-É complicado... – Lia conseguiu pronunciar. – Se vocês me dão licença, eu vou ao banheiro.

Lia se levantou e Ju a seguiu, sob o olhar frustrado de Vitor. À sua frente, Dinho ainda recebia palavras de apoio de seus amigos e colegas. Orelha, no entanto, estava calado. Havia se afastado pouco depois de todos abraçarem Adriano e estava em um canto, olhando para o nada, em silêncio. Fatinha notou.

-Dinho? Licença, gente. – Abriu espaço entre os adolescentes para falar com o amigo. – Dinho, o Orelha. – Apontou para o nerd.

Adriano se aproximou do melhor amigo, preocupado.

-Ei, você tá quieto. – Dinho comentou. Pensou ter visto Orelha secar uma lágrima, mas não tinha certeza. – Eu não tive coragem de falar antes, não queria te preocupar...

-Me preocupar? – Orelha riu seco, com a voz rouca e falha. – Você provavelmente pegou uma gripezinha durante a viagem e o médico fez alarde por não reconhecer.

-Orelha... - Dinho repreendeu o amigo, preocupado..

-Isso acontece, meus pais também erram às vezes. Vai ver eles se confundiram!

-Orelha, por favor... – Reconheceu o estágio de negação em que o amigo estava e se preocupou.

-Para de drama, Dinho! Você tá bem! Ó – Apertou o braço do amigo. – Você sempre foi magro, mesmo, você só não comeu direito na África! Você não tá doente, você tá bem! – Segurou os ombros de Adriano para encará-lo. – Você tá bem! Feio como sempre, magro como sempre, mas isso é normal, não é? Daqui a pouco você vai estar jogando futebol de novo, perdendo todos os gols importantes e eu vou te zoar até cansar! – A voz de Orelha falhava cada vez mais, sua boca salgada por suas lágrimas. –Não é nada grave! Eu não deixo!

Dinho riu da imaturidade do nerd, os movimentos de sua expressão fazendo suas lágrimas enfim caírem.

-A gente logo vai estar zoando aquele one direction e você vai ter que estar saudável pra mandar ver com a marrentinha, fazer por merecer!

Dinho riu novamente e abraçou o amigo.

-Só você, mesmo, Orelha! Mas eu vou precisar disso, dessas suas bobagens...

-Bobagens? Você tá morrendo de saudades da sua marrentinha e de vontade de zoar o Harry Potter, que eu sei! E a única coisa que você vai precisar vai ser de proteção, pra não botar mais marrentinhas no mundo, já basta uma...

Dinho quis debochar das palavras do amigo, mas se perdeu no pensamento. Uma marrentinha correndo pela sala de seu apartamento... Lia ao seu lado, sorrindo... Conseguiria realizar esse sonho? Teria tempo suficiente? Conseguiria recuperar sua marrentinha? Acima de tudo, precisava dela agora, precisava dela sempre. Tinha que falar com Lia novamente, antes que fosse tarde.

-Por falar nisso... você viu a Lia?

-x-

Juliana foi atrás da melhor amiga, pressentindo o motivo da retirada da roqueira para o banheiro.

-Lia?

Encontrou a amiga se olhando no espelho, visivelmente alterada.

-Lia, fala comigo.

-Me deixa, Ju.

-Lia, você não tá bem, eu só quero ajudar-

-Eu já falei que eu quero ficar sozinha, Juliana! – Lia se virou para a amiga bruscamente e Ju pôde notar seu rosto inchado.

Conhecia Lia como ninguém. A roqueira tentava esconder seu sofrimento e tentaria afastá-la a todo custo, mas, como melhor amiga, Ju não poderia deixar. Falar não adiantaria nada, mas talvez... Sem falar nada, abraçou Lia com força, para que a garota não conseguisse escapar. A roqueira era mais forte fisicamente, mas estava tão abalada que se deixou abraçar. Chorou nos braços da amiga, esquecendo-se de sua fachada.

-Vai ficar tudo bem... Vai ficar tudo bem... – Ju tentava acalmar a roqueira.

-Por que ele faz isso comigo, Ju? Por que? – A voz chorosa de Lia subiu uma oitava e falhou.

-Lia! E você acha que ele ficou doente de propósito? – Juliana estava chocada com o questionamento da amiga.

-É o Dinho, ele sempre faz de propósito! Há anos o que ele mais gosta de fazer é me abandonar! E quando eu penso que terminou, ele vai lá e piora tudo! Eu odeio ele! Eu tento me afastar e ele vem atrás de mim só pra me deixar de novo!

-Lia... – Ju estava sem palavras. Em tantos anos de convívio, ainda não se acostumara com as voltas que a mente da roqueira davam que sempre terminavam em alguém a abandonando por querer. – Eu tenho certeza que o Dinho não é assim! Se você lhe der outra chance-

-Entende uma coisa, Juliana: esse garoto não presta! Eu não vou dar nem uma, nem duas chances a ele, eu quero ele longe de mim! Ele não vai me fazer sofrer de novo, não vai! – As palavras de Lia refletiam todo o rancor guardado por meses desde a partida de Adriano.

-Você já parou pra pensar que dessa vez você vai sofrer de qualquer jeito? Lia, dessa vez não depende de você. Se o tio Lorenzo não conseguir salvar o Dinho, você pode perdê-lo mesmo sem ter lhe dado uma segunda chance! Você pode perdê-lo da África, do Rio, odiando ele ou o amando. – Parou para analisar a reação de Lia. A garota parecia confusa, sem chão.

-É como se eu não parasse de perder o Dinho... Quando eu acho que superei, ele volta, traz tudo que eu tentei ignorar à tona e me pisa de novo, sapateia, dança o frevo em cima de mim. É como se com essa doença ele tentasse acabar com o resto de vida que eu tinha. Ele me jogou fora e, agora, voltou pra amassar ainda mais, pra jogar ainda mais perto da sarjeta. E essa dor não acaba...

-Lia... – Ju voltou a abraçar a amiga. – Se você vai sofrer de qualquer jeito, por que não aproveita enquanto pode? Fica com ele, vive esse amor enquanto ele ainda está aqui... Se você vai sofrer perto ou longe dele, pelo menos escolhe a opção da qual você não se arrependerá depois. Vocês se amam, todo mundo vê isso! Essa sua teimosia só vai aumentar a dor!

Lia se desvencilhou de Juliana.

-Eu não posso!

A it-girl estava prestes a argumentar quando tocou o sinal anunciando o término da manhã.

-Independente do que você escolher, eu vou te apoiar, ok? Desde que a escolha realmente te faça bem. – Juliana falou encarando a melhor amiga uma última vez antes de sair do banheiro. – Espero que você aproveite esse tempo sozinha pra pensar no que eu te disse.