A Ilha De Circe: Fênix escrita por Daughter of Apollo


Capítulo 14
Sozinho


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal.



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Aiden

– Ainda estou decidindo se continuar é uma boa ideia – disse Bia com os pés enterrados no lodo.

– Alguém precisa fazer o trabalho sujo – retrucou Caeliora.

– Meninas...

Imundo. E perigoso – Bia torceu o nariz para o chão, ainda tentando desenterrar os pés enquanto Caeliora a ajudava.

– Devem ter colocado terkán nos riachos. Esse veneno contamina vastas áreas, e tanto animais como plantas são prejudicados. No caso das plantas, também as torna venenosas. É perfeito para aqueles que querem conquistas ou destruir cidades inteiras, funciona muito bem e pouca coisa pode pará-lo. Basta apenas colocar na água.

– Meninas...

– Ele foi proibido, não? – Perguntou Bia, depois arrancou o primeiro pé da lama. – A forma de prepará-lo foi banida das escolas e os professores não mais o passaram às futuras gerações.

– Sim. Provavelmente...

– Meninas! – Gritei. Um grito abafado. Elas pararam e olharam para mim, querendo entender minha súbita interrupção. E eu o disse, em voz contida – Aquela pedra está se movendo.

Bia seguiu meu olhar e empalideceu. A coisa sacudiu-se um pouco e voltou à inércia, e foi o suficiente para eu pousar a mão no cabo da espada. O lugar deixava-me nervoso. Selinos nos mandara para cá, e a suntuosa floresta que rodeava sua casa de repente transformou-se em um pântano malcheiroso repleto de plantas venenosas e bichos feios. Muito feios.

Ela disse que precisávamos enfrentar uma prova de coragem e resistência para encontrar o Guardião oculto na floresta, nos entregara armas e mantimentos e nós partimos. Devo dizer que, mesmo para uma feiticeira, foi engraçado ver uma senhora retirando armaduras de um baú.

– Falem baixo – sussurrou Ca – Vamos contorná-lo de uma boa distância e continuar indo para o sul. Não façam movimentos bruscos ou muito barulho. Aquilo é um monstro de pedra adormecido. Com sorte...

A rocha gigante moveu-se e soltou um grunhido assustador. Ca não terminou a frase, ciente de que nossa sorte ali era pouca. Nós desviamos o percurso para a esquerda e depois retornamos ao caminho normal. O pântano era muito estranho, e provavelmente péssimo para se viver. Raízes de árvores brancas e assustadoras elevavam-se na altura de nossas cabeças, as pontas enfiadas na lama, os galhos de cima se unindo, e isso tornava quase impossível a passagem da claridade. Uma névoa fria e agourenta pairava indefinidamente por ali e eu me perguntava se era tóxica.

Felizmente, estávamos de botas.

Eventualmente, um pássaro ou um bicho qualquer fazia barulho. Eu torcia para que fosse apenas um animal.

Então, algo aconteceu.

Num momento, nós estávamos caminhando com cuidado e no outro, um som assustador preencheu nossos ouvidos. Tratava-se de um relinchar misturado com grunhido animalesco que veio de algum lugar perto de nós. Paramos o avanço, os corações batendo rápido. Eu sentia o meu martelar contra o peito, tanto que me perguntei se Bia e Caeliora o estariam escutando. Meus dedos roçaram no cabo da espada presa ao cinto, prontos para qualquer coisa. Mas o que quer que fosse, não apareceu.

A tensão cobriu o ar como aquela névoa esbranquiçada. Nenhum ruído se seguiu, nem mesmo os de bichos, e mal ousávamos respirar.

Esperamos um minuto ou mais, parados. Enfim, Caeliora quebrou o silêncio:

– Vamos continuar.

Prontamente, nos pusemos a fazer isso. Meus olhos estavam alertas a qualquer coisa suspeita na paisagem tenebrosa. Não trema, não trema! Eu rezava, pois a atmosfera me causava arrepios. Cada passo era mais assustador que o outro. Claro que eu não admitiria em voz alta, principalmente para duas meninas. E principalmente para Bia.

Paramos na margem de um rio lamacento. A vegetação da nossa margem parecia impossível de se atravessar, os galhos eram emaranhados demais. O único caminho livre era o rio, que felizmente não tinha uma profundidade muito além da minha cintura.

– Temos que ir por aí – eu disse, olhando a água fedorenta.

– Argh – Caeliora torceu o nariz – Bem, acho que é o único jeito...

Caeliora eu sacamos nossas espadas entramos no rio, mas Bia bateu o pé e ficou parada na margem.

– Eu. Não. Vou. Entrar. Nessa. Água.

Caeliora respondeu:

– Vamos, Bia, você sabe que é preciso. Temos que seguir em frente, e não iremos sem você. Tenha coragem.

O rosto de Bia estava branco como leite. Ela tonteou, então apoiou o braço no galho de árvore mais próximo. Quase no mesmo instante tirou a mão, pois do galho escorria uma seiva pegajosa e malcheirosa que grudou em seu antebraço inteiro.

Ela choramingou e olhou novamente para o rio. Eu me aproximei dela, a garota não estava bem. Bia curvou-se e começou a respirar com dificuldade. Firmei-a pelos braços, mesmo aquele cheio da coisa grudenta – Eca! – E olhei em seus olhos verdes, tentando passar alguma confiança. Olhos verdes como o oceano.

– Vai ficar tudo bem. Estaremos do seu lado. Eu vou proteger você.

Não sei o que me levou a dizer aquilo, mas ela aceitou. Encarou a coisa e, comigo ainda a apoiando, entrou na água. Eu a soltei e deixei que Ca a ajudasse.

Voltamos a andar. Um cheiro estranho pairava no ar, no entanto, parecia tudo bem. A extensão do rio, mesmo com fraca correnteza, se provava cada vez mais longa, e eu ficava cada vez mais cansado de andar. Havíamos feito isso desde o amanhecer.

Eu pensei sobre os acontecimentos. A missão em Atenas se distanciou na minha mente, como se houvesse ocorrido há muito tempo. Os mortos se levantando, porém, continuavam a povoar minha cabeça. Me dei um tapa em pensamento. Eu não queria lembrar daquilo e sim resolver o problema. Ariella, Dreah, Cedal, Valentine e o resto da equipe podiam estar mortos, e todo o mundo estará também se não conseguirmos completar nossa missão. Selinos nos dissera que existia um guardião na floresta, eu só esperava que o derrotássemos o quanto antes. Se bem que poderíamos demorar uns dois dias para encontrá-lo, segundo o que a anciã nos informara.

Será que dispúnhamos de todo esse tempo?

A prova do grande avanço do nosso misterioso inimigo estava na própria floresta, que definhava. A terra está morrendo e os deuses, desaparecidos.

– Aiden, cuidado!

O grito de Ca me arrancou dos meus devaneios. Ela se chocou com força contra mim. Eu quase caí na água, não fosse ela ter segurado a minha mão. Alguma criatura estranha passou bem no lugar onde eu me encontrara um segundo antes e submergiu em seguida. Eu não consegui vê-la direito, contudo, meu sangue gelou nas veias.

– Nossa, obrigada. Salvou minha vida – arfei, ainda olhando o lugar onde a coisa afundou.

– De nada.

– Esse lago deve estar infestado – Bia falou e olhou para todos os lados.

A expressão de Caeliora tornou-se séria e determinada.

– Vamos chegar rápido à...

Ela não completou a fala. De repente, alguma coisa a puxou para baixo e ela afundou com um grito estrangulado, deixando-nos atônitos.

– Caeliora! – Gritamos e passamos a vasculhar a água. Mergulhei, desesperado, para tentar encontrá-la, mas no fundo não havia nem sinal dela. Achei apenas a espada que ela deixara cair. Bia entrou em colapso, procurava furiosamente por todos dos lados e gritava pela amiga.

Chamamos por seu nome várias vezes e continuamos por um bom tempo, sem sucesso nenhum. Ela simplesmente desaparecera. Eu fiquei desesperado.

– Aiden – Bia colocou a mão em meu ombro quando me preparei para mergulhar novamente – Não há o que procurar. Ela se foi.

Eu a fitei. Bia tinha uma expressão pesarosa no rosto, no entanto uma expressão determinada também, que quase suplantava sua tristeza. Seus cabelos ruivos estavam sujos de lama e barro.

– Tem razão – suspirei. Acho que nunca na vida me senti tão derrotado quanto naquele momento, quando uma amiga precisava de mim e eu não podia ajudar. Parte de mim aceitou que não havia o que fazer, que eu precisava continuar – A prioridade agora é alcançar a outra margem.

Ela assentiu. Não faltava muito agora. Corremos – o máximo que conseguíamos naquele rio – os últimos cinquenta metros e subimos em terra.

Meu desejo era voltar lá e procurar Caeliora, porém, de algum modo, eu sabia que não daria certo. Ficamos um tempo na margem, visualizando o rio como se dele fosse sair Ca, nos dizendo que era mais sensato sairmos de perto da água. Depois de uma eternidade de nós dois arfando e paralisados, Bia disse:

– Deve ter algum jeito...

Eu sabia o que deveríamos fazer em seguida. E não era isso. Tínhamos que cumprir nosso dever. Guardei a espada de Caeliora e segurei a minha.

– Vamos continuar – eu repliquei – Não há o que ser achado ali.

– Mas...

– Vamos, Bia. – Eu a cortei – Não adiantará. Eu sei que é difícil. Fico furioso só de pensar. Precisamos completar a missão.

Ela baixou o rosto e fechou a expressão, depois fitou novamente o rio de águas turbas e lamacentas. Ela compreendera o que eu sentia e conhecia a verdade, sabia que era necessário.

– Certo, vamos.

Nos pusemos a caminhar novamente por entre aquelas árvores feias. Eu me sentia terrível, com o peso do mundo nas costas, com a vida de uma amiga para carregar. As tentativas de focar no dever eram falhas, pois pensava em Ca o tempo inteiro. Não parecia justo que não a procurássemos. Não parecia justo que simplesmente a abandonássemos dessa forma.
O pesar preenchia minha cabeça e me impedia de raciocinar com clareza. Eu mal enxergava o caminho à frente, de tão conturbado que estava. Num dado momento, Bia quebrou falou:

– Diga-me...

Olhei para ela. Ouvi-la era bom, me distraía e quebrava a monotonia.

– O quê?

– De onde você veio? Quer dizer, antes de chegar à Ilha. Você sempre foi tão fechado quanto a isso. Não que eu queira xeretar sua vida, é que eu só...

Eu ri. Um riso estranho, dadas as circunstâncias.

– Um vilarejo perdido por aí. Nada grande demais.

– E por que nunca disse que era filho de Hades?

Senti um aviso ecoar na minha cabeça: Pare, não conte nada. Eu o ignorei. Uma sensação desconfortável me atingiu. Eu a ultrapassei e respondi:

– Um dia, o vilarejo foi atacado por persas. Eles o destruiriam, não fosse eu ter invocado os mortos, matado e afastado os soldados. Mas ninguém viu aquilo com bons olhos. Me chamaram de demônio e coisas piores e começaram a insultar minha mãe. Isso piorou com o tempo. Um dia, dois mensageiros de Circe chegaram ao vilarejo e minha mãe os ajudou a se hospedar, já que trabalhava na única estalagem do lugar. Ela os ouviu falando sobre a Ilha, magia e essas coisas e pediu ajuda. Ela contou para eles que eu sabia fazer coisas sobrenaturais. Então, eles me levaram para a Ilha de Circe e passei a morar lá.

– Você deve sentir muita falta dela. E deve ter sido muito difícil.

– Eu sinto saudades sim, porém penso que foi mais difícil para ela. Minha mãe conversou comigo antes de eu partir, disse que eu poderia me tornar um soldado e que seria o melhor para mim, que eu aprenderia muito. Eu concordei.

– E se arrepende?

– Do quê? – Fiquei confuso.

– De ter partido.

– Não. Eu gosto da escola de magia, esgrima e da companhia de vocês.

Bia assentiu e não fez mais perguntas. Passei a prestar atenção no caminho. De repente, ouvimos um barulho. Três cavalos apareceram na nossa frente. Eram grandes e marrons e suas crinas eram longas e arredias.

Bia e eu paramos.

– Será que são perigos?

– Suspeito que sim. Vamos só ignorá-los e passar...

Bia não ouviu. Ela se aproximou do cavalo do meio calmamente, as mãos levantadas e a voz doce:

– Ei garoto, de onde você vem? Está perdido nesta floresta, como nós?

O cavalo se aproximou dela e deixou ser acariciado amigavelmente. Revirei os olhos. Por que as meninas não escutam? Aquele bicho bem podia ser uma ameaça. Que droga.

Um dos outros dois cavalos chegou perto de mim, farejou o ar e dirigiu o focinho na direção do meu rosto.

– Ei, ei, vá com ela, eu não quero.

O cavalo não ouviu também. Bia dava atenção para o restante, falava com eles como se fossem bebês. No momento que eu ia dizer para irmos andando, aconteceu algo que eu sempre me culparia por deixar acontecer.

O cavalo me atingiu em cheio no peito com a sua cara e eu caí no chão dolorosamente. Bia gritou e os bichos relincharam. Era um grunhido misturado com relincho, o que me lembrou o barulho que ouvimos mais cedo.

Vi dois cascos descendo direto até minha cabeça e desviei para o lado no último segundo. Num pulo estava de pé, contudo, os outros se afastavam empurrando Bia com eles.

O cavalo que me atingira tentou novamente e eu perfurei fundo seu pescoço com a espada. Sangue escorreu, o bicho empinou e caiu no chão.

Eu ouvi dos cavalos correndo. Bia não estava ali, não estava em lugar nenhum. Disparei desesperado na direção que julguei que tomaram e segui suas pegadas. Após alguns metros eles entraram em uma área particularmente inundada e as marcas de cascos desapareceram.

Eu não acreditei. Eu estava sozinho.


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Notas finais do capítulo

Até mais pessoal.



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