Nickelback - Far Away

Eu estou correndo o mais rápido que posso, sinto passos atrás de mim, mas o medo que toma conta do meu corpo me proíbe de olhar para trás e ver quem é que está a me seguir. Virei à esquina ainda correndo, não sinto minhas pernas mais e minha respiração está acelerada, sinto meu peito subindo e descendo, não agüento mais correr. Finalmente paro e olho para trás, não vejo nada. De repente uma luz forte me atinge e uma dor horrível na cabeça, não consigo me mexer e quando abro os olhos... Estou em uma sala escura, o cheiro de mofo e um homem de capuz parado em minha frente.

Juliana: Quem é você?

XxX: Eu? Eu não sou ninguém, docinho. – mesmo se passasse mil anos eu nunca me esqueceria daquela voz. Eu tento desesperadamente me soltar, grito e grito, mas ele já está tampando minha boca e me esfaqueando. E a única coisa que eu lembro é do escuro me cegando.

Travis: Jujuba! Jujuba acorda! – ele me balançava preocupado. Abri meus olhos, sua expressão de medo.

Juliana: Ele voltou – sussurrei perdida.

Travis: Ele quem? Foi só um pesadelo amor. Não se preocupe – ele me abraçou forte. – Ta tudo bem, você está bem, estou aqui.

Matheus: Jú? – ele entrou no quarto preocupado – O que aconteceu? Ouvimos seus gritos. – ele falou se aproximando junto com a Nanda.

Fernanda: Você está bem?

Juliana: Tive um pesadelo. – sorri de lado.

Matheus: Vou trazer um copo de água. – ele falou e saiu do quarto. Nanda se sentou ao meu lado na cama.

Fernanda: Como foi seu pesadelo?

Juliana: Eu vi... O seqüestrador. – assim que falei Travis me abraçou mais forte e Nanda parecia pensativa.

Fernanda: Também tive um pesadelo essa noite. Acho que foi mais assustador que o seu. – comentou sorrindo de lado.

Juliana: O que você sonhou?

Fernanda: Que estava pelada na minha festa de aniversário e todos da escola riam e tiravam fotos. Foi assustador – ela estremeceu e fez careta, não consegui deixar de rir.

Travis: Imagino como deve ter sido assustador. – ele brincou.

Matheus: Aqui está. – ele me deu um copo e água com açúcar, fiz careta mais tomei. – Está melhor?

Juliana: Ahn, obrigada. – assenti e coloquei o copo em cima da cômoda.

Fernanda: Melhor dormirmos, amanhã será um dia cheio pra vocês dois. – ela sorriu maliciosa e saiu do quarto junto com o Math.

Juliana: Ela sabe aonde você vai me levar?

Travis: Claro. Ela que deu a idéia – ele deu de ombros e apagou a luz.

~x~

Acordei e Travis não estava mais ao meu lado, peguei meu celular em cima da cômoda que marcava ser 9 horas da manhã, me espreguicei pra fora da cama e fui até o banheiro, fiz minha higiene, tomei banho e sai enrolada na toalha, segui para meu closet, de dentro dele tirei uma regata branca e uma calça jeans escura, coloquei meu all star cano alto e penteei meu cabelo.

Quando estava pra sair do quarto, Travis aparece com uma badeja de café da manhã na mão, assim que me viu levou um susto.

Travis: Não acredito que você já acordou. – reclamou.

Juliana: Bom dia pra você também.

Travis: Desculpa. Queria te trazer café da manhã na cama e te acordar, mas... – ele fez beicinho e eu sorri maravilhada.

Sentei na cama e deu uma batidinha ao meu lado, indicando que ele se sentasse. Ele fez o que pedi e me estendeu a bandeja – nela tinha, ovos mexidos, panquecas, suco de goiaba natural e uma barrinha de chocolate – Olhei pra ele e deu um selinho no mesmo.

Juliana: Obrigada.

Travis: Quero que nosso dia seja perfeito.

Depois de comer junto com ele, escovei meus dentes e avisei ao Math que estava saindo. Minha primeira reação ao ver a moto estacionada em frente de casa foi de desconfiança. Travis riu e disse que eu não precisava me preocupar, pois a BMW S1000RR não deixava ninguém na mão. Palavras dele. Só que o pior não é deixar alguém na mão, mas sim estatelado no chão.

Com jeitinho ele me mandou sentar na garupa e nem se deu ao trabalho de me contar aonde íamos. Mas, assim que me encaixei atrás dele e senti a rigidez de seus músculos abdominais, deixei pra lá todo o receio de cair.

Então voamos de casa direto para uma estrada de terra, que cortava uma campina muito verde, salpicada de flores selvagens. Embora o capacete me sufocasse um pouco, consegui sentir o perfume da natureza e fiquei absorvendo os aromas, quase em transe. Até que me dei conta de que boa parte dos odores era do próprio Travis. Ele exalava um perfume masculino cru, com um toque amadeirado. Dizer que meu coração perdeu umas duas batidas seria mentir descaradamente. Ele deixou de bater por cindo segundos mesmo. E depois, quando voltou, espalhou uma onda de eletricidade por todo o meu corpo.

A praia paradisíaca – A paisagem surgiu de repente, fazendo-me ofegar de surpresa. Aquele lugar não poderia ser real. Travis parou a moto e eu pulei na areia, completamente arrebatada pela beleza do lugar. Arranquei o capacete e inspirei o ar marinho, tão novo para mim. Livrei-me também de meu all star, chutando-o de qualquer jeito, e afundei os pés na fofura daquela areia branca. Que sensação maravilhosa!

Juliana: Este lugar é lindo! – suspirei.

Travis pegou minha mão e me puxou consigo, enquanto dizia:

Travis: Você ainda não viu nada, Jujuba.

Caminhamos um bom pedaço da praia e estávamos sobre rochas, bem acima do mar.

Travis: Quero que você conheça a Caverna do Pirata. – ele exclamou com um sorriso genuíno nos lábios.

Juliana: Caverna do Pirata?

Travis: é. Vai me dizer que nunca ouviu falar da lenda do Capitão Barba Longa? – ele perguntou mais antes que eu pudesse responder, fez cara de mistério e caminhou até uma gruta escondida entre as rochas, eu o seguia – Há muito tempo, mais ou menos uns 500 anos atrás, o Capitão Barba Longa era o rei dos sete mares. Tinha um navio enorme, cheio de alçapões onde costumava esconder os tesouros que roubava de imperadores e nobres. Também era conhecido como o pirata mais destemido de todos os tempos, pois saqueava os navios dos rivais e sempre levava a melhor. Ninguém tinha coragem de enfrentá-lo, pois bastava uma provocação e ele apontava seus canhões para seus inimigos. Barba Longa já possuía muitas riquezas, mas não havia quem o fizesse largar aquela vida. Ele queria sempre mais e mais. Até que um dia apareceu um pirata a sua altura: o Capitão Caolho.

Nesse ponto da história, comecei a rir. Travis havia alterado o timbre da voz, que soou muito engraçado.

Travis: Qual é a graça? – questionou com a testa franzida.

Juliana: Nenhuma. Continue. – sorri.

Travis: Então. O Capitão Caolho era mais jovem do que Barba Longa e queria muito roubar seus tesouros. Sendo assim, travaram uma batalha sem fim. Ora um vencia, ora o outro. E Barba Longa foi vendo muitas de suas relíquias serem levadas pelo rival.

Juliana: O Capitão Caolho invadia o navio de Barba Longa para saquear? – perguntei. Travis me encarou, mas os olhos enxergavam além de mim.

Travis: Sim. Mas nunca conseguiu levar tudo, pois havia muitos tesouros. Então, Barba Longa montou uma estratégia. Em vez de levar os tesouros roubados para seu navio, começou a escondê-los em praias desertas. Por onde ia, deixava algo para trás. Depois, voltava ao local e levava o tesouro consigo, quando fosse seguro. O Capitão Caolho chegou a pensar que Barba Longa já tinha perdido tudo e parou de persegui-lo. Mas como em toda história de pirata, havia um traidor entre os tripulantes do navio de Barba Longa. Esse cara se chamava Bad Shark, contou ao Capitão Caolho todo o plano bolado por seu capitão.

Juliana: Mas como Bad Shark fez isso? – interrompi. – Onde ele se encontrou com o Capitão Caolho? E qual foi à intenção dele ao fazer isso? –Eu estava adorando a história e, de repente, senti-me totalmente envolvida. Travia riu.

Travis: Sei lá! Só sei que o Capitão Caolho ficou puto da vida. Queria porque queria conquistar mais riquezas. Para isso, precisava ser mais esperto e chegar ao lugar onde os tesouros estavam escondidos antes que Barba Longa voltasse para pegá-los. Com a ajuda do traidor Bad Shark, conseguiu ter sucesso muitas vezes. No entanto, Barba Longa, que não era bobo, desconfiou que havia algo errado e, ameaçando jogar todos os seus homens ao mar, conseguiu descobrir que Bad Shark estava servindo a Deus e ao diabo ao mesmo tempo.

Juliana: Você quer dizer a dois diabos, né? – emendei.

Travis: É verdade – concordou e mais uma vez segurou minha mão para me ajudar a subir um pouco mais. – Então, antes de fazer Bad Shark andar na prancha e cair na boca dos tubarões, Barba Longa o obrigou a indicar locais falsos para o Capitão Caolho. Ao perceber que havia sido enganado, Caolho passou a dedicar cada dia de sua vida a tentativas de matar Barba Longa. Até que, um dia, ele conseguiu.

Juliana: O quê? Ele matou Barba Longa? Assim, sem mais nem menos? –fiquei indignada. – Logo agora que eu estava torcendo pelo corsário veterano...

Travis: É – ele sorriu, parando de caminhar. – Por isso, muitos tesouros ficaram perdidos para sempre, escondidos em praias desertas de todo o mundo. E uma delas fica bem aqui, no Rio, mais precisamente ali, na Caverna do Pirata.

Segui o olhar de Travis até me deparar com a entrada da gruta. Fiquei imaginando se tudo não passava de uma lenda boba ou se a história era realmente verdadeira.

Juliana: Essa foi boa! – disse exalando o ar de uma só vez. – Você quase me pegou.

Travis: Ah, é? E o que me diz... Disso? – ele tirou de dentro da mochila uma moeda de ouro, muito antiga mesmo. Estendeu-a para mim. – Achei-a durante um mergulho no lago da gruta, há alguns anos. Fiquei muda, perplexa. – Se não acredita, pergunte a outros mergulhadores. Melhor ainda: pergunte a qualquer morador daqui. Todo mundo vai confirmar a história.

Juliana: Está certo – disse por fim. – Você está me saindo um exímio contador de histórias.

Travis: E você é muito impressionável.

Sem dizer mais nada, entramos finalmente na gruta, ou melhor, na Caverna do Pirata. E minha perplexidade só aumentou. Como o interior de uma rocha poderia ser ainda mais belo do que a praia de onde viéramos? Havia um lago transparente e as frestas entre as pedras faziam a luz do sol penetrar e ser refletida pela água cristalina. Um espetáculo! E depois de toda aquela história de pirata, verdadeira ou não, a aura ali dentro parecia mágica. Cheguei a ouvir as vozes do Capitão Barba Longa e de sua tripulação. Meu corpo se arrepiou todo.

Juliana: Lindo... – murmurei.

Travis: Não é? – disse ele, quebrando meu encantamento. – Esta gruta é um dos meus refúgios secretos. É para cá que corro quando as coisas não estão muito boas. É tão calma, solitária... – ele me olhou com um brilho diferente nos olhos – Quero que aqui seja nosso refugio secreto. – ele então estendeu sua mão para mim e eu sabia o que ele queria que eu fizesse.

“Destemido é aquele que consegue enfrentar seus medos mesmo temendo-os.
Corajoso é aquele que tem ciência dos riscos que está tomando e decide que as conseqüências valem os mesmos.
Inconseqüente é aquele que pensa que está à prova de tudo, que pode tudo e não mede a sua mortalidade.”

Respirei fundo sentindo a mão de Travis na minha, tentei controlar o arrepio que percorria minha espinha.

Juliana: Eu não tenho medo de você – sussurrei para o lago a minha frente e dei um passo para frente.

A água tocou meus pés e um arrepio percorreu minha espinha inteira. Apertei ainda mais a mão de Travis e fechei os olhos inspirando o lago.

Eu não posso ter medo pra sempre, afinal isso é ridículo, eu vivo no Rio de Janeiro, onde tem várias praias! Eu não posso ter medo do oceano! Eu não posso ter medo da água salgada! Dei mais um passo sentindo lágrimas de pânico escorrendo pelo meu rosto. Eu não voltaria! Já estive no mar com Josh, com Matheus, Nicole, Lucas, Mamãe, Papai e com Yasmin. Eu já amei o mar. Não posso depender das pessoas para ser forte. Por mais que eu tenha passado um dos piores momentos da minha vida no mar, eu também tive momentos de pura alegria e prazer.

Quando percebi a água já estava na minha cintura e a barra da minha blusa estava subindo com as marolas que estavam passando por mim, movimentando meu corpo. O lago estava me envolvendo, frio, calculista, impassível, indiferente e eu voltei a derramar lágrimas de medo. Não seria fraca! Não mostraria que estava apavorada!

A água já estava batendo em meu peito, então parei e respirei fundo acalmando-me, olhei para Travis, tentando encontrar seus penetrantes olhos cinza, que me olhavam ansiosos, com admiração.

Eu te amo mar. Amo com receio de que me machuque mais uma vez. Amo sempre temendo outro golpe baixo. Amo sabendo dos bons momentos que compartilhamos. Amo sabendo que quase morri por sua causa. Amo pela sua sinceridade, pureza e beleza. É desse jeito que é necessário te amar.

Josh, eu não pude fazer nada quando você mais precisou de mim. Eu fui péssima. Eu errei. Mas não pretendo errar novamente e é por isso que eu estou aqui. Eu te amo, amo como eu amo o mar, e agora eu digo que não tenho medo do que eu sinto por vocês dois. A partir de hoje acabou nossa rixa! Acabou o pavor. Acabou o medo. Acabou o pânico. De agora em diante eu serei forte. Eu encararei o mundo de cabeça erguida e não vou mais hesitar.

Mergulhei no lago, a água gelada envolvendo todo o meu corpo, minha visão embaçada e a mão de Travis me segurando firme, ao meu lado.

Adeus medo.