A Ilha De Circe: Fênix escrita por Daughter of Apollo


Capítulo 11
O Banquete de Set


Notas iniciais do capítulo

DESCULPEM! É sério, não abandonei a fanfic. É que tava difícil fazer, andei meio enrolada. Obrigada a AAJ, Little Sheep e Júlio Oliveira por comentarem. Este capítulo é dedicado à vcs.AVISOS: Os * do capítulo é na hora das descrições dos monumentos. Só deixo claro que eles não usavam esse tipo de unidade métrica pra medir as coisas, mas coloquei assim para vocês entenderem. E, só avisando, Gizé provavelmente estava abandonada na época em que somei pra fic. Eu não sei direito, mas reafirmo que é ficcional. Peguem a pipoca e o refrigerante, porque no Word deu 16 páginas! Nos vemos lá embaixo.



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Dreah se sentia mal por estar na presença de Hona. Ela não desejava ser vista com a menina, pois poderia ser pega quando adentrasse o Vale de Gizé, e não queria que Hona fosse responsabilizada.

Remexeu-se inquieta na cadeira, enquanto comia pão de trigo e bebia água. Hona a observava de frente, ansiosa por cada movimento da visitante. Uma queimação diferente corroía-lhe no peito. Estaria adoecida?

Começou então a relatar como era sua vida cotidiana para puxar conversa com Dreah e saber mais sobre de onde a hóspede viera. Uma mulher grega desacompanhada era uma coisa muito incomum por ali.

Hona fitou Dreah arregalando os olhos conforme ia contando. Normalmente isso acontecia com qualquer estrangeiro que ouvisse falar do Egito. Entretanto, por que para Dreah a surpresa parecia vir de algo diferente, não apenas pela cultura diferenciada?

No Egito Antigo, as tradições não eram muito semelhantes do resto do mundo, principalmente da Grécia. E isso nos remete ao tratamento que a mulher sofria.

Liberdade de escolha para com seus maridos seria um dos tópicos. Elas podiam selecionar o parceiro e se apaixonar por quem quisessem, sem interferência paterna e sem necessidade de virgindade antes do casamento. Caso ocorresse divórcio, ela seria remunerada juntamente com seus filhos, que permaneciam com a mãe.

Mesmo que muitas carreiras fossem vetadas para mulheres, ainda havia vários trabalhos do qual podiam participar e negócios que administravam.

Além do mais, os pais davam-lhes heranças quando morriam e propriedades, totalmente controverso às outras sociedades, nas quais o gênero feminino não podia fazer grande parte destas coisas, como direito a herança, escolha de parceiro e voz jurídica.

Era isso que Hona relatava à sua mais nova companheira enquanto dava-lhe de comer. Os egípcios produziam muito, perto do Nilo, em suas plantações de cevada, trigo, vinha, gergelim, linho, entre outros, juntamente com a agropecuária de bois, cabras, asnos, ovelhas e cavalos. O Nilo era uma bênção que trazia a vida para o deserto a cada inundação, quando ele logo depois escoava e tornava a terra preta, lamacenta e fértil.

A política do Egito era tão parecida com a Ilha de Circe que fez os olhos de Dreah arregalarem-se de surpresa. Obviamente, viviam menos homens na ilha do que a população feminina, isso devido às lendas depois que o lugar fora atacado muito antes de ela nascer. Feiticeiras de poções – normalmente quem se interessa por poções são garotas – usaram isso para transformar os soldados em animais, antes que matassem mais gente. Eles eram numerosos, assim travaram um combate.

Elas precisavam se defender de alguma forma, e quem melhor que uma mulher atraente para enganar um homem e fazê-lo tomar uma bebida que na verdade iria transmutá-lo?

Logo que isso ocorreu, numa emboscada, os bichos foram colocados de volta em seus navios e enviados para o lugar de onde vieram. Nunca se soube como acharam a Ilha, porém, a lenda se espalhou no momento em eles atracaram e o efeito do feitiço dissipou-se.

Desse modo, as seguidoras de Circe eram muito temidas e odiadas, graças aos pobres coitados dos soldados, que, em seu relato, contaram que pararam na ilha para conseguir algum alimento, já que em sua nau a comida estava escassa, e foram atacados sem motivo por bruxas terríveis.

Dreah achava isso ridículo.

– Bem – começou ela – É melhor voltar ao trabalho, não? E eu arranjar uma ocupação.

– Tem razão – murmurou Hona, ainda presa ao rosto da hóspede. Quando notou que fora pega, desviou o olhar e corou. Então uma luz brilhou em seus olhos. – Tenho um trabalho para ti. Meu tio ganha a vida como artesão, e às vezes pede para eu ajudá-lo. Mas como estou ocupada nas vinhas, não tenho tempo. Tu poderias ir no meu lugar. O que achas?

Dreah pensou por um instante. Seria uma boa ideia? Ela precisava despistar a gentil anfitriã, e talvez concordar tornasse as coisas mais complicadas. No entanto, também poderia arruinar seu disfarce se negasse a oferta.

Matutou, matutou e finalmente aceitou.

As duas saíram da casa e caminharam em uma direção que Dreah não prestava atenção. Não por falta de tentativa, e sim porque as pessoas eram muitas e a distraíam, ora pisando em seu pé, ora a empurrando e olhando feio.

O fedor de suor e corpos sujos impregnou-se em seu nariz. Aquilo era tão horrível. Homens e mulheres passando fome e, a seu ver, os nobres nem para ajudar.

Passaram por uma parte alta da cidade. Hona explicou à Dreah o esquema das pirâmides à proporção que as observaram melhor. À frente da maior, – olhando daquele ponto, maior que a de Quéops – postava-se uma Esfinge parcialmente enterrada pela areia. Ela parecia ter uns 20 metros de altura, 6 metros de largura e 50 e poucos metros de comprimento*. A palavra egípcia que designava esfinge era shesep-ankh, que significa imagem viva.

A construção brilhava no sol. Era um leão com cabeça de Faraó e apontava para o nascente. Uma rampa no seu lado direito conduzia até a Pirâmide, que era rodeada de fossos e outros monumentos de pedra, inclusive um templo funerário em sua entrada.

Um Templo do Vale, feito de pedra calcária e granito vermelho postava-se atrás da esfinge.

Lá estava a Grande Pirâmide de Quéfren.

Na verdade, todas as três Pirâmides possuíam o mesmo esquema de distribuição. Um Templo do Vale, uma ponte, um Templo Funerário, a Pirâmide do Faraó e as pirâmides de suas esposas ao redor. Eram adornadas de ouro e rodeadas de estátuas, no mais puro luxo, em contraste com a pobreza do povo.

Chegaram à frente de um prédio público repleto de pessoas trabalhando em diversos ofícios.

– Aquele lá é meu tio – apontou um homem o qual Dreah não prestou atenção, mas Hona não capturou este detalhe – Encontramo-nos à noite. Boa sorte.

Dreah

Logo que ela sumiu dentre a multidão, tratei de fazer o mesmo. Sim, isso era uma grosseria, porém uma grosseria necessária.

Andei mais depressa à medida que tentava retornar à parte alta da cidade, de onde era possível avistar as pirâmides. Aproveitei a solidão para xingar-me baixinho por não lembrar o caminho.

Idiota. Obtusa. Inútil. Cega. Patética. Não sabe nem se localizar.

A areia também estava elevando minha irritação. A cada passo ela se levantava e voava para minhas penas, pinicando e causando coceira. Perdi a conta de quantas vezes precisei esfregar os olhos ou desviar do vento para que aquela coisa não pegasse em mim.

Dois guardas começaram a correr em minha direção. Eram altos, fortes e empunhavam lanças de pontas afiadas.

– Para aí! – Bradou o mais musculoso, e nesse momento eu corri. As pessoas mal ergueram o olhar de seus afazeres. Entretanto, pareciam empurrar-me ou formar multidões de propósito só para me irritar.

Eu ouvia os passos desenfreados dos soldados atrás de mim. Por um momento fui tentada a ir para o pântano ao redor do Nilo, onde o sol não castigaria do mesmo modo e não havia areia. Vetei a ideia antes que me tentasse demais.

Na pressa, vi que entre as paredes externas de duas casas existia um espaço com sombra que serviria de esconderijo. Olhei para trás, felicitando-me ao perceber que os guardas possuíam os mesmos problemas que eu em relação às pessoas.

Rapidamente, rumei até o pequeno recanto escuro, logo no limite da cidade, um lugar que se podia ter uma visão privilegiada das pirâmides.

Então xinguei-me mais ainda.

Para qual eu vou agora? Não tenho a mínima ideia. Ah, Santa Atena, eu sou uma burra.

Havia três monumentos principais. Eu já ia ir em direção à maior, de Quéfren, quando outra coisa saltou aos meus olhos.

Um brilho vermelho reluzia na rampa para a pirâmide menor, de Miquerinos, - conforme Hona me contara – e seguia para o seu Templo Funerário. Não entendi o motivo de me parecer tão importante, afinal, era a menor dentre as três.

Sons de agitação vieram aos meus ouvidos. Não perdi tempo. Disparei pelo deserto, remexendo a areia com meus pés, maldizendo os deuses, a minha vida, o destino e todo o resto por causa do calor.

Alcancei a rampa feita de mármore brilhante e continuei correndo. A respiração tornava-se mais rápida e difícil, o cansaço tomava conta dos meus músculos. Nuca fora boa em resistência. Talvez em velocidade, mas não em resistência. Pelo menos, não tão boa quanto Fênix.

O que quer que fosse o brilho vermelho de antes, desaparecera. Notei isso enquanto caminhava para o Templo Funerário. Não havia ninguém ali.

O templo era uma construção de dois andares sustentada por colunas de pedra. Da entrada podia ver apenas estátuas de algum deus com cabeça de chacal e pinturas nas paredes. Milhares e milhares delas.

Passei pelo portal escuro para uma sala mal-iluminada com algumas tochas e nenhuma luz solar, sem contar a que penetrava pela porta.

As mesmas imagens coloridas nas paredes e estátuas de chacais e outras de deuses que eu desconhecia. Uma saída estava impedida por pedras no final da sala e outro corredor seguia para a esquerda dali.

Escutei um barulho atrás de mim. Virei-me de súbito, assustada. O vento quente bateu no meu rosto e um rato correu entre meus pés.

Antes que eu pudesse gritar, portas pesadas de madeira desceram e taparam o portal, encerrando-me ali dentro.

De início, a escuridão era tudo que eu via. Então, o brilho vermelho em forma de esfera surgiu na ponta do corredor.

Um arrepio horrendo transpassou-me e de repente deu um frio no meu estômago. A escuridão revirou-se e quase tornou-se sólida. Tive a impressão de não estar mais no deserto, pois uma corrente de ar gelada enredou-me e fez-me tremer.

Nenhum ruído. Apenas aquele brilho vermelho. Ao mesmo tempo em que me causava medo, a luz mostrava-se boa porque as trevas afastavam-se dela. Meus músculos estavam tensos, esperando algum ataque iminente, algum tipo de susto. Eu estava assustada. Prestava atenção a qualquer mínimo movimento.

A luz começou a mover-se, adentrando mais o corredor.

Sem pensar, fui atrás, dobrando à esquerda na passagem.

Eu não sabia o que esperar. Forcei minhas pernas a irem mais rápido, pois a luz extinguia-se a cada passo. Quanto mais rápido eu corria, mais ela se distanciava. O local era escuro e aquela era a única fonte de iluminação.

De repente, ela parou. Cessei a corrida um passo atrás dela. Fascinada por sua chama reluzente, que me hipnotizava como os olhos de um predador, ergui dedos hesitantes para tocá-la, com medo, porém, atraída.

Andei, devagar, um passo a mais na sua direção. Estava quase encostando-lhe a mão quando o chão sumiu debaixo dos meus pés, meu peso todo indo para baixo, puxando-me, e eu despenquei nas trevas, gritando.

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Meu corpo estava doído quando abri os olhos. A sensação irritante vinha de todo ele, principalmente da minha cabeça. Encontrei dificuldade em levantar-me daquele chão frio e duro, entretanto, forcei-me até estar de pé.

Encontrava-me numa sala pouco iluminada com paredes lisas de pedra, sem nenhum outro objeto. Na parede da frente havia um corredor.

Eu não sabia minha exata localização. Talvez em um ponto qualquer do Vale de Gizé, abaixo do complexo de Miquerinos.

Sem muitas opções, segui através da passagem, agora tendo o cuidado por onde pisava. Ilustrações cobriam as paredes. Algumas eu até conseguia reconhecer como sendo de deuses, mas era difícil, pois os símbolos me fugiam à cabeça. Egípcios trabalhando, oferecendo sacrifícios, animais, o Nilo, dentre outras.

Então, de repente, comecei a ouvir sons de passos de algum tipo de bicho se movendo. Os barulhos eram abafados, leves, de mais de um indivíduo. Produziam um ruído sussurrado e baixo por entre as paredes daquele lugar.

Mesmo com dor, apressai o passo. Minha situação estava uma porcaria.

Meu coração quase pulou do meu peito.

No final do corredor havia uma caverna imensa repleta de riquezas. Montes e montes de objetos de ouro, prata, bronze e pedras preciosas, como jarros, joias, estátuas, anéis, colares, pratos, espelhos e toda a espécie de adorno imaginável cobriam o lugar, alguns tão altos que poderiam ser escalados. A iluminação vinha de milhares de tochas nas paredes.

No centro da caverna, porém, estava o mais impressionante. Uma construção em forma de pirâmide, pequena o bastante para ficar bem abaixo do teto alto, revestida de mármore, ouro e granito.

Seus degraus levavam até uma plataforma e, suspensa a uns três metros no ar daquele espaço, sem nada sustentando-a, estava uma esfera de luz violeta.

Uma parte de mim raciocinava em talvez encontrar-me em alguma sala escondida do tesouro real, tamanha riqueza embaixo da menor das pirâmides.

Imagino o que os outros nobres diriam se vissem isso!

Fiquei tão surpresa que não dei atenção aos passos aproximando-se. Quando os percebi, tratei de procurar um lugar para esconder-me.

Penetrei mais na caverna gigante, indo na direção de um morro alto de preciosidades, o qual me serviria bem.

Tentei fazer o máximo de silêncio, entretanto correr sobre aquelas porcarias produzia tinidos tão altos que me escutariam lá de cima.

Então, senti um puxão no tornozelo e quase cai no chão. Voltei meu olhar para baixo, para o objeto brilhante em forma de floco de neve.

Meu amuleto!

Rapidamente, recolhi-o nas mãos. Que saudades do meu pequenino!

Ele me permitia lançar rajadas de energia e praticar diversos tipos de encantamentos. O machado retratado nele servia como uma trava. Era para lembrar Ares, pois a magia só seria acionada em casos de briga.

Ciente, após o momento de surpresa, do perigo, tropecei debilmente até um canto distante na parede. Agachei-me e, acidentalmente, pisei em uma substância viscosa.

Eca! O que é isso? É nojento!

Nesse momento eles chegaram e eu involuntariamente encolhi-me. Dei graças por estar oculta nas sombras.

O corpo era o de um felino de porte médio. A cabeça grotesca era de uma pessoa com presas enormes e afiadas. As garras pontudas raspavam no chão de tempos em tempos, e as criaturas rosnavam e farejavam.

Contei dez ao todo, pelo que eu enxergava de trás do pequeno morro.

Três delas aproximaram-se da base da pirâmide interna e cheiraram três estátuas que eu não notara antes. A primeira, da esquerda, era a de uma linda mulher com asas coloridas e brilhantes, adornada com diversas joias, usando um vestido branco bem acabado e diversos amuletos de poder.

A da direita era uma vaca de ouro, com algo semelhante a um disco entre os chifres, dois rubis tomavam o lugar dos olhos e um colar grosso cobria-lhe o pescoço.

A última, do meio, era uma mulher vestindo peitoral de bronze com um arco nas costas e adagas em sua bainha. A cabeça era a de uma leoa sanguinária, os caninos proeminentes.

Demorei – de burra que sou – a constatar que aquelas bestas que as cheiravam eram esfinges. Elas bufaram e afastaram-se das estátuas.

Desesperei-me quando uma delas farejou na minha direção. O suor escorreu por meu rosto. Eu não respirava.

Não olha para cá! Não olha para cá! Sai, sai daqui! Não, não chega mais perto! Hécate, Senhora da Magia, estarei perdida se me virem!

A besta estava cada vez mais perto, estreitando os olhos meio humanos para onde eu me encontrava. Estanquei, orando para que não descobrisse-me ali, ou entraria numa enrascada, ela daria o alarme para as outras.

Dez metros. Oito. Cinco. Seus passos retiniam no chão, nos objetos espalhados nele. Quatro. Três. Minhas mãos tremiam. Dois. Meu coração acelerou. Um... Estava quase olhando para mim...

Um clarão invadiu a caverna. Escondida num canto afastado, não fui atingida pela luz intensa, porém as esfinges grunhiram e enfiaram o rosto entre as patas. De início, o brilho avermelhado reverberou por todo canto escuro do lugar, até que dissipou-se.

Dei graças silenciosas quando as esfinges recuaram para a base da pirâmide.

Mas isso não durou muito. O fogo nas tochas de repente tornou-se mais vermelho e ardente, como se quisesse espalhar-se pela parede. As chamas dançavam em cada uma delas.

De súbito, as bordas da caverna incendiaram-se. Olhei para o chão, descobrindo um tipo de canal de pedra, o qual eu havia pisado antes e acabara suja daquela substância.

Alguma coisa que pegava fogo.

Não consegui afastar-me a tempo. As chamas alastraram-se pelo canal e queimaram meu pé e minha mão. Gritei com a dor, atraindo a atenção das esfinges para mim.

Rapidamente, peguei uma espada com lâmina curva do chão para defender-me e saí do esconderijo. Tentei parecer intimidadora, no entanto, não foi necessário. Elas afastaram-se, acuadas.

Já contava triunfo quando notei uma presença atrás de mim. Uma risada sarcástica e cruel, que arrepiou os pelos da minha nuca. O som era cortante e seco, como o deserto.

Girei meu corpo devagar, empunhando a espada firmemente, mas não pude conter a exclamação.

Sua pele era avermelhada, como se tivesse passado tempo demais abaixo do sol quente. Seus músculos proeminentes deixavam-no maior do que já era. Usava uma armadura rubra da cor do sangue, como se fosse produzida do próprio líquido vital de seus inimigos. Sandálias, grevas - protetores de canela -, a saia curta da túnica e as duas espadas curvas igual uma meia-lua – Kopeshs – compunham o resto, enquanto eu vestia apenas túnica e calças de linho branco, uma espada e um amuleto.

– Ora, ora – ronronou com a voz maléfica – Eu estava ansioso por uma visita. Que boa surpresa!

Coloquei minha melhor expressão de determinação no rosto.

– Quem és? – Exigi, recebendo em troca outra gargalhada sádica.

– Sou Set, minha jovem, deus do mal deste povo. – Andou ligeiramente para perto – Por que vieste até aqui?

Fiquei quieta.

– Ah! Uma jovem petulante! O que buscas? Ouro? Riquezas? Poder? Liberdade? Vingança? – Senti algo dentro de mim quando ele proferiu a palavra vingança. Uma espécie de ódio cobriu meus sentidos e fez-me apertar com mais força o cabo da espada. – Todos os que aventuram-se a descobrir câmaras secretas nas tumbas de Faraós buscam algo, não é?

Levantei o queixo, encarando-o de frente. Não importava-me se era um deus.

– Eu busco uma solução para a guerra.

Ele riu com mais vontade, divertindo-se, como se pensasse que minhas palavras eram tolas.

– Que seja. O que quer que queiram sempre acaba da mesma maneira. Todos mortos. – Ele olhou dentro dos meus olhos – E não adianta tentar esconder. Tens o desejo de vingança gravado no seu coração.

Recuei, recebendo o golpe. Cerrei os dentes com vontade. Minhas chances eram mínimas, nulas, para dizer a verdade, para lutar contra ele, mas não desistiria.

– Com certeza terá seu desafio para achar o que procuras, jovem, porém não serei eu a enfrentá-la. Caso consiga vencer, talvez até deixe-a viver mais um pouco. Sinto-me generoso.

Então, Set bradou um comando em egípcio, e as esfinges avançaram para mim. Ele gargalhou alto e loucamente, antes de desaparecer.

O amuleto em meu pescoço esquentou, como sempre acontecia nos treinos.

A primeira esfinge saltou direto para a minha cabeça, e as garras cortaram o ar a poucos centímetros do meu rosto, antes de ela cair com o rasgo que eu abrira em seu pescoço usando a espada.

A segunda conseguiu morder minha coxa. Gritei, a ardência espalhou-se por minha perna inteira. Enterrei a lâmina em suas costas peludas, e esse gesto tirou minha atenção da outra que atirava-se em cima de mim.

Seu peso fez-me cair de costas e rolamos juntas, suas garras arranhando meus braços, abrindo cortes superficiais. O hálito fétido do bicho bateu em meu nariz e a náusea apoderou-se do meu estômago.

Tentei derrubá-la de cima de mim, já sentindo mais duas chegarem perto o bastante da minha cabeça e minhas pernas.

Pensei que ali fosse o fim, que a besta abocanharia meu pescoço e depois devorariam meu corpo, entretanto, senti a típica ardência do amuleto, e usei-o para criar uma pequena explosão.

As três esfinges foram lançadas para longe sem muitos estragos e juntaram-se às outras, que rondavam-me pelas laterais, procurando um ponto fraco.

Eu não estava muito bem. Tinha uma mordida na perna e arranhões nos braços, e isso dificultava na hora de segurar a espada.

Que grande, enorme, gigante e imensa PORCARIA DE SITUAÇÃO!

Mais uma vez, três das esfinges atacaram juntas pelas minhas costas. Virei-me a tempo, fundi o poder do amuleto com o da minha arma e lancei uma rajada de energia através do movimento da lâmina, o que atirou-as para trás com força e as incapacitou.

O único problema de usar magia intensa desta forma, é que esvaía minha energia totalmente. Meus membros estavam doloridos, eu respirava pesadamente.

Duas delas vieram de lados diferentes, da direita e da esquerda. Elas aproximavam-se de modo desenfreado, e não havia modo de defender-me de nenhuma. Assim, quando suas garras estavam quase me tocando, abaixei-me e rolei, deixando que se chocassem no ar.

Os grunhidos e rosnados de uma esfinge, com cabeça humana, eram diferentes dos de um felino comum. Eram cortantes e mais esganiçados.

Uma pulou nas minhas costas. Debati-me e tirei-a de mim. Enfiei a lâmina fundo em seu pescoço.

Em seguida, aproveitei e investi com a espada nas bestas que engalfinharam-se no chão. Elas puseram-se de pé logo, no entanto, fui mais rápida. A primeira tentou seu abraço mortal, e eu decepei-lhe a cabeça semi-humana. A segunda recuou, para logo depois saltar sobre a minha cabeça.

A espada atravessou-lhe o tórax, fazendo-a soltar um lamurio de dor, quase um ganido.

Meus braços doíam. Eu mancava.

Das duas últimas, hesitantes, a primeira pulou por cima mim. Eu usei mais uma rajada excruciante de magia e lancei-a na parede, e ela não mais se mexeu.

Mas eu descobri que aquilo era só uma distração para a última delas, que se atirou no meu pescoço quando eu estivera distraída.

Por sorte, fora atravessada.

O peso do seu corpo impedia que eu me movesse. Esforcei-me ao máximo, dolorida e coberta de sangue, com meus músculos ardendo e reclamando.

Desta vez utilizei a espada como apoio para permanecer de pé. Não sobrara nenhuma delas para atacar-me, constatei, vitoriosa. Eu havia sobrevivido.

Dei um passo à frente, arfando, e ouvi o som de palmas vindas da base da pirâmide.

Set, sentado em um trono cravejado de joias à beira de uma mesa, aplaudia com a expressão encantada. À sua frente encontrava-se um incrível banquete. Cereais cozidos, bolos, vinhos, mel, assados de boi, aves, veado, e diversas iguarias compunham a mesa posta com vários lugares.

– Meus parabéns, conseguiste vencer todos! – Congratulou zombeteiramente.

Bastardo! Filho de uma cadela! Inútil!

– Agora, estou pensando sobre sua condição. Que tal sentar-se comigo para aproveitar o banquete?

Neste instante, sabia que não sairia viva dali. Não por ele. Entretanto, uma ideia extremamente louca ocorreu-me. Poderia funcionar ou resultar em algo terrível.

Larguei a espada.

Rasguei um pequeno pedaço da minha túnica e utilizei-o para limpar o sangue da besta do meu rosto, depois amarrei-o no pulso. Depois outro para estancar o sangramento da minha coxa Em seguida, retirei meu amuleto do pescoço e coloquei-o junto ao pano ensanguentado no pulso, enrolando sua corrente três vezes. Aproximei-me de onde Set estava, sentando-me a uma cadeira de distância.

– Bem, acho melhor que sua amiguinha junte-se a nós também.

– O quê?!

Surpresa, vi quando uma menina de pele branca e cabelos castanhos saiu detrás de um morro de ouro, os olhos multicoloridos curiosos.

– Hona? – Perguntei, incrédula – O que faz aqui?

– Eu te segui – respondeu-me – Vi quando entrou no templo. Resolvi ir atrás, por curiosidade. Perambulei por vários corredores até chegar aqui. Não sabia onde tu estavas.

Hona postou-se de frente para mim. Eu não conseguia esconder a surpresa por vê-la ali. Pensei que a houvesse despistado. Como ela me seguira? Ainda bem que as esfinges não a atacaram.

A menina corou um pouco e afundou na cadeira. Eu não sabia o que fazer agora, se prosseguia com meu plano ou não.

– Bem, minhas jovens, sinto-lhes informar, mas morrerão – o deus comentou de forma casual – As toxinas da saliva das esfinges envenenam o seu corpo neste momento, jovem Dreah, e isso a matará rapidamente. Quanto à Hona, as passagens para o subterrâneo foram fechadas e tu morrerás em alguns dias.

Hona arregalou os olhos e arfou. Acho que, de algum modo, ela sabia que pedir auxílio ou misericórdia ao deus do mal não funcionaria. Mantive a expressão neutra. Lembrei-me que Fênix era campeã de rosto neutro e Aurora de atuação.

– Será realmente uma pena. – Repliquei, como se não me importasse. Ignorando a dor no braço, peguei uma taça com mel diluído em água e levei-a aos lábios. O gosto adocicado não surtiu muito efeito, agora que a ansiedade tomava conta de mim.

– Mas, regozija-te feiticeira, conseguiste um ótimo espetáculo de sangue. Pena que não viverá o bastante para ver o que acontecerá com o seu mundo. Todas estas baboseiras do mal que vem das profundezas e das forças que regem o universo vierem salvar os homens... É mentira.

Hona estava tremendo. Pequenas gotas brilhantes envolviam seus olhos. Eu quis confortá-la.

A caverna toda tremeu. Aquela esfera de luz violeta tremeluziu no alto da pirâmide. O fogo também diminuiu seu brilho.

– Argh. Aquela maldita arma está tornando este lugar instável – O deus olhou para a esfera.

– Senhor, o que é aquilo? – Perguntei-lhe.

– Uma arma para um mago poderoso. Foi deixada ali porque é muito forte, e ninguém a consegue controlar.

O mel pareceu azedo no meu estômago. E se fosse um tipo de pista? Set já falara O mal que vem das profundezas. Que mal poderia ser? As forças que regem o universo.

Zeus, Poseidon e Hades são os deuses mais respeitados. No entanto, e se não tratar-se deles? E se for algum titã, ou força primordial? Eles já governaram o mundo uma vez. E se forem eles que nos salvarão?

– Jovem Dreah, sirva-me um pouco de vinho. – Mandou o deus, e vi nesta ordem a minha oportunidade.

Levantei meu corpo e alcancei o grande jarro de vinho. Lancei um olhar conspiratório à Hona, que encolhia-se cada vez mais na cadeira.

Por favor, que ela não grite, nem fale nada!

Com uma taça nas mãos, e tapando a ação com meu tronco, deixei que o vinho do jarro fluísse para o cálice, e permiti que o tecido com o sangue da besta amarrado em meu punho tocasse no líquido – nojento, eu sei – juntamente com o meu amuleto, que esquentou.

Sussurrei algumas palavras. A bebida luziu, mais escura, e voltou à sua cor normal.

Entreguei a taça a Set, este sorveu seu líquido sem temor. Hona já demonstrava mais tranquilidade, como entendesse algo oculto naquele instante.

Sentei-me na cadeira, esperando calmamente que a poção cumprisse seu propósito. Não demorou. Set começou tremer e a suar. Agarrou a borda da mesa com suas mãos enormes, depois tentou erguer-se, mas caiu prostrado e tomado de espasmos.

Com um olhar, Hona e eu abandonamos o banquete e corremos para perto da pirâmide. Eu sabia que Set, mesmo que eu não tivesse uma mordida de esfinge na perna, não nos deixaria partir. Ele apenas queria nossa morte e divertia-se com nosso sangue.

– PATÉTICAS! – Bradou, os quatro membros no chão, trincando os dentes de dor. A caverna estremeceu, poeira caía do teto. As tochas apagaram-se todas, deixando-nos com a luz da esfera e com o brilho vermelho de Set.

O deus do mal pôs-se de pé.

– Eu sou a fúria do deserto! Ninguém me vencerá com um truque tão ridículo!

Percebi que estávamos junto das três estátuas que eu notara anteriormente. A mulher com cabeça de leão, a com asas e a vaca.

– Deusa da magia – Set balbuciou, enquanto tinha convulsões.

A com asas, quando Hona tocou-a, reluziu. O deus tropeçava com fúria para nós, até cair de gatinhas e começar a transmutar-se. Pelos cresceram por todos os seus membros, seu nariz alongou-se em um focinho, as orelhas tomaram maior comprimento, e isso continuou. E ele tornou-se um chacal negro.

Bem, ele ainda é um animal feroz, mas podia ser pior. Convenci-me. Podia ser um leão.

– Hona Corra! – Ordenei. Hona e eu escalamos os degraus que estavam cobrindo-se de areia. Na verdade, a caverna inteira estava sendo engolida pela areia em uma velocidade alarmante, à medida que tudo tremia e desmoronava.

O chacal mordeu a canela de Hona e puxou-a com força para baixo. Eu, com força, agarrei sua mão e lancei uma fraca onda de energia para Set, que desabou no chão, longe de nós.

Percebi que nenhumas das estátuas eram tocadas pela areia.

A voz de Set soou cruelmente pela caverna.

Até mesmo a maga mais bondosa pode ter dentro de si o sentimento de vingança. Até mesmo a jovem mais plácida e sábia pode ser cruel como uma leoa. E até mesmo a mulher mais linda pode esconder imensa maldade em seu interior. Eu vejo a sua raiva.

Quando acabou, os olhos coloridos de Hona estancaram. Consegui içá-la para perto, porém ela não regia. Sacudi-a, mas, não surtiu efeito. Seu cabelo assumiu uma tonalidade preta e alongou-se diante dos meus olhos. Sua pele ficou ainda mais pálida. A menina mostrou feições de uma mulher mais velha, com olhos violetas, e soltou-se de mim.

Mas que diabos está acontecendo?

A mulher voltou-se para Set, que recuou. Então ela saltou graciosamente para ele, com a expressão de uma guerreira. Entretanto, antes que pudesse fazer algo, uma explosão encheu a caverna. Tentáculos e mais tentáculos de energia escura brotaram das beiradas, dentre os montes de ouro, do chão. Era possível distingui-los, pois eram muito escuros.

A mulher virou-se para mim, os olhos arregalados.

– Dreah, pegue a arma! – Gritou desesperada – Ela poderá tirá-la daqui! Apenas seu toque pode ativá-lo! O mal vem das profundezas!

A deusa esqueceu-se, porém, de Set, que aproveitou a situação para morder-lhe o ombro e atirá-la no chão. Não pude mais vê-los a partir daí.

Sem perder tempo, escalei a pirâmide até sua plataforma no topo. Estava toda machucada e coberta de sangue nas pernas e nos braços. Nem percebera quando meu amuleto escorregara da minha mão, no entanto, não poderia voltar atrás.

No momento em que alcancei o meio da plataforma, a esfera violeta brilhou mais. Fitei-a, lá em cima, sem deixar de ficar encantada com o momento mágico. Não levantei as mãos para pegá-la. A luz flutuou lentamente até mim, envolveu meu pescoço e causou um calor agradável.

Um colar.

Grande parte da caverna estava engolida pela areia e repleta de sombras. Elas rodearam a plataforma.

Tudo ficou escuro.


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Notas finais do capítulo

Bem, espero que tenham gostado. Não esqueçam os Reviews. Já que tenho 8 leitores, que tal 8 reviews para o próximo? Beijos. Amo vocês.



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