Lia estava a caminho da sala de aula quando foi abordada por Vitor.

-A gente mal terminou e você já está com esse cara?

-Eu vou encerrar tudo com o Dinho hoje. Aquela conversa que você falou que a gente devia ter vai rolar hoje, mas não aqui no colégio. Se tudo der certo eu vou dar um basta nessa história e você não vai mais precisar se preocupar.

-É isso mesmo que você quer?

Lia parou por um momento e desviou os olhos de Vitor. Sabia o que era melhor para ela, como sabia que ainda havia uma voz distante que lhe implorava para não encerrar de vez as coisas com Dinho. Infelizmente ainda o amava, mas não podia sofrer novamente por ele e tinha certeza que era isso que iria acontecer. Se lhe desse outra chance, por mais que seu corpo e seu coração implorassem por isso, Dinho iria traí-la novamente. A primeira recaída que teve com o garoto, por culpa de seus hormônios e a segunda, de seus sentimentos, mas não cederia novamente. Seria forte.

-Sim, eu quero estar com você.

-x-

As aulas passaram lentamente. A ansiedade pela conversa com Lia ocupava a mente de Dinho, que não conseguia se concentrar em nada, a não ser na garota de mechas sentada no outro lado da sala. A roqueira havia mudado desde a última vez que se viram. As mechas azuis deram lugar a mechas rosas ou roxas, não conseguia identificar direito. Lia agora usava uma maquiagem mais acentuada, estava mais feminina. Não tinha mais o brilho de antes, ainda que suas roupas estivessem mais leves e coloridas. Parecia que a roqueira queria compensar a apatia através de seu visual, para que não notassem o que Dinho via. Lia estava mais frágil, não era mais marrenta como antes. Pelo menos não com os outros...

Vitor percebeu o olhar fixo de Dinho em sua ex. Ainda não entendia como alguém poderia fazer o que ele fez com Lia. Notava, pelo jeito como Adriano a observava, que o garoto se preocupava com ela, mas então porque a fez sofrer? Desde a chegada do ex de Lia, Vitor tentava entender os dois. Tudo o que sabia antes era que Lia dizia odiá-lo e que sofria muito pelo que ele fizera. Que Dinho havia sido um canalha que a enganara, assim como, mais tarde descobriria, traiu Juliana também. Via o aventureiro como um verdadeiro monstro pelos relatos da roqueira e depois pelos de Ju, mas a influência que tinha sobre a garota era o que mais o irritava. Mal viu Adriano e Lia correu para seus braços, traindo o namorado em seguida, levando o garoto para a cama a poucos metros de distância de Vitor. Naquele momento, o garoto de olhos azuis percebeu o quão difícil seria para Lia lutar contra o que sentia ainda pelo ex-namorado e decidiu permanecer ao seu lado.

Nos dias que se sucederam, Vitor esteve presente em diversas discussões entre os dois. Foi quando percebeu como a garota era diferente com o ex. O garoto finalmente entendia por que Orelha, Fatinha, Fera e Pilha a chamavam de marrentinha. A roqueira se tornava marrenta, explosiva, agressiva perto do ex. Parecia que uma nova Lia surgia ou voltava à superfície, uma Lia completamente diferente da que conhecia. Virava uma garota difícil, defensiva, mas ao mesmo tempo, por mais que lutasse, por mais que Adriano fosse o motivo pelo qual sua guarda estava alta, era também capaz de hipnotizá-la, de imobilizá-la como ninguém. Não costumava ver Lia sem palavras, no entanto, mesmo sendo muito mais arisca com Dinho que com qualquer outro, mesmo lhe respondendo com marra a cada frase, Adriano era também o único que a calava. Vitor entendia cada vez menos a dinâmica dos dois.

Observou Dinho com seus amigos no intervalo. Não entendia como Lia podia ter namorado o melhor amigo de Orelha, isso deveria dizer muito do caráter de alguém. Tampouco entendia como Fatinha podia ser tão amiga do garoto. A funkeira era tão legal... Como poderia se dar tão bem com aquele canalha? Voltou a notar, contudo, que, como notara no dia em que Dinho voltou ao colégio, o garoto parecia unir os alunos do Quadrante. Eram todos em volta dele, e pareciam amigos de infância. Muitos eram, na verdade. Como percebera no primeiro dia, por mais que Adriano não prestasse, parecia dar vida ao colégio. Voltou sua atenção para Ju, Gil e a roqueira, com quem estava sentado nas arquibancadas. A garota desviava o olhar para Dinho regularmente e voltava a atenção para o grupo, quando percebia que haviam reparado.

Repentinamente, Lia pareceu prender a respiração. Vitor olhou na mesma direção que a garota e viu Adriano se aproximar do grupo.

-Tá perdido? – Gil perguntou cordialmente.

-Quer uma dica? Cala a sua boca, que eu vim falar com o Vitor. – Dinho sorriu debochado.

-E o que você quer comigo?

Lia parecia já saber do que se tratava, mas, ainda assim, estava surpresa.

-Eu queria me desculpar pelos últimos dias. Eu realmente passei de todos os limites.

-Passou mesmo. – Gil estava hostil. Como ele se atrevia? Depois de tudo que fez ainda insistia em se fingir de educado para impressionar a Lia!

Dinho ignorou o grafiteiro.

-Lia, eu vou ter que trabalhar à tarde, então a gente pode se encontrar pelas cinco, seis horas?

-Tudo bem.

Dinho acenou com a cabeça e seguiu para a sala de aula, sendo seguido pelo grupo.

-x-

Vitor passou pelo hostel para falar com Fatinha, precisava desabafar. Ao chegar, deu de cara com Adriano no quarto da amiga.

-Oi, Anjo!

-Anjo? – Dinho não se conteve com a breguice e começou a rir debochadamente.

-Para, Dinho! Ele é um anjo comigo sim, tá? Me ajudou um monte!

-Tá certo... Se vocês me dão licença, eu tenho que trabalhar. – Adriano saiu ainda rindo.

Vitor notou o colchão ao lado da cama.

-Ele está dormindo aqui?

-Sim, ele é meu novo companheiro de quarto! – Fatinha sorriu. – Então, tá tudo bem com você?

-Como você consegue ser amiga desse cara, hein?

-Vitor... Eu sei que a Lia deve ter feito a caveira do Dinho pra você, mas ele não é o cafajeste que você pensa. Ele errou muito com a garota que ele amava, mas ele era o único que me respeitava antes de você chegar. O Dinho era o meu único amigo.

-E desde quando ele respeita alguém?

-Você não o conhece, Vitor. Você só conhece a versão da Lia e, acredite em mim, ele está arrependido até hoje pelo que fez. 

-Ele te abandonou também quando foi embora.

-Eu sei, mas compreendo perfeitamente. O Dinho sentiu o que eu sinto agora por causa do Bruno. Dói muito decepcionar a pessoa que a gente ama, perdê-la por um erro nosso e... Principalmente no caso do Dinho, ele fez a Lia sofrer muito e sabe disso, sempre soube. Agora eu entendo que ele não teria agüentado mais um dia vendo a marrentinha sofrer por sua causa, então sumiu. Foi atrás do sonho de conhecer o mundo, pra não mais atormentar a garota que amava e ainda ama.

-Então se ele tomou essa atitude tão nobre, por que voltou?

-Por que ele percebeu o mesmo que eu: o mundo pode ser imenso e diverso, mas nós ficamos vazios quando amamos alguém por inteiro e o perdemos. Ele resolveu lutar por ela, por fazê-la feliz novamente, ao invés de impedi-la de sofrer.

Por um instante, falando assim de Dinho, Fatinha pareceu despertar. Era aquilo que devia fazer: lutar pelo perdão de Bruno com a mesma coragem de Adriano.