As semanas que se passaram junto com o Natal e o Réveillon foram incomuns. Na escola uma rotina desconfortável foi estabelecida - Evan a levava de uma aula a outra, eles almoçavam juntos e se encontravam na biblioteca após a última aula para estudarem juntos, porque Evan tem sérios problemas de notas baixas e Enid se ofereceu para ajudá-lo.
E naquele dia na escola não foi diferente. A última aula da sexta-feira estava acabando. Enid nunca foi do tipo que ansiava pelo final de semana. Afinal deus sábados e domingos se resumiam em ver tevê e ir a casa de Dany às vezes. Nada muito, digamos, badalado.
O sinal finalmente tocou. Enid juntou seu material. Como todos os dias, Evan estava esperando por ela encostado na parede ao lado da porta. Enid o cumprimentou com um sorriso.
- Vai querer estudar hoje? - ela perguntou.
- Tudo bem pra você me explicar minha matéria sobre genética?
- Claro.
Eles foram até a biblioteca, que estava vazia porque todos os alunos estavam indo embora. Escolheram a mesa de sempre, escondida no fundo da biblioteca.
Enid explicou a tarefa. Evan fez as atividades sem esforço. Enid se distraiu lendo o livro de biologia.
- Enid? - ele chamou. Ela apenas levantou os olhos do livro. - Você tem algum compromisso hoje à noite?
Enid engasgou. Evan não podia estar perguntando isso a ela. Ela até aceitou o fato de ele ser seu marido, ele estar atrás dela o tempo todo na escola, ensinar biologia a ele... Mas sair com ele? Depois da aula? Numa sexta-feira à noite?
- Hããããã... - Enid vegetou, pensando em uma mentira. Mas ela não conseguia mentir. - Na verdade não.
- Ótimo. Você quer ir comigo ao Dooh-Wah-Wah?
Dooh-Wah-Wah é o lugar preferido dos adolescentes de Brookhaven. O lugar começou sendo apenas uma loja de doces. Anos depois, ao lado da Dooh-Wah-Wah Doces foi criada a Lanchonete Dooh-Wah-Wah, e depois o Dooh-Wah-Wah Bar & Jogos.
A comida de lá é boa, muito boa na verdade. Era melhor estar lá e se divertir que ficar em casa. Evan esperou a resposta pacientemente.
- Tá, vamos. - Enid respondeu e simplesmente o rosto dele iluminou-se.

Quando a noite chegou, Enid se preparou para sair. Evan marcou de pegá-la às 19h. Pensar naquilo para ela era constrangedor. Fazia um "encontro amigável" parecer um "encontro".
Enid vestiu-se com jeans pretos, blusa de manga vermelha e Mocassins. Deixou o cabelo solto e pôs brincos de pérolas. Não era costume dela maquiar-se muito, mas como em todos os dias, ela passou gloss e lápis de olho preto.
Ela pediu para Evan esperá-la com o carro na esquina. Não queria que os vizinhos a vissem entrando num Jaguar preto e misterioso.
Evan estava lá na hora marcada. Ele estava do lado de fora do carro mexendo no seu iPhone.
- Oi. - Enid o cumprimentou.
- Hey, Enid. - ele disse tirando os olhos do celular a observando. - Está muito linda. - Evan tirou as chaves do bolso e abriu a porta automática do carro. - Pronta?
Enid entrou no carro com um pouco de insatisfação. Evan entrou logo depois e dirigiu calmamente até o Dooh-Wah-Wah.

A lanchonete estava cheia. Enid encontrou quatro conhecidos da escola enquanto seguia a garçonete até a mesa.
Evan sentou-se de frente para ela. É óbvio que a garçonete Jogo-O-Cabelo-Pra-Te-Seduzir fez gracinhas para Evan. Mas ele estava entretido demais no celular.
- O que vai querer? - a garçonete perguntou a Evan.
- O que vai querer Enid? - Evan pratinhos.
- Uma porção média de batata-frita, cheeseburger e Coca-Cola.
- E eu vou querer pizza e Coca-Cola.
A garçonete anotou o pedido e jogou o cabelo mais uma vez olhando para Evan.
- Volto já já. - ela disse e saiu.
Enid preferiu não comentar. Evan continuou no celular por mais uns minutos. Quando finalmente guardou o celular no bolso, a garçonete trouxe a comida.
- Hum, então Enid, o que eu preciso saber sobre você? - Evan perguntou. - Claro, para o trabalho. - ele explicou quando os olhos dela arregalaram.
- Não sei. - ela respondeu. - O que você quer saber?
- Tudo. - ele prolongou a palavra. - Você mora com seus pais?
- Moro. Com minha mãe, Lion e Karl, na verdade.
- E quem são esses?
- Lion é o noivo da minha mãe e Karl é o filho dele do outro casamento. - ela explicou.
- Então seus pais são separados? - ele perguntou. Ela apenas assentiu. - E seu pai?
- Ele mora em Paris com sua noiva. - ela respondeu. - Mas e você? Como são seus pais?
Evan enrijeceu na cadeira.
- Meu pai abandonou minha mãe quando soube que ela estava grávida e ela morreu quando eu tinha 12 anos.
Enid levantou as sobrancelhas. Ela nunca iria imaginar que um menino tão jovem e rico tinha um passado tão difícil. Muito menos que ele era órgão. Mas, pensando bem, essa situação possa ser o motivo da sua rebeldia.
- Eu... eu sinto muito Evan. - Enid disse baixinho.
- Tudo bem. - Evan mordeu a pizza, voltando a ser apenas Evan. - Eu já superei.
Não, ele não tinha superado. Dava para ver nos olhos dele que aquele era o seu ponto fraco. E Enid entendia, apesar de seu pai não ser um cafajeste e sua mãe estar viva.
- Eu entendo o que você está sentindo... - Enid comentou.
- Não. Você não sabe. - apesar de irritado, a voz de Evan estava calma. - Nós não podemos mudar de assunto?
- Claro. - Enid pensou. - E como vai a sua parte do trabalho?
Evan sorriu. Era melhor vê-lo assim.
- Estou fazendo a sua lista de qualidades e defeitos.
Agora foi a vez de ela sorrir.
- Ah é? Eu quero ver.
- Tem certeza? - ele perguntou com um ar brincalhão.
- Anda, me mostra.
- Ok.
Ele mexeu no celular e depois deu a ela. Na tela estavam duas listas - defeitos e virtudes.
- Só não tá completa. - ele avisou.
Enid leu. Virtude: linda, inteligente, esforçada, paciente. Defeitos: mandona, autoritária, muito perspicaz, sensível. Ela riu.
- Desde quando eu sou "mandona"? - ela perguntou.
- Ué, você é!
- Sou nada! Eu exigiu que você tire "mandona" daqui! Faça imediatamente!
Evan riu com ela.
- Não vou tirar. - ele disse.
- Que grosseria! - ela deu o celular a ele.
- Mas você não leu as virtudes? Disse que você é linda, inteligente e esforçada. São boas qualidades.
- É. - ela concordou e rapidamente corou. - Muito obrigada.
Evan apenas sorriu torto. Os olhos dele brilhavam, e Enid quase podia sentir os olhos brilhando também.
O clima romântico pairou no ar durante o resto do lanche. Na ida para casa Enid foi ao banheiro. Lá ela viu duas das vadias que seguem os delinquentes amigos de Evan o tempo todo. Elas retocavam a maquiagem e pararam para observar Enid.
E riram. Riram de verdade. Gargalharam.
Enid ficou curiosa. Foi ao sanitário e quando saiu da cabine elas já haviam saído. Ela se olhou no espelho esperando ver alface nos dentes, ou batata-frita no cabelo, mas ela estada normal.
Evan a esperava no carro. Enid entrou e ele dirigiu de volta para a casa de Enid.

Evan parou o carro na frente da casa dela. Ele abriu a porta para ela, como um perfeito cavalheiro.
Enid saiu do carro com a ajuda dele. A noite estava fria, mas a lua crescente brilhava no céu. Algumas estrelas cintilavam. Era um cenário romântico. Enid se sentiu mexida, mas era Evan Wondervill. Ela não podia gostar dele.
- Tchau. - ela disse querendo (e não) sair do frio.
- Boa noite Enid. - Evan se aproximou.
Ele estava perto demais. Enid sentiu o hálito fresco dele em seu pescoço.
Os olhos dele eram como ímãs que atraiam os dela. A mão dele segurou a cintura dela. Ele chegou mais perto e mais perto. Os lábios deles se encostaram uma vez. Ficaram assim por alguns segundos. Depois ele se afastou, analisou a expressão dela e beijou sua testa.
Enid ficou paralisada, apenas respirando e ouvindo o coração acelerado.
Ela viu ele entrar no carro, acelerar e antes de partir ele disse:
- Tenha bons sonhos.
Ele saiu com o carro. Enid tocou os próprios lábios ainda sentindo a pressão dos lábios dele nos dela. Nem ela acreditava que tinha beijado Evan Wondervill. Ou melhor, que ele havia beijado ela.