Faces Da Morte escrita por Ayelli


Capítulo 6
Viajando com a Morte - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Até mesmo o que é breve pode valer por uma vida inteira!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/354750/chapter/6

ndo com a Morte – Parte II

Não é fácil explicar esse “relacionamento” se é que se pode chamar assim, nem eu mesma consigo compreender como, quando e por que essa aproximação aconteceu, não sou capaz de explicar como é possível nossa comunicação. Posso tentar explicar como a vejo. Não é como uma matéria sólida que se possa tocar, que se perceba ocupando um espaço físico, não é exatamente como um espírito que aparece ou um vulto que pensamos ver. É etérea, uma presença forte que pode ser sentida, percebida e mentalmente visualizada, mas nunca alcançada. Eu sei quando sorri, quando se move, quando fala comigo não há som, é como se transmitisse seus pensamentos para mim e respondo da mesma maneira, pensando no que desejo dizer, ela entende.

Sentada à minha cama, ela estava estranhamente quieta, parecia triste e não respondeu mentalmente de maneira rápida minha pergunta dessa vez. Notando a ruga de preocupação e medo que brotou em minha testa, esboçou um leve sorriso e senti a reposta negativa, o que automaticamente me arrancou um suspiro de alívio e então, como nem sempre me lembro que ela tem acesso aos meus pensamentos, com ironia pensei que se eu fosse a morte também ficaria deprimida.

Ela se levantou, caminhou lentamente em direção à sacada, sob a luz do sol sua túnica parecia coberta por algum tipo de pequeninas pedras preciosas que lançavam seus reflexos para todos os lados, era lindo! Então ela disparou: “Aproveite sua viagem ao máximo, você não vai morrer tão cedo no que depender de mim e acredite, estou violando uma regra importante lhe revelando isso, mas vale lembrar que a vida deve ser vivida intensamente, porque você possui um bem precioso chamado livre-arbítrio e, sem perceber, pode se colocar em situações que antecipem minha visita definitiva. Não pense muito se deve ou não beijar um belo rapaz e se deve ir além, faça com juízo o que tiver vontade, viva, encontre o que veio buscar, viva!”.

Eu não acredito, a morte estava me dando conselhos, quebrando regras por mim, definitivamente eu não consigo compreender. Já pensei em varias teorias dentre as quais estão: ela pode ter se afeiçoado a mim realmente, ou talvez ela se sinta solitária e por algum motivo me escolheu como companhia. Tudo isso parece tão absurdo, mas e você? Tem alguma outra explicação? Porque eu não tenho. Dado o seu recado, enquanto eu preparava perguntas e argumentos, ela se desfez no ar feito fumaça.

Tomei meu banho pensando do que ela realmente queria me dizer, porque sinceramente não acredito que era só me pedir para viver a vida. Mergulhada na banheira entre espumas e pensamentos, ouvi batidas na porta do quarto, mas eu não havia solicitado nada à recepção, quem poderia ser? Rapidamente concluí o banho, afinal já era hora mesmo de sair, me vesti com o roupão e fui até a porta acreditando que pudesse ser a camareira, quando abri me deparei com André Agis.

Não sei por quanto tempo fiquei parada olhando para ele, paralisada por aquele olhar lançado diretamente de encontro ao meu. Ele se encostou ao batente, com as mãos nos bolsos, estava lindo, vestia uma bata de aspecto rústico em malha flame com capuz e uma calça branca folgada de algodão que davam um contraste perfeito com aquele cabelo e olhos negros. Era evidente que ele não esperava me encontrar vestida daquela maneira e ficamos ambos sem palavras. Num impulso, ele deu alguns passos à frente, ficando tão próximo a mim que era possível sentir sua respiração. Uma parte de mim ainda tentava resistir enquanto que a outra parte, louca, irracional e apaixonada, gritava para libertar-se. Os dois lados travavam uma luta ferrenha quando, por fim, ele me segurou pela cintura me puxando definitivamente para junto dele, colocando a outra mão por trás da minha nuca entre meus cabelos guiando delicadamente meus lábios de encontro aos seus, eis o momento derradeiro, aquele quando a luta se finda.

Nem percebi quando a porta do quarto foi fechada, enquanto me beijava eu sentia meu corpo suspenso no ar preso por seu abraço e sendo conduzida em direção à cama, nesse momento ecoou em minha cabeça a frase “apenas viva!”, e foi o que eu fiz, entreguei-me àquele momento sem pensar em mais nada.

A cada toque de suas mãos meu corpo estremecia e esses toques, delicados no início, se tornaram mais firmes e ávidos. Tudo nele era perfeito: seu beijo, seu corpo, seu cheiro, eu já não pensava em mais nada, só desejava ser dele, só desejava tê-lo.

Mesmo tendo saciado nosso desejo, não conseguíamos nos desvencilhar dos braços um do outro. Ficamos em silêncio por algum tempo, pairava no ar um quê de magia, aquela mesma pela qual esperei durante todo o inverno que passei no Alaska. Que neve que nada! Um bom clima tropical também era capaz de fazer milagres!

- Bom, eu vim até aqui só para te convidar para um sarau de verdade, pelo menos era essa a intenção – rimos.

- Espero que “pelo menos” não esteja pensando que ir ao sarau teria sido melhor.

- Dessa vez nem em termos culturais! A parte que acabei de ver do Alaska me pareceu bem interessante! Estive em muitos lugares, mas no Alaska nunca! – eu ri, mas me senti enrubescer. – Eu adoro quando você faz essa cara de moça tímida, fica mais excitante ainda. – Rolou para cima de mim e me beijou intensamente. – Mas, pensando bem – disse acariciando meus cabelos -, a noite é uma criança e somos... Como é mesmo que você disse? “Amigos em férias”?! – Rimos e nos beijamos e tudo pegou fogo novamente.

Já era madrugada quando ele finalmente levantou-se, me pegou no colo dizendo:

- Vamos já pro banho, você acaba de ganhar um passeio cortesia, quero te mostrar um lugar! O meu favorito: Tulum!

- Mas agora? A essa hora? Tem certeza de que não pode ficar para amanhã?

- Deixa de preguiça, quero te mostrar algumas coisas antes de sairmos para procurar um lugar para você se instalar, ou já esqueceu que vai passar um tempo aprendendo sobre os Maias, em grego? – Ele tinha senso de humor e um alto astral contagiante, não tinha como resistir àquela energia.

Depois de três horas de viagem, chegamos às ruínas de Tulum à beira da praia, um pouco antes do amanhecer. Agora sou perfeitamente capaz de entender o que ele quis dizer quando falou que eu não iria me arrepender e sobre aquele ser o seu local favorito.

As ruínas de uma pirâmide à beira das falésias era algo impressionante, eu certamente poderia falar horas sobre as maravilhas que vi por lá, mas certamente encontrarei outra oportunidade.

Assistimos ao nascer do sol deitados sobre uma manta que ele havia estendido nas areias da praia e depois caminhamos por elas. Tomamos café da manhã no hotel Cabanas Tulum, que possuía uma localização mais isolada, portanto mais tranquila e apropriada ao clima entre nós.

Depois de me levar para conhecer todo o sítio arqueológico de Tulum, almoçamos no Hotel Rosa Del Viento, um lugar magnífico, cercado por uma vegetação exuberante, aliás, tudo em Yucatán parece ser exuberante. No caminho de volta, já à noite, eu estava extasiada por tanta beleza, pensava em como nós, os humanos, podíamos ser tão mal agradecidos diante de tão generosa mãe natureza.

Ele mantinha sua energia natural, falávamos e ríamos, era impressionante como ele não demonstrava cansaço e parecia se divertir o tempo todo. A certa altura do caminho, ele ficou quieto, estranhei obviamente, então ele colocou a mão sobre a minha perna e disse:

- Sabe, eu fui um grande empresário na Grécia. Ganhava dinheiro como quem ganha bom dia, parecia tão fácil, mas tinha sempre aquela sensação de vazio, de que faltava algo. Eu estava o tempo todo à espera de que alguma coisa mágica e excitante acontecesse. Um dia me cansei de esperar, chamei meu irmão mais novo e disse a ele que tocasse os negócios e cuidasse da família porque eu precisava encontrar o que quer que fosse que estivesse à minha espera. E que outra melhor maneira de procurar senão saindo pelo mundo? Um dia, numa dessas viagens me apaixonei por uma guia de turismo, vivemos alguns dias maravilhosos, mas ainda não era isso que eu buscava, Entretanto, me ajudou a decidir optar pelo trabalho de guia, que além de ser maravilhoso pelos benefícios de se aprender e viajar o tempo todo, ainda se pode passar a diante o que se aprende, e isso é impagável.

Enquanto falava ele tinha um brilho diferente nos olhos, uma expressão de realização. Ouvindo-o falar, eu percebia que tive a sorte de me envolver, ainda que não visse aquela relação ir além de um brevemente, com um homem de qualidades que iam além da beleza externa. Eu começava a ficar emocionada e agradecida, mas não ousei interrompê-lo.

- Eu vivi muitas coisas desde então, mas sinto uma necessidade imensa de te dizer que nada antes foi parecido com isso, o que eu senti quando te vi na praia aquele primeiro dia, o que eu senti quando fui seu guia e pude passar a você o meu conhecimento, vendo que você absorvia com prazer cada informação e na noite passada... Eu realmente fui ao seu quarto com a intenção de sairmos e de te mostrar todas as belezas daqui, porque sei que você se interessa e eu queria que quando você partisse pudesse levar o máximo. Mas eu estava era tentando me convencer de que ia à sua procura apenas como um guia dedicado quando, na verdade, não consegui parar de pensar em você desde a primeira hora em que meus olhos te alcançaram.

Nesse momento, nem consigo descrever o que eu senti, uma lágrima escapou de meus olhos, tanta felicidade me dava medo. Eu estava com medo. Mas por quê?

Ele encostou o carro, segurando minha cabeça entre as mãos, olhou profundamente em meus olhos e me beijou. Meu coração batia tão forte que parecia querer arrebentar o peito e eu podia sentir o dele no mesmo ritmo. Delicadamente ele se afastou um pouco e disse:

- Não tenho dúvida de que encontrei o que procurava, agora sim tenho a certeza de estar vivendo a vida intensa e verdadeiramente, se eu morresse nesse exato momento, tudo o que fiz até hoje teria valido a pena! Você fez valer a pena!

O que era felicidade transformou-se em terror diante dessas palavras, imediatamente me lembrei dela, de sua visita e de suas palavras: “você não vai morrer tão cedo, mas viva, apenas viva a vida!”. Ficou tudo tão claro para mim nesse momento e minha expressão deve ter deixado evidente o que eu estava sentindo, porque André se afastou e perguntou:

- Você está bem? Está tão pálida e gelada! – Tentando manter o bom humor e amenizar a tensão instalada emendou – Ok! Estou indo rápido demais para você, não é? Tudo bem, a gente pode passar mais um tempo como “amigos de viajem” se você quiser, pode vir trabalhar comigo e passaremos a “companheiros de trabalho” – falava em tom divetido.

- Não é isso, André, é tudo tão perfeito! É só que... – então eu o abracei com força, queria guardar aquele momento, aquele toque, aquele cheiro. De repente ouvi o barulho de uma batida, ouvi ferros sendo retorcidos e... escuridão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Essa história, particularmente, é muito importante para mim. Foi escrita com muita emoção. Espero que gostem! Bjokas♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Faces Da Morte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.