Faces Da Morte escrita por Ayelli


Capítulo 5
Viajando com a Morte - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Meus queridos, esse capítulo na vida da nossa amiga que é "amiga" da morte ficou um tanto extenso por isso eu o dividi em três partes. Espero que gostem!♥



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Gosto muito do inverno, é verdade, ele tem um quê de mistério obscurantista, ao mesmo tempo em que atrai e fascina, intimida. Nos dias cinzentos de inverno parece que vivo na constante expectativa de que algo mágico e excitante aconteça.

Também é quando me sinto envolvida por uma neblina de melancolia, tormentas e tempestades interiores se instalam dando ao inverno a sensação de ser interminável. Talvez eu seja um tanto masoquista por ainda assim ter esta como minha estação do ano predileta.

Não obstante a primavera se faz necessária, por isso estava animada com sua aproximação e, pensando assim, resolvi aproveitá-la e partir em busca de novas inspirações. O destino escolhido: Península de Yucatán, México. A intenção era visitar a cidade arqueológica de Chichén Itzá e saber mais sobre a antiga civilização Maia, ver de perto onde e como moravam, seus costumes, ou o pouco que se sabe de tudo isso, pelo menos.

Civilizações antigas sempre me fascinaram e pensei que talvez pudesse escrever algo a respeito. Na ocasião achei que esse pensamento fizesse todo o sentido, que eu havia escolhido o destino da viagem ao acaso, mas depois de tudo o que aconteceu por lá, toda vez que penso no assunto, coloco em dúvida se realmente foi escolha minha ou se de repente “alguém” estava querendo minha companhia nessa viagem de “negócios”.

Escolhi para me hospedar o Hotel Cidades Arqueológicas de Chichén Itzá (por lá a criatividade não é o forte na escolha de nomes para hotéis), pois não era alta temporada e provavelmente o lugar estaria tranquilo, não haveria muito movimento nem aglomerações incômodas nessa época. Esqueci-me de mencionar que às vezes também posso ser um tanto antissocial, lugares abarrotados de pessoas me deixam nervosa.

Cheguei cansada no final da tarde, desfiz as malas e tomei um banho pensando em me deitar para estar refeita pela manhã, pois iria bem cedo me encontrar com um guia e um pequeno grupo de turistas para irmos às ruínas de Chichén Itzá, porém da sacada do meu quarto era possível observar um grupinho nas areias da praia em volta de uma fogueira, não resisti e fui até lá observar.

Parecia uma espécie de sarau, o ritmo era contagiante e divertido, aproximei-me um pouco mais e me sentei em uma pedra. Já estava lá há algum tempo, distraída, divertindo-me enquanto observava as moças que dançavam ao redor da fogueira ao som de maracas, banjos e bongôs, quando, com o canto dos olhos, notei que um rapaz parecia me observar. Ele bem que tentou disfarçar, mas por duas vezes o flagrei olhando diretamente para mim.

Ainda que àquela distância não fosse possível distinguir detalhes, dava para perceber que se tratava de um homem alto e atraente, de cabelos lisos, muito negros e na altura dos ombros. Eu queria muito dar mais uma “olhadinha”, mas minha timidez não permitiu.

A certa altura da noite, acreditando que “eu” não tomaria a iniciativa de me aproximar e ele, apesar de continuar me olhando, também não, decidi me levantar e caminhar na praia.

Caminhando pelas areias, olhava as conchas espalhadas que a maré trazia e me lembrei de como gostava de recolhê-las quando era criança e estava em viagem com meus pais. Abaixei-me para pegar uma e percebi que alguém estava bem atrás de mim. Quando me virei, deparei-me com o homem que havia me observado boa parte da noite.

- Desculpe se a assustei. – eu sorri, totalmente sem graça.

Apresentamos-nos, seu nome era André Agis. Agora, mais de perto, era possível constatar seu charme, ele era dono de uma beleza peculiar. Tinha traços fortes, extremamente masculinos, talvez típicos de seu país de origem, a Grécia. Dono de olhos negros, tinha um olhar penetrante e, arrisco dizer, quase paralisante. Não foi nada fácil disfarçar o efeito que causava em mim cada vez que me olhava nos olhos.

Foi um final de noite muito agradável, André, além de todos os adjetivos exteriores, era um homem inteligente, culto e viajado, tinha histórias ótimas para contar, nem percebi o tempo passar. Quando me assustei com o horário, se ofereceu para me levar até o hotel. Chegando lá, tive tanta vontade de convidá-lo a entrar quanto ele de aceitar, era evidente, mas por algum motivo, talvez autopreservação da imagem, não sei, eu não convidei e ele, elegantemente não insistiu ou forçou, despediu-se beijando minha mão e partiu, sem olhar para trás. Claro que dormi com uma sensação de arrependimento indescritível, sentimento de moralismo àquela hora? Diante de um deus grego como aquele? Francamente!

O dia seguinte veio e eu tive dificuldades para acordar, não havia dormido quase nada, mas não podia me atrasar, pois havia contratado o guia juntamente com o pacote da viagem. Tomei um banho para despertar, coloquei uma roupa bem confortável, tênis e uma pequena mochila com água e um agasalho e me dirigi à recepção, o guia já devia estar à minha espera.

Chegando lá, notei que André estava sentado em uma das poltronas e folheava um jornal, fui até ele e o cumprimentei ao que fui recebida com leve e formal abraço, porém, com um sorriso arrebatador.

- E meu dia começa com o prazer de ser seu guia! – disse ele oferecendo-me o braço.

Que surpresa! Falamos sobre tantas coisas na noite anterior, filosofia, história antiga, lendas Maias, a beleza da região, e sobre nós apenas o país de origem e mais nada, nem mesmo sobre nossas profissões. Fiquei feliz por ele ser meu guia e mais feliz ainda quando soube que os três amigos que fariam parte do nosso grupo haviam transferido o passeio deles para outro guia no dia posterior, já que um deles estava indisposto e os demais resolveram ser solidários e fazer-lhe companhia.

Seguimos com a minivan até o local onde guias e turistas deixavam seus carros estacionados para seguirem a pé pela trilha. André cumpria seu papel de guia com perfeição, ele era extremamente agradável, conhecia bem a região e dominava totalmente as histórias e as lendas sobre a civilização Maia, falava com eloquência.

Eu, como amante que sou da natureza, estava fascinada com a beleza da trilha em meio à floresta. Quando percebeu minha fascinação, perguntou se eu permitia uma opinião, ao que respondi:

- André, estamos apenas nós dois aqui, então faça o seguinte, esqueça os protocolos, faça de conta que somos dois amigos em viagem de férias, livres para ir, sugerir e falar o que quisermos ok?! - Tudo bem, não acredito que eu disse “dois amigos”, pensei.

- Ah! Você não devia ter dito isso, me dar carta branca é um perigo! Garota eu espero que tenha fôlego e disposição, pois em nome da nossa “amizade” vou te mostrar mais do que os guias geralmente mostram, hoje não tem mercado nem comércio, é só aula de história!

Eu senti o tom irônico quando ele mencionou a palavra “amizade”, era evidente que ambos queriam levar essa “amizade” a outro nível, mas ou ele era elegante demais para forçar alguma coisa, ou vaidoso demais para correr o risco de ser rejeitado.

Assim que começamos a caminhar novamente, ouvi barulho ao redor e quando olhei não vi nada, quando o questionei se havia ouvido algo ele me disse que certamente eram iguanas passeando, não pensei mais no assunto e seguimos pela trilha.

Depois de um tempo caminhando, eu começava a me sentir cansada, ele segurou minha mão e disse que eu deveria me preparar para uma visão Maia extraordinária. Foi então que chegamos ao topo do Cenote Sagrado. Aquele “buraco” imenso que tinha ao fundo um lago lindo, devia ter mais ou menos 195 pés de largura e 120 pés de profundidade, conforme esclarecia meu “guia”, era utilizado em rituais religiosos e onde os Maias costumavam oferecer sacrifícios humanos aos deuses, jogando as pessoas ainda vivas dentro desse buraco. Vista de cima a imagem era impressionante, ele olhou e disse:

- Vem, vamos lá para baixo, se for corajosa dá até para dar um mergulho.

Quando chegamos lá embaixo, ele tirou a roupa ficando apenas com calção de banho e atirou-se para dentro da água dando um grito que só compreendi quando fiz o mesmo e percebi que aquela água era congelante, ele se divertiu às minhas custas, aliás. Enquanto tentava manter o queixo quieto, dei uma olhada para cima para ver como seria a visão inversa e levei um susto. Adivinhem quem apareceu no alto do cenote? Minha amiga dos olhos cor de mel.

Sinto muito, mas não poderei passear com você agora, pensei para imediatamente me lembrar que ela sabia o que eu pensava sempre. Rapidamente, lancei outro olhar para cima querendo me desculpar, mas ela já havia sumido. Será que eu a havia magoado? Acho que não, ela era capaz de saber que não havia maldade no que eu havia pensado.

Percebendo que eu já batia o queixo, André saiu da água e tirou de sua mochila uma toalha grossa enrolando-a em mim e dizendo:

- Se enxugue e vamos lá, porque para esquentar agora, só voltando para a caminhada, estamos perto de Itzá e tem muita coisa para ver por lá! – tirou duas barras de cereais da mochila e me deu uma – para recobrar um pouco da energia.

Caminhamos mais uma hora talvez, o lugar era maravilhoso. Chichén Itzá significa “boca do poço de Itzá”, é a mais conhecida, melhor restaurada e a mais impressionante das ruínas Maias, foi construída por volta do ano 550 d.C.

Eu estava em êxtase, nem me lembrava de que estava lá em busca de inspiração para escrever, só conseguia imaginar como eles haviam vivido como haviam conseguido construir tudo aquilo manualmente. A praça das mil colunas, diante do templo dos guerreiros, a pirâmide de Kukulkam, a plataforma de Vênus, o observatório, era tudo tão fascinante!

De repente, percebi que André me olhava com um ar satisfeito e tinha no rosto um sorriso de missão cumprida, ou quase, porque ele me perguntou:

- Quanto tempo pretende ficar? – a pergunta me pegou de surpresa, mesmo porque não sabia exatamente a intenção contida por trás.

- Eu não sei. Bem, quer dizer, no hotel vou ficar apenas uma semana. É que eu vim com intenção literária, então, pretendia ficar uma semana no hotel e ver se encontrava por aqui uma pensão, ou até mesmo um apartamento. Na verdade, eu pretendia ficar por um ou dois meses, no máximo, talvez menos, não sei! Tudo depende.

- Depende de quê?

- De quanta inspiração eu poderia encontrar para o meu trabalho.

- Acho que posso te ajudar nisso. Quero dizer, em encontrar um lugar para ficar por um tempo, claro – ah, aquele risinho de canto...

- Vai ser muito bom, quero dizer, vai ser bom se você me ajudar já que vive aqui, conhece tudo...

Retornamos pela trilha até o estacionamento, já era finalzinho de tarde quando chegamos ao hotel. Eu agradeci o passeio maravilhoso e nos despedimos com um abraço que parecia que seria tão formal quanto o anterior, mas ele, delicadamente, colocou a mão direita em minhas costas fazendo uma leve pressão para em seguida me soltar, não sem antes roçar a barba por fazer em meu rosto com pretexto de se despedir com um beijinho e dizer: “às suas ordens”.

Eu sorri desconcertada, me virei e segui para meu quarto. Quando abri a porta ela estava lá, sentada em minha cama, e me olhava com um ar pesaroso. Eu estava irritada por não ter conseguido dizer nada a ele, alguma coisa do tipo “quando vou te ver de novo?”, então mandei logo a pergunta de praxe: “e agora, dessa vez veio me buscar?”.

Então era ela na mata e no Cenote, o que poderia ser agora? Aqui nesse lugar paradisíaco? Ou veio me buscar finalmente, não que eu espere por isso, ou veio me mostrar que no paraíso também se morre.


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Notas finais do capítulo

Comentem queridos!
Bjokas♥



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