A Ilha De Circe: Fênix escrita por Daughter of Apollo


Capítulo 13
Na toca do lobo


Notas iniciais do capítulo

Feliz Ano Novo!
estou revisando a Fanfic, perdoem a minha demora. Aviso lá nas notas finas, doçuras, vocês vão gostar desse!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/356048/chapter/13

Leecher

Batalha dos seres alados, um ano atrás

– Rui, levanta esse escudo direito! – Urrei para meu amigo, por cima dos sons da batalha. Rui não demorou a se empertigar melhor. Isso era uma coisa que eu gostava nele: ele ouvia. Um soldado que não ouve, não segue ordens e tenta conseguir as coisas por si próprio não sobrevive muito tempo. Agora não é hora para pensar, lembrei, forçando mais o escudo no meu braço esquerdo.

Demoraria para o segundo escalão chegar. Bem, esse era o plano. Nós iríamos recuando aos poucos, permitindo que o exército inimigo acreditasse que estava ganhando terreno. Assim, nosso pequeno grupo debandaria, o que faria com que viessem atrás de nós. Quando estivessem suficientemente dispersos, o segundo escalão surgiria da montanha e os atacaria. E nós, falsamente derrotados, nos reagruparíamos e os prensaríamos em duas frentes.

Claro, isso se o segundo escalão passasse pela montanha e os dois gigantes que a guardavam permitissem a passagem. Ou fossem derrotados. Havíamos prometido que ajudaríamos a retomar a cidade de seus aliados e tanto os gigantes quanto os anjos nos ofereceram mantimentos, soldados e uma passagem. Contudo, com gigantes toda a cautela é pouca.

Forcei um pouco mais o escudo e o meu adversário cambaleou. Fracote. Atravessei a espada após minha defesa e perfurei a dele, e logo minha espada estava coberta de sangue. Na verdade, ela já estava antes disso, mas agora estava mais.

Um guincho de falcão cortou o ar. E mais um, e mais um terceiro. Isso, o som que eu esperava. O resto do grupo também ouviu. Contei até cinco e começamos a dar mais espaço ao inimigo. Nó próximo minutos continuamos nosso lento recuo. Tínhamos que fazer isso para enganar os oficiais no alto daquele morro, que nos observavam, e distraí-los quando o escalão rompesse a borda para que não avisassem aos homens que lutavam.

3... 2... 1... Os soldados das linhas de trás correram e foram seguidos pelo resto. Minha linha foi a última a debandar. Parecíamos um bando de zebras diante de um leão. Obriguei minhas pernas a mudar o estado de força esmagadora a corrida de velocidade. Meu sangue corria com uma excitação conhecida em minhas veias. Uma sensação incrível, como se eu não pudesse parar... Era... Animação. Eu aproveitava cada momento daquela batalha, cada golpe de espada, cada segundo em que resistia mais, em que estávamos mais próximos à vitória.

De repente, outro som se fez ouvir: Uma corneta. Dos nossos aliados. Foi hilariante quando o exército inimigo inteiro virou a cabeça para trás e contemplou um grande grupo de soldados prontos para matar. Meu grupo parou imediatamente e se pôs em posição de falange em menos tempo do que se julga possível. Os atacantes pararam a corrida, mas uns tiveram azar e encontraram a morte na nossa fileira.

Logo, estavam encurralados. Nossas duas frentes praticamente os aniquilaram. Ninguém se rendeu, ninguém. Não era do feitio deles. Eles preferiam perder a vida. Eram sanguinários e selvagens ao extremo.

Não restava ninguém. Eu nem lembrava o que havia acontecido. Movimentos de espada, cortar, perfurar, erguer o escudo, gritar ordens, cortar novamente, manter formação... E fim. Minha roupa ostentava manchas de sangue por inteiro. Corpos mortos, aos montes, ocupavam o chão. A morte inundava o lugar. Perfurados, mutilados, degolados, decepados... Mortos, de qualquer jeito. Entrei num estado de limbo naquele momento, o bastante para me perguntar: o que eu estou fazendo?

Mas não terminei o pensamento.

– Nós vencemos! – Asini gritou.

Seguiu-se um terrível rugido de batalha produzido por milhares de vozes enlouquecidas. Em um segundo uni-me a eles. Nós vencemos! Nós vencemos! Nós vencemos!

– Vamos saquear a cidade! – Alguns gritaram entusiasmados pelo calor da batalha. Eu sabia que tinha que intervir quando chegasse a isso. Trato é trato.

– Não! – Gritei. Sabia que minha voz os alcançava. Aqueles que deram a ideia caíram no silêncio. Aconteceu como deveria acontecer, e eu gostava disso. – A cidade está sob o cuidado dos gigantes e dos seres alados! Não toquem em absolutamente nada!

Eles baixaram as cabeças, alguns reclamaram, porém ninguém contrariou. Eu tinha uma forma famosa de lidar com os que contrariavam, e não estavam dispostos a descobrir se era mesmo verdade.

– Organizem-se, recolham os mortos, montem acampamento ao longo da montanha e do vale. Nós vamos buscar o Sekhar!

Quando dizia nós referia-me a Rui, Kormak e a mim. Asini ficaria no comando. Eu só esperava que não acontecessem muitas besteiras na minha ausência. Ao menos Rui não estaria ali, senão o desastre estaria garantido.

A cidade dos anjos era incrivelmente esplendorosa, mesmo com a destruição parcial que os lerians haviam provocado. Árvores gigantes sustentavam uma boa parte da cidade em seus galhos semelhantes a estradas. Havia casas inteiras lá, feitas de folhas, trepadeiras e cipós. Pontes aéreas cruzavam o espaço entre as árvores e verdadeiras trepadeiras floridas com lavandas cobriam parte dos troncos. Uma estrada de tijolos brancos nos levava à Grande Clareira, onde se encontrava a ala terrena. Nós atravessamos o mato sempre olhando para cima e para as sombras, mas nenhum soldado estava lá.

Amadores.

Todos haviam ido nos enfrentar nas montanhas, longe de suas defesas, e acabaram encurralados. Pateticamente encurralados. Eu quase ri quando nos seguiram.

Enfim. Chegamos à clareira. Ali ficava o Templo. Quer dizer, depois de duas construções laterais – outros templos – em pedras brancas esculpidas. O caminho seguia rodeado de altas colunas gregas que se elevavam entre os monumentos, formando um túnel. Sem tempo para admirar – não que eu quisesse – continuamos correndo. Minutos depois surgiu o enorme templo, cuja escada levava ao portal e se conectava a estrada de tijolos. Ele se estendia à direita e à esquerda, gigantesco, a frente tomada de colunas e o telhado esculpido triangular.

Estávamos quase lá. Disparamos pela escadaria e atravessamos a entrada. O lugar possuía apenas um memorial aos quatro ventos, digo, pois os seres alados não cultuam nenhum deus, pelo que eu saiba. No centro do teto havia uma abertura por onde fluía a luz do sol. Organizadamente postadas em pequenos altares, vimos as magias. Eu não conhecia muito do assunto, mas conhecia o suficiente. Não era para pegarmos a Espada de Sangue, o Cetro Dourado, a Taça de Cristal com água da vida ou qualquer outra coisa. Rui já discutira isso comigo antes, quando ainda era minha vez como vigia.

– Por que não podemos saquear o templo? – Ele perguntou diretamente, sem se dar ao trabalho de baixar o tom de voz para não acordar os soldados.

– Porque ele decretou assim e os anjos colocaram isso no acordo.

– Mas... Mas... Mas... – Rui parecia uma criança da qual um homem mau tirara o brinquedo – E quanto as mulheres?

– Não toque nelas.

– Isso não é justo! – Rui reclamou – Ele não vai notar uma ou duas arminhas mágicas faltando, por que não podemos pilhar só um pouquinho?

– Pelo mesmo motivo de que eu estou no comando e você não.

Mesmo com a minha declaração em tom cortante, ele permaneceu inabalável:

– Os seres alados nem lutam! São tão patéticos e fracos que precisamos travar a batalha deles! E eu nunca estive com uma mulher anjo... Imagino como deve ser... Angelical.

– Ah, cala-te. Eles têm uma aliança com os gigantes, quebrar o acordo não seria muito prudente. Vamos só roubar a magia e sair.

Ele soltou mais reclamações ao estilo “Eu deveria voltar ao mar; ser navegante é mais proveitoso; eu quero mulher” Dentre outras coisas.

De modo que eu e Kormak mantivemos os olhos nele. Bem, ali estávamos nós. Eu não ansiava propriamente a roubar a maldita magia, e sim a entrega-la a ele. E assim o fiz. Um dia após a vitória, tive a honra de pô-la em suas mãos e receber o prêmio:

– Parabéns, General. Como antes eu havia proposto, comandarás. Tua Elite irá para Atenas.

Tempo Atual

– Não há como voltar – Ariella declarou o óbvio. Uma hera venenosa cobriu o portal assim que o atravessamos.

Eu estava irritado. Irritado com a força maior que me colocara ali e brincara com a minha liberdade, irritado por ter realizado a escolha errada ao passar através do portal, irritado por ter que aguentar um inimigo próximo a mim sem matá-lo e principalmente irritado com aquele bichinho inútil que ela carregava. Por quê?

Essa situação se tornava cada vez pior.

– Não existe necessidade em falar o que já sabemos – eu retruquei.

Ela deu de ombros. Pensei que silenciaria, contudo, a sorte não me abençoou.

– Me ajuda a encarar melhor.

Não respondi. Afinal, não via motivo para tal. Na verdade eu queria perguntar: Encarar? Encarar que estamos cercados e desarmados? Encarar que eu fracassei? Encarar que não sabemos por que ambos estamos ali? Não que ela importasse. Não importava. Mas se estava ali era por uma razão.

E eu só via uma direção: para frente.

– Para onde podemos ir? – Ariella perguntou.

Eu notei sua escolha de palavras. Ela não perguntou “para onde vamos?”, o que daria a entender que eu estava no comando. E sim “para onde podemos ir?” que denotava que ela me colocava a seu nível, nem na liderança, nem em subordinação.

– Devemos ir ao palácio lá em cima. Se há algo aqui, está lá. E estou com a sensação de que encontraremos com essa coisa de um jeito ou de outro.

Um palácio se erguia na parte mais alta, que ficava a uns cem passos a nossa frente. Se um dia aquele lugar mostrara supremacia, agora caía aos pedaços. A grama crescera à altura da minha cintura em algumas regiões, mas eu conseguia distinguir a silhueta de estátuas no meio daquilo. Lobos, lobos e mais lobos. Nenhum deus. Era tudo cercado por um alto muro.

Ariella olhou com mais atenção.

– Está cheio de arranhões.

Era verdade. Arranhões lotavam os muros em toda a extensão. Talhos na pedra, três linhas paralelos. Eu só imaginava o animal por trás de garras tão fortes. O pensamento me causou algo próximo do medo, talvez um nervosismo por não saber como exatamente era o animal.

O palácio também estava em condições visivelmente ruins. Uma espécie de trepadeira crescera ao redor das colunas que sustentavam os andares. Tinha cerca de três, que se mostravam mais para trás e nas laterais. Alguns locais desmoronaram, no entanto, julguei seguro de entrar. Mais hera caía de um dos jardins suspensos invisível para nós por estar nos fundos.

– Vamos.

– Tem certeza? Não me parece muito prudente invadi-lo.

– Gostaria compartilhar sua ideia melhor?

– Sim, obrigada. – Ela respondeu. Trinquei os dentes, dizendo a mim mesmo que se a atacasse iria doer em mim também – Há diversas estátuas caídas aqui. Posso analisá-las e descobrir o que acontece aqui e que lugar é esse. A maioria das estátuas guarda maldições, inscrições, memórias, magias... Eu aprendi a lê-las.

– Não – eu cortei – Talvez o tempo seja muito curto. O sol nasceu, no entanto, as nuvens indicam que choverá. Aproveitaremos enquanto há luz suficiente para manter os lobos nas sombras.

– Não. É bom que estejamos prontos...

Dei as costas. O que importava? Eu já me decidira. Depois de alguns metros senti um puxão na minha mão esquerda, como se uma corda me prendesse. Certo. Eu simplesmente puxei de volta. A corda esticou-se e levou-a para frente.

Ela não disse nada, apenas começou a andar ao meu lado, a expressão neutra. Nem demonstrava raiva.

Tropeçamos em escombros de estátuas escondidos na grama alta ao longo do caminho, então conseguimos encontrar a escadaria. Subimos devagar. Lá dentro, não era nada convidativo. Mesas reviradas, cadeiras, bancos, estátuas... De homens. Tudo destruído. O único objeto que permanecia intacto era um trono. Um trono fabricado com a madeira mais rica, com ouro e pedras preciosas incrustadas.

E, sentado nele, havia um homem. Ele aparentava felicidade.

– Meus parabéns – ele disse com voz sedosa – Vocês obtiveram êxito em atravessar a floresta.

Sua voz e sua postura indicavam um certo mistério. A escuridão cobria a maior parte de seu rosto, entretanto, seus olhos amarelos luziam com um brilho perceptível. Ariella estremeceu. Não de medo, eu senti. Algo a incomodou. Chamou-lhe a atenção.

– Viemos aqui como peregrinos – anunciou.

– Ah, eu sei quem são – o homem respondeu – e estou surpreso. Sobreviveram aos meus seguidores. Eu me pergunto como.

– Os lobos – Eu ecoei – Seus bichinhos de estimação?

Ele riu. Uma risada lupina. Ameaçadora. O coelho de Ariella, contrariando a natureza, não se escondeu nas pernas dela, e sim postou-se corajosamente diante dela. Que ridículo.

– Eu não veria dessa perspectiva. Veja bem, eu sou o líder deles. Eu vos trouxe, peregrinos, para cá.

Eu não queria ter tido a reação que tive. Então, era ele?

– Por quê? – Perguntamos Ariella e eu. Eu não estava gostando daquilo. Nem um pouco. O homem não era amigável, nem fingia ser.

– Ora – respondeu, deliciado – os deuses os enviaram para cá, não? Eu não permitiria que passassem por aqui sem testá-los. Sua morte valerá muito para mim. Mais do que imaginam.

– Você quer que os deuses caiam – disse Ariella.

– Claro – ele riu – quero ver a corja inteira subjugada, então subirei em um trono maior do que este. Terei minha vingança, e derramarei o sangue de homens, heróis e exércitos inteiros que ousarem desafiar-me! Eu, o Alfa!

Visualizei minhas opções. Não estava armado, não podia lutar e estávamos presos. O que serviria como arma? Pedaços de estátua, grama... Nada muito promissor. Olhei em vota. O homem continuava nas sombras. O rosto de Ariella, ao meu lado, tornou-se obscuro de repente. Um brilho fraco de reconhecimento cruzou seus olhos azuis.

– És Licáon, o Lobo.

Eu não sabia de quem ela falava. Não sabia quem era Licáon, mas pude deduzir.

Licáon bateu palmas lentamente e levantou-se. Ela era grande, atarracados e com músculos pronunciados. Não vestia armadura, e sim uma túnica negra parcialmente rasgada e um cinto de onde pendia uma espada.

– Maravilhoso, criança! Você me reconhece? Com certeza falaram sobre mim em sua ilha. Não devem ter relatado a injustiça que Zeus cometeu contra mim.

– Injustiça? – Questionei ao vazio. Eles não se dirigiram a mim, mas Ariella respondeu a pergunta:

– Não foi injustiça. Você praticava o culto a Zeus, em seu país, na Arcádia. Era um adepto fervoroso. Entretanto, exagerou. Começou a sacrificar pessoas para Zeus. Matava estrangeiros que chegavam em sua casa e oferecia ao deus. Zeus ouviu falar dos atos atrozes que ocorriam aqui e quis testar os mortais para ver se era verdade. Ele se disfarçou de peregrino e, comprovando os boatos, se revelou, e todo o povo o recebeu com as devidas honras. Porém não acreditaste, e o convidaste para sua casa, a fim de apunhalá-lo, e não só isso. Armou um baquete em sua homenagem, para fazê-lo poluir-se com comida proibida. Você havia matado um escravo e o cozinhado. Zeus percebeu a afronta e se enfureceu, destruindo seu castelo e o condenando a assumir sua verdadeira forma: o Lobo.

Licáon ladrou uma risada. De fato, agora lembrava a lenda. E entendia os acontecimentos: os lobos na floresta no dia anterior não queriam nos caçar, e sim nos fazer seguir naquela direção, assim como quando nos atacaram algumas horas atrás. Eles estavam nos conduzindo. Direto à toca.

– Ah, não dê crédito a tudo o que dizem, mocinha. Verdadeiramente, eu acreditava que o imortal que nos visitava era Zeus. Foi o motivo da visita que me... Feriu. Como ele podia rejeitar minhas tão dedicadas oferendas? Eu passei a odiá-lo. E imagine, que ótima oportunidade para provocá-lo, para manchar sua tão impecável honra de deus, o levando a praticar atos selvagens. Ele, o rei dos deuses, que tanto despreza os mortais, pensando ser tão elevado, poluindo-se! E claro, se ele gostou ou não da refeição, eu não sei. Contudo, eu apreciei imensamente. Afinal, assim como o fogo tem o desejo devorador de queimar, os lobos anseiam acima de tudo por carne. Carne humana. Não é mesmo, Ariella?

Ele pronunciou o nome lentamente, sílaba por sílaba.

Dito isso, seu rosto saiu das sombras, revelando cabelos castanhos grandes e bagunçados. De sua testa até abaixo das maçãs do rosto três linhas finas e brancas corriam. Três linhas paralelas. Seus olhos brilhavam amarelos. Para completar, ele tinha presas.

– Bem, é chegado o momento do abate. Não se preocupem, não deixo meus convidados morrerem indefesos e desarmados.

Ele estalou os dedos. Contraí os punhos. Ele não vestia armadura, entretanto, eu também não, de modo que eu não possuía vantagem neste quesito. Ariella sabia lutar, assim éramos dois contra um.

Surgiram objetos flutuando ao nosso redor. Escudos pequenos, médios e grandes, fabricados de materiais que variavam de madeira a bronze; espadas longas, curtas, de lâmina dupla, ou curva e kopeshs; lanças, garfos, clavas, massas, uma profusão de arcos e felchas e de facas e adagas.

– Escolham o que quiserem.

Automaticamente selecionei um escudo de bronze espartano e uma espada média e pesada. Testei a lâmina e o equilíbrio. Servia.

Ariella demorou um pouco mais. Ela andou lentamente para onde se encontravam as facas e adagas, que por acaso eu não me virei para olhar. Presumi que ela fez o mesmo processo de teste, a julgar pelos sons.

Não tirei Licáon de vista um único segundo. Ele não aparentava impaciência com a deliberação demorada de Ariella. Ao contrário. Seu rosto demonstrava um interesse genuíno enquanto acompanhava os movimentos dela minuciosamente.

Por fim, já escolhidas as armas, ele estalou os dedos e o restante desapareceu. Minha mente entrou em modo de combate. Eu absorvia cada detalhe como, por exemplo, a garota postando-se estrategicamente ao meu lado e brandindo uma adaga em cada mão.

– Foi realmente esplêndido falar convosco, no entanto, será uma honra ainda maior matá-los. Desejo que sejam recebidos com vivas no Elísio.

– Não tenha tanta certeza de que morreremos. – Retruquei – É você que está em desvantagem.

Ele riu.

– Não contem com isso.

Ariella se afastou e falou baixo atrás de mim:

– Sou boa em ataques rápidos, não em defesa pesada.

– Eu seguro as investidas, você o distrai e atinge as laterais. – Sussurrei de volta.

– Certo.

O plano funcionaria perfeitamente se, naquele momento, não surgissem mais três grandes lobos cinzentos, enormes e ameaçadores. Ótimo. Agora estamos em desvantagem de dois para um.

– De costas um para o outro – murmurei. Ela ficou em posição.

Licáon me fitava com um sorriso de escárnio. Seu corpo tremeu furiosamente, pelos começaram a crescer de sua pele. Os músculos dos braços praticamente triplicaram o tamanho assim como sua altura. Sua boca se tornou, em poucos segundos, um focinho de presas proeminentes. As pregas da túnica arrebentaram e ele pegou a espada antes que o cinturão também arrebentasse.

Qualquer traço de humanidade desaparecera. Licáon era uma besta em duas patas. Um homem lobo sedento de sangue.

Ariella movimentou-se e um lobo recuou. Apenas Licáon se concentrava em mim. Ele dizia tudo sem uma única palavra: Vou estraçalhá-lo!

Licáon jogou-se para frente, em uma investida direta de garras estendidas e uma espada. Em segundos pensei na eficácia daquilo. Eu não poderia desviar, senão ele acertaria Ariella, que de modo eficiente protegia minhas costas. Eu não aguentaria a força se me defendesse com o escudo e acabaria sendo derrubado, o que derrubaria Ariella. Os lobos não perderiam a oportunidade.

Por isso, gritei:

– Esquerda!

Tudo aconteceu rápido como um piscar de olhos. Senti Ariella girar o corpo no mesmo instante em que gritei, e logo em seguida ouvi o som de uma faca batendo em osso e um ganido profundo. Segui a direção contrária de Ariella.

Um segundo depois, a espada de Licáon quase atravessava o chão de pedra.

Ele se recuperou rapidamente. Agora que via realmente a força que possuía, sabia que não podia ter um confronto direto, ou ele poderia me jogar longe. Ataquei com a espada enquanto ele se levantava, mas ele me rechaçou com a sua. Rápido, violento. Um verdadeiro lobo.

O palácio se tornou um inferno. Eu me concentrava em Licáon, enquanto os três lobos atacavam Ariella. Ela realmente se saía bem, considerando a situação. Era rápida.

Licáon investiu com a espada na lateral, o que atingiria minha cabeça, mas desviei-me e o acertei na coxa. Ele soltou um grunhido alto e raivoso e voltou-se a para mim de novo. Amparei seu golpe com o escudo. Sentia meus braços doerem e cansarem. Não aguentaria por muito mais tempo.

Pulei para trás, para fugir de sua pata livre. Tive um vislumbre de Ariella. Ela girava em meio às bestas, cortando e cortando cada vez mais. Retomei minha atenção. Licáon não perdeu tempo. Sangrava consideravelmente onde eu o ferira, no entanto, continuava inabalável.

O que eu poderia fazer? Pensa, idiota, pensa! Eu sabia que, além das garras, Licáon possuía dentes consideravelmente grandes e afiados.

O Lobo atirou-se novamente. No último segundo baixou a espada para a lateral do meu tronco. Não consegui ajeitar o escudo – que eu havia levantado – a tempo. A lâmina rasgou e atingiu minhas costelas, mandando uma onda de dor terrível através do meu corpo. Queimava e latejava. Eu não gritei, aproveitei meu tempo atingindo a espada de Licáon com a minha, impedindo que ela cravasse mais fundo.

Licáon largou a arma e, com um forte soco atingiu meu estômago. Minha visão saiu de foco. Senti que havia expelido algo de gosto metálico da minha boca, que logo após descobriria ser sangue. Fui totalmente lançado no ar. Não sei quantos metros, mas minha colisão com o chão demorou um tempo interminável.

Eu não enxergava nada por causa da dor, da queimação, da súbita pancada. Mas notei que o teto do palácio deu lugar ao azul do céu, o que me pareceu muito irônico. Um uivo cortou o ar, e creio que ouvi um grito o anteceder. Talvez Ariella houvesse sido atingida. Talvez estivesse morta. Eu não sabia.

Eu pensei nisso enquanto caía. Então, com um baque, atingi a areia do chão. O ar fugiu dos meus pulmões. Minha consciência aos poucos se esvaía, mas eu lutei contra aquilo. Na verdade, lutei com todo o desejo de deixar que ela se esvaísse. Meu corpo gritava. Tentei erguer-me. Um pouco de cada vez e arfante, pus-me de pé. Em algum momento eu largara o escudo, porém a espada continuava em minha mão. Ao menos isso.

Levante a espada direito. Mandei a mim mesmo. Vi o Lobo vindo na minha direção. Ele caminhava com mais dificuldade.

– Você – ele arfou – Deu mais trabalho do que eu imaginava.

– Que ótimo – respondi-lhe.

Ele se aproximou e enviou uma estocada. A rechacei com a espada e me abaixei quando suas garras passaram raspando a minha cabeça. O esforço rendeu muito mais dor, contudo, eu não tive tempo para sentir a maior parte. Pulei no instante em que ele voltava com a arma e consegui – vitória das vitórias – rasgar uma parte de seu abdômen peludo. Licáon urrou e enfiou a lâmina em meu ombro. Desviei apenas de parte do golpe, assim, o corte foi mais leve do que o esperado. Só que ainda assim doloroso.

Eu não duraria muito mais.

Apenas aquele ferimento quase deixou-me de joelhos.

Ouviu-se um grito de batalha vindo do palácio. Ariella corria para nós. Não entendi o que gritou, mas isso distraiu Licáon. Aproveitei-me da situação e, reunindo toda a força que eu tinha, cravei a espada em seu estômago. Licáon urrou e curvou-se sobre si mesmo, sua própria arma subitamente esquecida. Ariella saltou e enfiou ambas as facas em suas costas. Os braços dele se sacudiram, mas Ariella se afastou antes que algo a atingisse.

Retirei minha espada.

Licáon cambaleou e caiu de barriga para cima na areia.

Eu fiquei ali, respirando pesadamente, a espada pendendo da minha mão.

– Nós o derrotamos, afinal de contas – escutei a voz de Ariella. Ela não se dirigia a mim, e sim ao Lobo, que impressionantemente ainda estava vivo.

Ele soltou uma gargalhada meio abafada pela sua respiração pesada.

– E do que isso adianta? No final você morrerá, criança. Tudo isso aqui será destruído. Nada sobrará além de trevas. Nada.

– Do que está falando? – Eu me empertiguei.

– És um tolo, Leecher. Pensou que falaram a verdade a você? Não haverá nada a vingar quando ele conseguir. Eles estão apenas o usando. – Ele riu novamente e olhou Ariella. – Procuravas os Amuletos de Hécate para salvar sua preciosa humanidade, mas eles lhes serão inúteis sem mãos para utilizá-los. Sem que usem as armas adequadas. És medrosa como um pássaro que voa quando o perigo se aproxima. Acredite. Foi muito... divertido... Matar seu pai e perseguir seus irmãos.

Pareceu que Ariella havia levado um soco. Ela piscou e seu olhar se perdeu em algum ponto da paisagem.

– Eu...

– Atenas não combinava contigo. Realmente me frustrei ao descobrir que a menina escapara. Mas você perdeu uma arma. E esta arma fugiu para Esparta...

Outra risada engasgada preencheu o ar. Ariella havia se sentado ao lado da cabeça do Lobo, de modo que eu tive que impedi-la quando apertou o cabo de suas facas e ameaçou esfaqueá-lo.

– Por que está nos contando isso? – Perguntei.

– Porque, jovem guerreiro, quero que morra vendo a destruição e as almas caindo em perdição e sabendo que a culpa é toda sua. – Seus olhos reviraram-se nas órbitas – E que a jovenzinha saiba que foi fraca e medrosa demais para impedir...

Licáon foi silenciado. Um corte na garganta causado pela adaga de Ariella. Ela se alevantou, a expressão furiosa.

– Vamos, temos que ir a algum lugar. – Ela disse.

Olhei em volta. Estávamos em um pátio circular, cercado de colunas. Havia uma estátua de lobo gigante, intacta, em um pedestal de madeira oval. Mesmo como estátua, o Lobo era arrepiante. E foi para lá que Ariella se dirigiu.

– O que está fazendo?

– Leitura de Monumentos. Se eu tivesse feito isso antes de entrarmos no palácio, teríamos nos preparado melhor. E teríamos um plano. – Ele sacudiu o cabelo loiro cheio. Agora eu notei que um pouco de sangue escorria deles.

Ariella analisou o pedestal. Passou a mão nos símbolos e observou minuciosamente os desenhos.

– Encontrei!

– O que? – Me juntei a ela.

Ela mostrou uma pedra transparente incrustada no pedestal. Era ovalada e multifacetada, mas eu não sabia o que era ou para que servia.

– Magia de Portal – ela explicou, acariciando a pedra. Nesse momento eu senti todo o peso do esforço e dor que resultaram da luta. Quase não me aguentava em pé. Meu dorso queimava, meu ombro sangrava e minha cabeça estava pesada. Ariella não estava melhor que eu, pelo que eu sabia. – Temos que impedir que o que Licáon disse que acontecerá aconteça. E precisamos sair rápido. Este lugar está infestado.

– E onde isso nos leva?

Ela pronunciou palavras em um idioma que eu desconhecia e depois se afastou. Uma luz branca espiralou do objeto, se tornando um grande círculo no ar. Ariella o encarou com o rosto inexpressivo. Os olhos azuis vazios.

– À Esparta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem.
—-----AVISO------
Pessoal, como tenho notado nos capítulo anteriores, poucos aqui comentam. Acho que vocês são tímidos, então, pra quebrar essa fofa timidez, resolvi fazer uma proposta. Se vocês comentarem cinco capítulos seguidos, ganharão dicas e curiosidades da fic. Claro, vai ser em forma de poesia ou enigma, pra ficar mais legal. Se comentar dez capítulos, ganha um Spoiler e mais dicas e curiosidades. Agora, haverá um lindo prêmio para aqueles que comentarem 15: Capítulos bônus. Haverão de aventura, humor, drama e romance. Podem escolher três. Mas terá uma grande surpresa para aqueles que comentarem até o final, e ela se manterá em segredo. Só comentando para saber! Aceitam?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Ilha De Circe: Fênix" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.