Lorenzo, Marcela e Gil tomavam café da manhã na sala quando Lia finalmente apareceu. Normalmente demorava para acordar, mas aquela manhã tinha uma justificativa. Tivera uma noite agitada e todos estavam a sua espera para saber como estava.

-Vem, Lia, senta aqui com a gente. Como é que você tá? – Marcela chamou a enteada.

-Melhor, eu acho... Sei lá, é estranho ainda... Não é uma informação normal, sabe?

-Eu pensei que você não se importasse com ele.

-Gil! É claro que a Lia se importa! O ex-namorado dela tentou cometer suicídio, nem que ela de fato o odiasse ia ficar inalterada!

-Ei! Eu odeio o Dinho, que fique bem claro!

-Aham, sei... Bom, vocês que se entendam, Lia, mas o importante agora é que algo grave aconteceu e eu, pelo menos, estou disposta a ajudá-lo. Não é normal um garoto de 18 anos, por mais que esteja nessa situação, queira encerrar sua vida precocemente.

-Que situação? – Lia reparou no deslize de Marcela.

-Como eu disse, vocês têm muito que conversar...

-Esse Dinho é ridículo, ficar fazendo drama assim porque a Lia não quer voltar com ele!

-Já chega!!! – Marcela se levantou – Gil, eu não te criei pra ser desse jeito!

-Por que você sempre defende o Dinho, hein? Aliás, por que vocês dois sempre defendem aquele idiota que só fez a Lia sofrer?

-Eu sei me defender, Gil, valeu. Olha, cansei. Eu tô indo pra aula, um bom dia pra vocês.

Lia se retirou.

-A gente precisa conversar. Agora eu sei que não vai dar tempo, mas quando terminar a aula. Eu não quero brigar com você, filho...

-Pra sua informação, o santinho que você defende sempre implicou com o seu filho e fez a sua enteada chorar por meses escondida.

-Eu sei o que o Dinho fez e ele errou. Não tente vingar a Lia cometendo erros também. Como ela disse, ela sabe se defender. Já ele... Bom, quanto a ele a gente tem que conversar seriamente mais tarde. Agora vai pra aula, vai. Te amo, Gil, você é o meu filho e eu vou estar sempre do seu lado, eu espero que você não esqueça isso. Eu só não admito que você diminua o sofrimento dos outros por implicância.

-x-

Lia não sabia ainda como encarar Adriano no colégio. Ainda estava em choque pelo que soubera por Lorenzo e Marcela e não sabia o que pensar, o que fazer... Não entendia como podia temer tanto a morte de alguém que, para ela, já estava morto. Não que quisesse a morte de qualquer pessoa, jamais desejaria isso a seu pior inimigo, era o sentimento de perda que não reconhecia. A tristeza de nunca mais poder ver aquele que nunca mais queria ver... “Tantos anos de terapia pra acabar assim...” Lia riu.

-Rindo sozinha, Marrentinha?

Lia levou um susto ao ouvir a voz de Dinho ao seu lado.

-E-eu... Não é da sua conta!

A roqueira acelerou o passo, tentando fugir do garoto, mas Adriano não deixou por menos e a alcançou.

-Por que você sempre foge, hein?

-Por que você fica me seguindo?

-Olha, Lia... Eu sei que eu errei. Eu não encontrei o boneco Ken, digo, o Vitor ainda, mas eu quero me desculpar com ele também. Eu sei que ele é seu namorado, por mais que me doa, e que...

-A gente terminou. Por sua culpa, satisfeito?

-Muito! Quer dizer... É... Sinto muito.

-Você é muito cara de pau, mesmo! Nem sei como eu pude me sensibilizar tanto com-

-Com...? – um sentimento de esperança cresceu em Dinho, que aguardava ansiosamente a resposta do que comovera a ex-namorada.

-Dinho... Eu quero deixar bem claro que eu não te perdoei, que eu ainda te odeio e que eu tô morrendo de vontade de arrancar o seu pescoço, mas... Por que? – Lia olhou fundo nos olhos de Adriano, temendo a resposta. Precisava saber. Teria ela alguma ligação?

-Por que o que?

-O meu pai contou o que aconteceu de verdade naquele dia... Que você... Que você tentou... é...

-Você diz o motivo dele ter me sedado?

-Isso. – Lia sentiu um alívio ao não ter que juntar as palavras exatas na frente do garoto, sabia que não conseguiria manter a pose de durona por muito tempo.

-Ele não disse o porquê, só o que aconteceu? – Dinho tremia, quase gaguejando.

-Só... – olhavam-se fixamente em frente ao portão do colégio. Alguns estudantes prestavam atenção nos dois, curiosos.

-Então chegou a hora... – parou por um momento – você me encontra hoje no final da tarde?

-Ô Dinho eu não acredito que vocêquer se aprov-

-Eu tenho tentado falar com você desde que eu cheguei, mas não é algo pra ser explicado aqui na frente do colégio, muito menos sedado no sofá da sua sala! Lia... Me escuta: eu preciso desse momento. Talvez você esteja se questionando muitas coisas desde que eu cheguei-

-Como se eu dedicasse tanto do meu tempo pra você...

-Você tem dúvidas, eu sei que tem. Muitas coisas estranhas não devem ter passado batidas, você é mais observadora que isso. Aliás, você mesma que perguntou por quê eu fiz aquilo! Olha, eu juro que eu não vou tentar tirar vantagem da sua aproximação, nem tentar te pressionar a nada, eu só quero que você me encontre hoje ao final da tarde pra que a gente possa... – doía dizer, mas era necessário. Não queria que fosse assim, mas para que Lia aceitasse... – pra que a gente possa encerrar o assunto de uma vez.

Lia ficou surpresa com a atitude de Dinho. Uma parte de si havia sentido um baque ao ouvir de Dinho que o garoto queria encerrar a história deles, fechar os pontos em aberto de vez. Outra sentiu-se aliviada. Talvez assim pudesse deixar a sombra do ex ir e se acertar com Vitor, que era tão mais seguro e correto para ela.

-Tudo bem...

Dinho sorriu de maneira amarga, temendo que Lia realmente quisesse apenas encerrar tudo e cortar relações.