Uma Vez Mais escrita por AnaMM


Capítulo 35
Encarando De Frente


Notas iniciais do capítulo

E vem que vem! Último capítulo do nosso aventureiro doente no hospital... por enquanto, claro. Algumas situações esperadas, outras inusitadas, o drama de sempre e a comédia inesperada de sempre, também. Espero que a espera tenha valido a pena, divirtam-se :)



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Álvaro Gabriel havia planejado tudo: o que falar, como se comportar, as piadas que faria... Entretanto, ao abrir os olhos enquanto ensaiava o discurso, viu-se ainda no corredor, parado em frente à porta fechada do quarto de Dinho. Não tinha coragem. Não sabia o que encontraria, temia ter que finalmente encarar seu pesadelo. Enquanto não o via destruído em uma cama de hospital, o perigo parecia distante, como se nada estivesse acontecendo e seu melhor amigo fosse imortal. Encarar a realidade seria seu maior desafio desde... Sempre. Não podia perdê-lo. Era seu porto seguro, seu único verdadeiro amigo, seu único irmão. Não poderia viver sem Dinho.

Lentamente, abriu a porta do quarto. Com a cabeça baixa, viu primeiro os braços de Adriano. Pálidos, mais magros do que deveriam estar e com alguns hematomas. Hesitante, levantou a cabeça aos poucos.

– Orelha?

A voz era quase a mesma. Havia adquirido uma sempre presente melancolia desde seu retorno, estava mais baixa, fraca, contida, mas era a voz de seu melhor amigo. E como era bom ouvi-lo... Ainda não sabia como havia sobrevivido aos dias sem Adriano. Se não fosse por Morgana, teria enlouquecido.

– Você passou no vestibular e não me disse nada? - O nerd brincou com a voz falha.

– Primeiro lugar em oceanografia, e você? - Dinho zombou.

Adriano percebera a hesitação na voz de Orelha. Preferiu continuar a piada a enfrentar com o amigo o que ambos sabiam que estava acontecendo. Desejava que nada tivesse que mudar, que pudesse embarcar em conversas sem sentido com seu melhor amigo como se nada tivesse acontecido, como se não estivesse com os dias contados. Percebeu em Orelha a mesma vontade. Tentava a todo custo olhar para Dinho como se fosse o mesmo de sempre. Tentou sorrir. Encararam-se por um bom tempo. Não seria possível.

Orelha virou as costas para o amigo subitamente. Dinho sentiu a queda de um precipício. Era o fim da farsa, o nerd havia se dado conta. Álvaro Gabriel não pôde mais controlar as lágrimas. Conhecendo o amigo, Adriano não falou nada. Orelha se ajoelhou onde estava, tentando controlar a dor que sentia. Chorava copiosamente, como nunca havia chorado. O nó na garganta era insuportável. Seus olhos doíam, sua pele estava completamente úmida e sua face... Dinho deixou escapar uma ou duas lágrimas. Sentia-se seco. Sentia-se um espectro de si. Não conseguia sentir, apenas observar. Queria poder parar o desespero do amigo, abracá-lo e garantir-lhe que tudo daria certo, mas sequer Adriano sabia o que enfrentaria, se poderia escapar do destino que o atormentava.

– Tá acontecendo. Não tem volta. - A voz trêmula de Orelha concluiu.

– Não.

– Se eu pudesse, eu...

– Eu sei.

– Quanto tempo?

– Não sei.

– Se você morrer-

– Não foi dessa vez, Orelha. Ainda tem tempo.

– Mas você não sabe quanto.

– Não precisa me lembrar disso.

– Então, caso o Sal te espanque de novo, você me promete que vai falar bem de mim pro Steve Jobs? - Orelha pediu inocentemente.

Dinho riu. Ambos riram. Adriano pôde, enfim, respirar aliviado. A tensão havia sido novamente vencida. Seu melhor amigo sorria, ainda rindo do pedido.

– Você tá feio demais com o cabelo raspado, já te falaram?

– A Fatinha falou. - Dinho riu.

– E a Lia?

– Disse que vai sentir falta dos cachos.

– Eu sei bem do que ela vai sentir falta, a marrentinha não me engana! - Orelha zombou.

Dinho riu. Seguiram a conversa em tom mais animado. Álvaro Gabriel parou algumas vezes para secar as lágrimas que permaneciam em seu rosto, mas não voltou a chorar. Talvez de alegria. Alegria por ainda estar com Dinho, por ainda poder rir com seu melhor amigo como nos velhos tempos. Aproveitaria cada segundo.

Adriano ainda foi visitado por Ju, por Marcela, por Paulina, por Severino, por Rômulo, por Tatá, por Raquel e por alguns que o surpreenderam. Bruno apareceu para se desculpar em relação a Fatinha e oferecer seu apoio. Adriano, claro, não perdeu a oportunidade para cutucá-lo.

– Então tudo bem se eu continuar dormindo com a sua namorada?

Bruno tentou focar no tom de piada do garoto à sua frente.

– Sim, tudo bem.

Estava selada a paz entre ambos, ou quase.

– Você vai ficar lá em tempo integral, não vai? - O moreno perguntou sem jeito.

– Eu posso ficar na Raquel quando você quiser visitar a Fatinha com outros propósitos. - Adriano respondeu sem problema, sorrindo para o ex ou atual de sua melhor amiga. - Vocês voltaram?

– Ainda não. - O irmão de Ju respondeu hesitante.

– Se você prometer que não vai fazer a minha amiga sofrer, eu posso ajudar. - Ofereceu.

– É mais fácil você fazer a Fatinha sofrer do que eu. - Bruno respondeu sem pensar. - Desculpa, foi mal.

Calado, Dinho confirmou com a cabeça. O moreno prontamente se retirou, após desejar melhoras ao garoto.

Gil não chegou a visitá-lo. Observou-o da porta, enquanto Ju conversava com Dinho. Sentia-se culpado por haver duvidado da gravidade da situação de Adriano. Vendo-o naquele estado, finalmente se dava conta do quão real era o perigo que o aventureiro corria. Acompanhou a comovida namorada de volta a onde todos estavam e desabafou com a mãe.

Como esperado, Vitor foi o último e surpreendeu Adriano, que não esperava vê-lo em seu quarto.

– Como você está? - O motoqueiro perguntou sem jeito.

– Sobrevivi. - Adriano respondeu secamente. - Como está o seu irmão?

– Preso. - Vitor respondeu ainda comovido.

A tensão tomava conta da sala. Ambos tentavam ser educados um com o outro, Vitor por sua culpa, e Dinho por agradecimento pela preocupação. Ainda assim, encaravam-se como os rivais de sempre.

– Eu vim para me desculpar, a culpa foi parcialmente minha. - O motoqueiro tentou ser direto.

Adriano não sabia o que responder. Queria culpá-lo por ser irmão de Sal, por botar a vida de Lia em perigo. Ainda assim, Vitor parecia ter boas intenções. Parecia estar arrependido como ele, Dinho, já estivera. Quem era ele para criticar alguém por botar Lia em perigo? Lembrou-se da mata por um instante e sentiu um arrepio. Sabia bem o que Vitor sentia naquele momento.

– Eu... - Adriano buscava respostas para dar ao motoqueiro. - Ele está preso, é o que importa.

– Sim... - Vitor respondeu ainda tentando lidar com a prisão do irmão.

– Eu também tenho que pedir desculpa.

– Que? - Vitor foi pego de surpresa.

– Uma vez eu me desculpei pelo meu comportamento estúpido em relação a você e à Lia. Eu não cheguei a reconhecer, no entanto, que eu... Bom, tirando as vezes que eu a beijei na sua frente desde o pedido de desculpas, entre outras situações, eu tenho te julgado, desde que cheguei, por ser o namorado da Lia. Você deve ser um cara legal, sei lá, a Lia não escolheria um idiota qualquer... Quer dizer, ela namorou o Gil, mas era de mentirinha, não conta.

Vitor ainda não estava acostumado a essa antiga Lia que não conhecera. Parou por um momento, confuso. Percebendo o incômodo do motoqueiro, Dinho continuou.

– Eu tinha esquecido que nós não conhecemos a mesma Lia. Ela mudou bastante...

– Para melhor?

– Não sei ainda... É estranho vê-la com mechas rosas e com essas roupas, mas ela continua sendo a mesma marrentinha, pelo menos comigo. Claro, tirando a parte do nosso passado tumultuado e do meu problema atual. - Dinho riu.

– Dinho, posso te perguntar uma coisa?

Encarou o silêncio de Adriano como consentimento.

– Você parece amar de verdade a Lia, quer dizer, você voltou por ela, não foi?

– Foi... - Adriano respondeu confuso.

– Como você pôde traí-la daquela maneira? - Vitor questionou de forma acusadora.

– Não sei... - Dinho respondeu com a voz fraca. - Eu juro que tento entender todos os dias, e que me arrependo mais do que pensava ser possível, e, sinceramente, eu não encontro resposta. Acho que... Eu estava fora de mim, como se estivesse em outra realidade. Era o que eu conhecia. A gente tinha brigado e... - A voz de Adriano ficava mais estremecida conforme falava.

Sentia o incômodo do nó em sua garganta e das lágrimas voltando a se formar. Pensar no erro que havia cometido com Lia o atormentava mais que qualquer doença.

– Ficar com todas, a qualquer hora, era o que eu conhecia, entende? Eu... A gente tinha brigado, a Lia tinha me expulsado da casa, da vida dela. Eu estava confuso, com raiva. Talvez tenha sido birra, talvez saudade, talvez solidão. Eu errei, está feito. Eu não sei nem como explicar, nem como voltar no tempo pra consertar. Eu só tenho esse tempo de agora, que deve ser de algumas semanas, pra tentar me desculpar, conseguir o perdão dela e ficar em paz comigo. - Dinho concluiu, secando um par de lágrimas que teimara em cair.

Vitor foi surpreendido por sua própria comoção, também tendo que disfarçar algumas lágrimas. Sentia a dor de ter permitido que Sal entrasse na vida de Lia. Entendia como ninguém o arrependimento de Dinho. Exceto que não a havia perdido como o garoto à sua frente. Lia estava fria, mas não o culpava. Adriano, no entanto, convivia com o olhar acusador da garota que amava todos os dias.

– Você não é tão horrível quanto ela fez parecer. - Vitor admitiu. - É mais maluco do que eu pensava, mas o que mais esperar de um cara que deixou Lia Martins escapar?

– Nem você é tão insuportável quando não está andando com a minha ex. - Dinho cutucou de volta. - Incomodam?

– O que?

– Os chifres que a gente te colocou. - Adriano zombou, sorrindo.

– Não tanto quanto a probabilidade da Lia voltar comigo ser muito maior do que as suas chances com ela, aposto. - Vitor retrucou.

– Não duvide da gente, Vitor. Nós já vencemos até a morte juntos.

Vitor não entendeu. Era mais uma parte da história que nunca lhe havia sido inteiramente contada do relacionamento de Lia com Dinho. Buscaria respostas aos poucos. Percebeu uma certa esperança melancólica no tom de voz de Adriano. Por mais que não morresse de amores pelo rival, não desejava o provável destino do aventureiro a ninguém. Torcia para que Dinho vencesse a morte novamente, ainda que não soubesse a que o garoto se referia. Sozinho, de preferência, apenas com a amizade de Lia, se fosse possível. Encerrou sua visita mais leve.

Dinho voltou para casa no dia seguinte, escoltado por Fatinha e por Raquel. Orelha, Fera, Pilha, e o resto dos alunos do Quadrante o esperavam no Misturama. Cansado, Dinho seguiu direto para o hostel após falar com seus amigos. A promessa de uma festa de recuperação e de boas vindas ao Rio de Janeiro atrasadas pairava o ar.


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Notas finais do capítulo

Agradeço o apoio de sempre. Os comentários de vocês significam muito! Um especial agradecimento ao Daniel, que leu 34 (TRINTA E QUATRO!!!!) capítulos direto uhashuauhs Adorei! Muito obrigada! Comentários, sugestões, críticas e "para de enrolar essa merda" ou "opaaaaa festchenhaaaaaaa" ali embaixo /