Estevão estava com seus pensamentos em seu quarto. Desconfiava do passado de Gisele tanto quanto ela desconfiava de seu passado, pensava ele assim, já que a menina procurava saber mínimos detalhes de sua vida.

O que Estevão fazia naquele quarto era um mistério que apenas Fernan sabia. Gisele queria muito conhecê-lo e ele não sabia o quanto a doía por querer amar um desconhecido.

Passou-se uma semana e Gisele ainda estava de repouso. Ficou de repouso para garantir que nada lhe poderia acontecer ao andar e ninguém estar por perto para socorrê-la se caísse.

Nesse período semanal, Estevão e Gisele não se viram porque ambos não saíam de seus quartos. Gisele havia começado a se dedicar a aprender o francês. Passou a ouvir cantoras como Carla Bruni e Mylène Farmer. Aquele desejo por conhecimento animava a Fernan quando ela compartilhava suas descobertas enquanto ele lhe servia, em uma bandeja, suas refeições em sua cama. Isso animava ainda mais a Estevão quando ouvia Fernan reproduzindo as palavras de Gisele, a pedido da própria alteza.

Gisele não tinha noção da saudade que causava em Estevão. Ele queria ao menos vê-la, conversar com ela. Mas tinha medo da indiferença dela ou da raiva, ou do ódio, ou da confusão... Mas ele também não tinha noção da dor que lhe causaria ser tão dura com ele.

Era de noite e Fernan já havia desejado boa noite aos dois que não saiam de seus quartos. Ambos estavam deitados em suas camas, olhando para o teto.

Gisele juntou suas mãos e pensou:

- Deus, por favor, abençoe a todos que amo e, por favor, faça o que é melhor para mim e para todos a minha volta. Obrigado por mais um dia vivido. Amém. – E (tentou) dormir.

Estevão também fez o mesmo e pensou:

- Por favor, faça com que Gisele esqueça este assunto. Sei que ela não entenderá, mas não a deixe ir. E se Você, Deus, achar que isto será o melhor para ela, não deixe que ela me esqueça e que se afaste de mim. Eu preciso dela. – Respirou fundo. - Também gostaria de lhe pedir para que me ajudasse a ser uma pessoa melhor. Não aguento mais essa aparência, mas não poderei aguentar ser tão mau assim. Pretendo me esforçar. - Respirou novamente. - Proteja meus familiares, apesar deles terem feito o que fizeram. Obrigado, Deus. Amém. – E (tentou) dormir.

Gisele já havia deixado claro, em alguma oportunidade, que acreditava plenamente em Deus. Estevão também acreditava, mas não seguia os preceitos. Depois que conheceu a menina, tentou ser uma pessoa melhor. Desde que ela disse que sempre conversava com Deus antes de dormir, Estevão também passou a fazer isso. Sempre pedia as mesmas coisas, assim como Gisele.

***

Fernan acordou Gisele.

- Bom dia, Gisele. – Ele colocou uma bandeja com suco e um pote de doce de leite, que era o doce favorito de Gisele.

- Doce de leite? Não preciso de algo que seja mais saudável já que estou de repouso?

- Já pode sair dessa cama quando quiser. – Ele sorriu.

- Finalmente.

- Gisele, só te peço que se contente com o que for dito de Estevão por ele mesmo. Não insista em mais nada, se quer continuar vendo-o.

- E, pelo visto, eu insisti demais. Ele não fez questão nem de perguntar por mim durante uma semana. – Mal sabia ela que Fernan sempre contava a Estevão o que Gisele lhe contava.

- Ele sente sua falta.

- Se sentisse, estaria aqui.

- Ele também está sentido com sua insistência e desobediência.

- Desobediência?

Fernan falou demais. Gisele não se lembrava de que Fernan havia lhe machucado para evitar que seu amor lhe machucasse. Agora teria que lhe explicar tudo isso.

- Deixe isso para lá.

- Fernan, não me esconda nada.

- Mas, Gisele...

- Eu aguento que essa alteza esconda coisas de mim, mas não posso aguentar segredos de você que é meu único amigo neste momento.

- Gisele...

- Por favor. – A menina estava quase chorando.

- Eu tive que lhe fazer desmaiar para que Estevão não lhe machucasse.

- E como fez para que eu desmaiasse?

- Tive que lhe ferir. Foi a única coisa em que pensei na hora.

- Ele... Teria coragem de me machucar?

- Não sei. Mas creio que sim. Ele não conta a quase ninguém o que faz naquele quarto.

- Mas contou a você. – Fernan silenciou. – Como ele pode me prender aqui e não me contar sobre sua vida?

- Não tente mais fazer isso, menina. Eu não quero que se machuque. – Ele foi em direção a porta.

- Fernan! – Ele olhou para trás. Gisele sorriu. – Obrigada... Por tudo. – Fernan sorriu e saiu.

Gisele se deitou na cama e olhou para a janela. Via um lindo dia e resolveu sair um pouco do quarto. Ela colocou uma de suas regatas, um shorts e foi, descalça, para o jardim.

Deitou-se na grama e teve intenção de ficar olhando para o céu, mas o sol brilhava muito forte. Então, fechou seus olhos. Sentiu que não estava sozinha. Abriu os olhos e se sentou, rapidamente. Olhou para a direita e para esquerda e não viu nada.

- Procurando algo ou alguém? – Ouviu a voz que lhe seduzia e atraía.

- Procurando o silêncio.

- Pois o terá.

- O que quer dizer com isso, Estevão? – Ele silenciou. – Agora não vai me responder?

- Você quer o silêncio, não quer?

- Não foi isso o que eu disse. – Ela se deitou e fechou os olhos, novamente.

- Dói ter o silêncio absoluto, não dói?

- Como assim?

- Quero que saiba que, assim como o silêncio lhe machuca, me destruiu esses dias que fiquei sem, ao menos, ouvir sua voz.

- Você não fez questão de se aproximar.

- Fernan me contou o que acontecia com você. Ele me disse que você está se interessando por francês. – Gisele sorriu.

- Contou?

- Sim. - Ele sorriu. - Eu me importo com você mais do que imaginas.