Lia oscilava entre não querer nem olhar na cara do ex e não conseguir tirar os olhos dele. Assistia ao jogo de futebol com o pretexto de ver o namorado jogando, mas prestava mais atenção no que Dinho fazia, mesmo que inconscientemente. Reparou como o aventureiro tinha ficado fora de forma, provavelmente por não jogar há tanto tempo. Ficava cansado mais facilmente, estava mais magro, menos vívido... De repente, Lia notou uma alteração no comportamento do garoto. Seguiu o olhar de Dinho e Vitor corria em sua direção com a bola. Um arrepio correu a pele da roqueira ao ver a expressão no rosto do ex e em poucos segundos Dinho empurrava Vitor com o corpo fortemente, indo ao chão. Em outros tempos, Adriano teria facilmente derrubado o moreno, mas algo estava errado. Dinho não levantava. Lia correu até o aventureiro, preocupada, sem nem olhar como estava o namorado, que levantava do chão. Segurou a cabeça do ex, passando a mão pelos cachos do garoto, como fizera um ano antes. Uma lágrima solitária caiu em seu rosto, mas Lia rapidamente a secou, tentando esconder qualquer sentimento. Não entendia o que estava acontecendo, nem por que estava tão abalada. Deveria estar com raiva do que Dinho fez e bater a cabeça e desmaiar era o castigo que o garoto recebia por haver atentado contra o namorado da roqueira.

Fatinha estava do outro lado do corpo de Dinho, gritando que o garoto acordasse, enquanto Fera se oferecia para levar o amigo até a enfermaria e Pilha chamava Robson. Orelha, para a surpresa de todos, não estava mais filmando. Estava atirado em um canto, com as mãos na cabeça, tentando se convencer de que estava tudo bem. Todos cercavam Dinho, Lia e Fatinha e Vitor tentava chamar a namorada. Adriano finalmente movimentou a cabeça, ainda de olhos fechados, e Lia rapidamente se afastou, mudando subitamente de expressão. Dinho abriu os olhos e a raiva finalmente chegou a Lia, que não acreditava no que o ex havia feito.

Dinho foi levado por Fera, Robson e Fatinha para a enfermaria, enquanto Lia checava como estava Vitor, que não havia sofrido nenhum dano aparente, mas estava dolorido da queda. Todos estavam chocados com o que haviam presenciado e o burburinho era alto. Robson tentou convencer os alunos a voltarem para as suas salas e Dinho foi levado ao hospital.

–x-

Após passar o resto da manhã no hospital examinando o garoto, Lorenzo guiou Dinho até o hostel. O garoto andava cabisbaixo pela rua, seguido pelo médico, pensando em sua situação. Dificilmente voltaria a ver sua família, todos deviam odiá-lo pelo que fez no colégio nos últimos dias, estava com os dias contados e, mesmo que vivesse um milhão de anos, Lia jamais o perdoaria. Estava perdido, não agüentava mais. Havia estragado tudo meses antes e só piorou tentando consertar. Era um errado. Talvez todos estivessem muito melhor com o Vitor, tão certinho, que com seu retorno. Seus pensamentos foram interrompidos pela voz de Lorenzo, que estava possesso.

–Seu moleque irresponsável! Onde você estava com a cabeça? Você quer morrer?

–QUERO!!!

Lorenzo parou no meio da rua, chocado, olhando para Dinho, esperando perceber o que acusasse a brincadeira.

–Dinho, isso é sério. Tanta gente precisando de ajuda e você que tem a oportunidade de se tratar fica jogando com a sorte...

–Eu estou sério, Lorenzo.

O médico notou as lágrimas do garoto que começavam a cair sem controle.

–Eu nem deveria ter pedido a ajuda de vocês em primeiro lugar... Não sei onde eu estava com a cabeça quando resolvi voltar! Por que vocês não me deixam morrer de uma vez? Vai doer menos.

–Dinho...

Lorenzo estava boquiaberto, não sabia o que fazer. Se aproximou do garoto e viu que Dinho agora segurava o vidro com as cápsulas que deveria tomar.

–É só me dizer quantas.

–O que? Dinho, você não está pensando em...?

Tarde demais. O garoto estava com todas as pílulas do remédio em uma mão, que levava à boca. Lorenzo percebeu em choque que sua suposição estava correta e avançou no adolescente, segurando seu braço à força, a poucos centímetros da boca de Dinho, que tentava se soltar. O médico segurou o garoto prendendo seus braços e gritou por Nando enquanto Dinho se debatia animalescamente, seus olhos vermelhos e o rosto úmido.

O dono do Misturama segurou o garoto pelas pernas, enquanto Lorenzo o segurava pelo tronco, prendendo seus braços, e levaram Dinho até o apartamento de Marcela, onde o médico guardava sedativos. O garoto ainda tentava se soltar, enlouquecido. A professora, Gil e Lia conversavam na mesa da sala, e os jovens riam do acidente culinário de Marcela algumas horas antes. As risadas foram interrompidas por batidas na porta e o som frenético da campainha. Marcela correu para atender, preocupada, e se deparou com Lorenzo e Nando carregando um Dinho desesperado. Lia se levantou subitamente ao ver o ex-namorado naquele estado e correu até o sofá, onde os dois homens seguravam Adriano enquanto esperavam que Marcela voltasse com o sedativo.

O garoto precisou ser segurado por mais alguns minutos até o remédio fazer efeito. Lia olhava a cena apavorada e até Gil parecia preocupado. Marcela questionava Lorenzo, que não tinha coragem de falar na frente da filha. A roqueira acariciava o rosto do ex discretamente, tentando segurar as lágrimas para preservar o pouco de dignidade que lhe restara naquela casa. Mexia nos cachos que se enrolavam perfeitamente em seus dedos, como sentira falta dele... Era tão inofensivo naquele estado e ao mesmo tempo evocava tantos sentimentos controversos na garota... Perdeu-se em tempo e espaço observando Dinho dormir, esquecendo por mais aquele momento de questionar Lorenzo.