse e entrasse naquele quarto para salvá-la.
Ao ouvir a voz da filha, Jack levantou a cabeça para encará-la. Seu rosto estava confuso, e pela primeira vez em anos realmente reparou em seu rosto. Ela não estava toda arrumada como sempre, não tinha máscaras. Tinha olheiras abaixo dos olhos e um olhar sem vida, o cabelo estava ralo e não era tão bonito como ele pensava, olhou para as mãos da filha e percebeu como as unhas eram amareladas e lascadas. Maria estava definhando diante de seus olhos, e ele nem ao menos percebeu. Que tipo de pai ele era? Um que nem merecia ser chamado de pai.
Caiu em prantos novamente, não percebeu o quanto Maria estava assustada. Por ter sobrevivido, por não saber o que tinha acontecido, por não entender porque Jack estava ali e se perguntando se ele estava mesmo chorando. Achava que ele nem tinha essa capacidade.
Tentou soltar sua mão, mas Jack a segurava com tanta força que não foi possível.
– Oque você tá fazendo aqui?
Jack percebeu que precisava se controlar e falar. Precisava dar um jeito naquela situação e certamente não faria isso aos prantos. Abriu os olhos e com a mão livre tirou as lárimas do rosto. Respirou fundo e assumiu a pose firme que usava com tanta frequencia.
– Eu vim ver você, saber como você está filha.
– Filha? Oque tá acontecendo? - Maria perguntou com o cenho franzido, olhava em volta com confusão.
Partiu o coração de Jack ver a filha daquele jeito. Ele nem podia chamá-la assim, sem que a própria sentisse desconfiança.
– Quando Berta ligou avisando o que tinha acontecido eu peguei o primeiro voo e voltei pra cá. Pra ver você minha Flor.
– O que aconteceu com você Jack?
– Eu quase te perdi.
E desde quando ele se importava com aquilo? Devia ser mentira, ele devia estar querendo dar uma de pai do ano. Maria bufou com desdem.
– Tá Jack, fala a verdade. Oque você tá querendo?
Jack permaneceu algum tempo em silêncio, sabia que não seria nada fácil se desculpar com Maria. Mas não imaginava o quão difícil seria. Junto com a explicação de toda a situação, também viriam as lembranças. Afinal, Maria não tinha sido a única a perder sua família. A diferença é que ela não tinha culpa nenhuma, já ele...
– Nós éramos uma família não éramos? - perguntou com o olhar perdido no céu através da janela.
– Onde você quer chegar com isso?
Por muito tempo, Jack tinha sido covarde. Falso e negligente, tinha se tornado um homem totalmente diferente. Um ser desprezível, consumido pela dor. Não tinha a sensibilidade de Mike, nem a generosidade de Rosie, muito menos a capacidade de amar que Maria possuia. Um dia tinha possuido tudo isso em sua vida com abundância, mas tinha perdido tudo. Não tinha mais sensibilidade nem generosidade, e quase tinha perdido o amor.
Oque é de uma vida sem amor? Jack não queria provar desse pavor.
– Eu sei que a culpa é minha. - comeceu, e já de inicio chamou a atenção da filha- Sei que a culpa de nossa família ter se partido é minha. Não nego, e não deixo de carregar essa culpa todos os dias. Rosei era o amor da minha vida, e eu provoquei sua morte. Porque antes eu também provoquei a morte de nosso filho. Tudo porque não o ouvi!Eu acordo todos os dias e penso em como tudo seria diferente se eu tivesse ouvido meu filho, se eu tivesse deixado ele fazer o que queria. Nossa família ainda seria feliz. Você não estaria doente e eu não teria me tornado esse monstro corrompido pela culpa que nem ao menos se deu ao trabalho de olhar para a filha. E tudo porque tenho medo de me aproximar demais e causar sua morte também!
Era como se o peso que carregava em seu coração tivesse passado para o estado líquido e agora transbordasse pelos seus olhos. Os ombros tremiam a cada soluço, não conseguia mais falar, fechou os olhos com força e apertou a mão da filha um pouco mais.
– Perdão Maria Flor. Perdão por não ter sido o pai que precisava, por ter tirado as pessoas que você mais amava e por não ter mostrado meu amor por você!
– Você me ama? - ela mal conseguia acreditar em seus próprios ouvidos.
– Amo. Com todo meu ser e minhas forças.
Aquilo atingiu Maria com mais força que um soco. Seu pai a amava... Ela o amava também? Aquela altura ela nem sabia mais. Assim como também não sabia o que falar, nem como seria sua vida daqui pra frente.
– Miguel está aqui?
– Está lá fora querida..
Seria bem complicado lidar com aquelas demonstrações de carinho, se elas continuassem é claro.
– Você pode chamar ele pra mim?
– Maria eu preciso...
– Por favor Jack.
Com um suspiro Jack levantou-se e saiu do quarto. Queria ouvir que sua filha o perdoava, mas sabia que não era tão fácil. Não era fácil pra ele, e muito pior para ela. Ele seria o pai que ela precisava e teria de ter paciência.
Maria viu a porta se fechar, mas não se sentiu nem um pouco aliviada. Logo ela se abriria novamente, teria de explicar tudo à Miguel e as palavras de Jack não saiam de sua cabeça. Se sentia agitada, angustiada e com medo. O que será que ele ia dizer? Agora ele sabia que ela era uma louca... Certamente ele iria deixá-la. De novo.
Seus pensamentos foram interrompidos quando a porta se abriu novamente, por ela Miguel entrou. Entrou, fechou a porta e permaneceu ali. Tinha o olhar assustado e perdido, vestia o uniforme do time e esse estava manchado de sangue. Os olhos de Maria se encheram de lágrimas ao perceber que aquele sangue que manchava as roupas e braços de Miguel era o dela. Aquele olhar assustado e aparente cansaço foram causados por ela.
Engoliu o nó que se formou em sua garganta, teve a responsabilidade por todo aquele caos e aquele tinha que dar um jeito em tudo.
– Oi amor... - ela sussurrou, com medo do que fosse ouvir em resposta.
Mas não teve resposta, não teve som. E sim movimento. Sem falar uma única palavra, Miguel somente deu passos largos até a cama e sentou-se ao lado dela, deitou a cabeça em seu peito e abraçou como pôde. Não disse uma única palavra, somente chorou.
Ela também não disse nada, pôs as mãos em seus cabelos e fechou os olhos. O sentir contra seu corpo, sentir seu cheiro era tudo o que ela precisava agora.
– Está tudo bem amor, eu tô aqui. - ela sussurrava tentando acalmá-lo.
– Eu pensei que ia te perder! - disse entre soluços.
Maria tomou seu rosto entre as mãos e o encarou com doçura.
– Mas não deixei. Eu estou aqui, nós dois estamos. - dizendo isso, beijou seu rosto com carinho.
Miguel deitou a cabeça em seu peito novamente e chorou, dessa vez não por medo. Mas por gratidão, por Deus tê-la deixado ficar.

(.......)

– Ele disse isso? - Miguel perguntou enquanto fazia cafuné em Maria.
– Disse, e eu não sei o que fazer. - apertou a mão dele com um pouco mais de força.
Aos poucos,Miguel parou de chorar. Sentou-se na cadeira que antes fora ocupada por Jack e ouviu Maria contar o que o pai tinha dito. Se ele tinha ficado surpreso, imagine Maria.
– Eu sempre soube que seu pai não era um completo monstro.
– Desde que minha mãe morreu, eu só via ele dessa forma... um monstro. Mas depois do que ele disse hoje, eu não sei mais.
– Quer saber o que eu acho?
– Quero.
– Você ama seu pai.
Será que amava? Olhou para o rosto de Miguel, para seus olhos em busca de respostas. Mas as respostas estavam dentro dela o tempo todo. A solução de todos os problemas.
Naquele momento Maria percebeu que sempre teve escolha, e sempre preferiu o caminho mais fácil que também era o pior. Naquele momento ela percebeu o tamanho das coisas que tinha feito consigo mesma, o tamanho do arrependimento que tinha no coração por ter maltratado não só seu coração, mas também seu corpo.
Ela tinha perdido sua mãe e irmão, e escolheu também perder seu pai. Talvez se ela não tivesse assumido uma postura tão radical tudo tivesse sido diferente, não era tudo culpa dela. Claro que não, mas uma parte de culpa ela carregava sim.
Quando escolhemos não perdoar alguém, também escolhemos carregar sobre os ombros um peso morto que vai nos afundar até estarmos enterrados em terra.
Maria Flor era pesada. Arrependimento, dor, angústia, uma infinita tristeza, ilusões e perda. Tudo isso e muitas escolhas a fizeram afundar até não conseguir mais respirar.
Tinha um motivo para ela ainda estar viva. Ela estava recebendo uma nova chance para voltar a respirar.
– Você pode chamar o Jack pra mim?
Miguel apenas sorriu.
– Posso, claro que posso.
Beijou a mão de Maria antes de repousá-la com carinho na cama, sorriu antes de sair do quarto.
Maria não tinha certeza do que faria a seguir. Ela poderia se arrepender, ou poderia sorrir todos os dias por ter tomado uma decisão tão boa. Mas idependente disso, ela sentia em seu íntimo que era o certo. Que aquilo precisava ser feito para que ela pudesse viver.
Jack abriu a porta e entrou, fechou a porta em silêncio e parou a frente de Maria. Não sabia o que ela queria, por isso não sabia o que falar. Estava se sentindo vazio por dentro, sem esperanças ou ânimo. Mas precisava lutar até vencer.
Um nova esperança surgiu quando Maria finalmente falou, baixo mais audível.
– Eu perdoo você.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem e me perdoem pela demora.
Beijo meus amores!



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