As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 52
"Avôs"




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#Narrado por Diana#

Eu separava algumas roupas em uma pequena mala. Roupas para passar o dia em Niterói. Conheceria meus avós maternos. Finalmente! Eu queria estar animada, mas enquanto Lucas me ajudava a dobrar algumas das roupas, lembrei de Daniel.

- O que ele disse mesmo depois que leu a carta? – perguntei a ele, mesmo que já se passassem dias desde que tudo acabou.

Lucas revirou os olhos e disse:

- É a terceira vez em que você me faz essa pergunta. Já faz tempo que vocês não se falam.

- Ele nem tá indo pra escola. Acho que eu deveria ligar pra ele. – continuei, puxando o celular do bolso.

Eu discava os números quando Lucas pôs as mãos sobre a tela e me fitou.

- Não! Você não pode fazer isso Di. Acabou. – disse ele fechando a tela de chamada e colocando o celular sobre a cama.

Meu irmão estava errado. Algo dentro de mim dizia que não era o fim. A minha própria carta dizia que não era o fim, então porque eu estava acreditando que tudo tinha acabado? Eu o amava e estava disposta a esperar por uma resposta. Eu sabia que quando as coisas estão destinadas a acontecer, elas acontecem... Mesmo que o vento sopre contrário.

- Mas nós não terminamos. Demos um tempo. Foi isso. – insisti de cabeça baixa.

- “Dar um tempo” significa “terminar aos poucos”. – replicou Lucas fechando a mala. – Siga em frente princesa. – Ele saiu do quarto e eu fiquei sozinha.

Reli algumas mensagens no histórico do celular. Deitada na cama enquanto rolava as mensagens trocadas com Daniel quando estávamos juntos e tropecei em uma das primeiras, quando escrevemos a música “Use somebody”. Sorri. Eu sentia falta dele. Do cheiro dele e da forma como ele sorria quando me fazia sorrir. Lembrei das incontáveis vezes que ele ficava me encarando quando assistíamos filmes. Das gargalhadas no meio da sala de aula e do primeiro aperto de mão antes do abraço. Lembrei do casmurro e a voz de Daniel ecoou na minha mente:

Dizem por ai, mas não tenho certeza, que meu sorriso fica mais feliz quando te vejo, dizem também que meus olhos brilham, dizem também que é amor, mas isso sim é certeza.”

Eu sabia, no fundo de algum lugar do meu coração, que algo não estava certo. Nós dois erramos e eu queria descobrir aonde.

- Já tá pronta filha? – chamou minha mãe.

- Sim! – gritei. Coloquei a mala no chão e saí puxando pela casa. Fui até a sala e lá estava o meu pai segurando a chave do carro e sorrindo.

- Ora, finalmente, depois de dezessete anos você vai conhecer seus avós. – disse ele.

Minha mãe expressava uma felicidade sem tamanho.

- E eu vou finalmente buscar meus documentos. Faz um mês que meu chefe vem pedindo. – disse ela.

Lucas sentou-se no sofá e começou a assistir outra série de televisão.

- Até a noite Lucas! – despedi-me.

- Você vai ficar bem né querido? – perguntou minha mãe a ele. Lucas assentiu.

- Tchau filho. – disse meu pai bagunçando o cabelo claro de Lucas.

Dentro do carro, minha mãe saiu metade do caminho falando sobre a mala que eu estava levando.

- Só vamos passar o dia lá. Não há necessidade em levar essa mala.

- Mas tem coisas aqui que eu vou precisar. – repliquei.

- Qual o problema dela levar a mala? – questionou meu pai.

Quando passávamos pela ponte, minha mãe já estava tão ansiosa que começou a narrar histórias que meus avós contavam pra ela quando ela era criança.

- Você vai gostar deles. Eles são legais depois que você conhece. – disse ela.

Meu pai olhou pra mim pelo retrovisor do carro. Eu não acreditava nas palavras da minha mãe porque meus avós nem me queriam viva, então eles não me pareciam ser legais.

- Mesmo que eles tenham errado muito, eles querem conhecer você agora. – continuou ela.

- Grande coisa. – murmurei.

- Está animada? – perguntou meu pai olhando novamente pelo retrovisor.

- Acho que sim... Sei lá. – respondi.

- Pegou a mania do garoto lá? De contrariar as próprias respostas? – disse meu pai.

- Desculpe... Só estou tentando ser sincera. – respondi novamente.

Meu pai olhou pra minha mãe que ignorou aquilo. Depois de um tempo pedi para ele ligar o rádio porque o silêncio estava me incomodando.

Rádio Maravilha, 24 horas de puro sucesso...

De repente, algumas músicas nostálgicas começaram a tocar. Anos 80, 90... Minha mãe batia com as mãos no carro, seguindo o ritmo. E então, tocaram Madonna e eu implorei aos céus que a rádio fosse dessincronizada. Mas...

- Ai meu Deus! Eu amo essa música! Lembra Carlos? Quando estudávamos, todas as meninas queriam entrar no baile de formatura com essa música, mas só eu consegui?

- Lembro. – afirmou meu pai sorrindo.

Revirei os olhos e me arrependi de ter pedido para ligar o som.

- Strike a pose! – cantava a minha mãe gesticulando com as mãos enquanto a música continuava tocando.

- Olha, eu sei que a senhora não teve uma adolescência assim... Tão legal, mas por favor não cante. – pedia cruzando as mãos.

Meu pai mudou de estação e então “Use somebody” começou a tocar, bem na parte em que Caleb Followill dizia “Você sabe que eu preciso de alguém... Alguém como você!”.

Joguei meu corpo pra trás e resmunguei sozinha.

- Ok pai, pode desligar o rádio.

***

Niterói é uma cidade extremamente bonita e aconchegante. Não que o Rio de Janeiro não seja aconchegante e bonito, mas Niterói é consideravelmente mais pacata.

- Estamos a poucos minutos da casa de seus avós. – avisou minha mãe.

Puxei uma barra de cereal da bolsa e comecei a comer.

- A senhora morava aqui antes? – perguntei a minha mãe.

- Morei aqui até os doze anos. Depois, eu e meus pais nos mudamos para o Rio. Quando me casei com seu pai, eles voltaram para Niterói.

Após meia hora chegamos em um bairro calmo do qual não perguntei o nome. Uma casa azul de dois andares me chamou atenção pelas flores vermelhas que enfeitavam o muro alto. Justamente naquela casa meus avós moravam.

Tocamos a campainha e uma senhora branca de olhos enrugados e sorriso bobo nos recebeu. Ela olhou pra minha mãe e logo em seguida pra mim.

- Mãe! – exclamou minha mãe a ela.

As duas se abraçaram e eu tive a certeza naquela hora de que era a minha avó, Lívia. Ela se aproximou de mim e eu não expressei nenhuma emoção boa. Eu nem queria estar ali. Meu pai quase me empurrou para cima dela e então nos abraçamos. Foi estranho abraçar aquela mulher.

- Quanto tempo esperei por esse abraço. – disse ela. Sua voz rouca, ferida pelo tempo, soava como uma canção antiga sendo tocado no disco de vinil.

Depois que nosso quase infinito abraço acabou, afastei-me dela e fui até meu pai. Apertei a mão dele esperando um sinal.

- Diga alguma coisa filha. – insistiu meu pai.

Eu não sabia o que dizer, então sorri.

- É melhor entrarmos. Humberto quer conhecê-la também. – disse Lívia.

Acreditei que Humberto fosse meu avô. Entramos na casa e ali estava ele, levantando-se com dificuldade do sofá e abraçando minha mãe, cumprimentando meu pai e ficando estagnado a me ver.

- Querida! E-eu... É tão bom vê-la! – disse ele. Os olhos espantados, parecia chorar e sorrir ao mesmo tempo.

Ainda tímida, não disse nada e nem o abracei.

- Sente-se Diana. Fique a vontade. A casa é sua. – disse Lívia.

Estranho “a casa ser minha” se eu nem deveria estar viva aos olhos dela.

Meu pai puxou uma poltrona e sentou-se. Fiz o mesmo.

- Foi uma longa viagem, mas aqui estamos. – disse minha mãe.

- Fico feliz por vê-la. Preparei um almoço especial para nós. E claro, separei seus documentos. – falou Lívia.

Os três conversavam, mas a atenção dos tais avós estava inteiramente em mim.

- Ela está tão linda! A primeira e única vez em que a vi, mal sabia falar.

- Vejo que não mudou muita coisa. – disse Humberto.

Engoli a indireta pela minha falta de comunicação.

- Porque não conta a eles sobre seu livro filha? – perguntou minha mãe. – Ela vai publicar um livro mãe.

- Qual o nome do livro? – perguntou Lívia.

- Não posso contar. Meu empresário não permite. – respondi.

- Pode me falar então sobre como está indo na escola?

- Bem.

- E que faculdade você quer cursar? – questionou meu avô.

- Não sei ainda.

Um silêncio rondou a sala e então minha mãe pareceu desapontada comigo. Eu não queria vê-la mal porque devia muito a ela, mas não queria demonstrar ser a “melhor neta do mundo” para aqueles dois.

- Mas, garanto que o meu livro é bom. – disse rompendo o silêncio. – E eu passei na UFRJ também.

Todos na sala sorriram felizes por eu finalmente estar participando.

- Acho que já podemos almoçar. Temos muita coisa pra conversar. – continuei. – Dezessete anos é muito tempo.

***

No final do dia eu sabia mais sobre meus avós. Já conseguia respeitá-los como sendo quem são e perdoando o tal erro passado. Eu fiquei feliz por fazer parte de algo na vida deles e por eles terem redimido tudo o que fizeram de mal a minha vida com poucas palavras:

- Sempre amaremos você.

Isso foi tudo.

Na volta pra casa, senti vontade de continuar ali ouvindo Lívia falar sobre as traquinagens que minha mãe aprontava quando criança. Mas precisávamos voltar pra casa. Mesmo assim, nós três (eu, mãe e pai) ainda fizemos um pequeno passeio na cidade quando voltamos. Pela primeira vez depois de meses eu sentia que estávamos em sincronia novamente.

Chegamos tarde em casa, mas incomodei Lucas.

- LUUU! Senti sua falta pirralho! – exclamei ao entrar no quarto e vê-lo dormindo.

- Obrigado por me acordar sua demente! – replicou ele jogando o travesseiro no meu rosto.

- Ok... Não quer saber como foi?

- Quero dormir agora. Amanhã você me conta.

Olhei para o relógio. Eram duas horas da manhã. Coloquei a mala do lado da cama e fui até a cozinha preparar um chá.

- Não vai dormir agora? – perguntou meu pai vindo da sala.

- Não. Estou com vontade de tomar chá. – disse rindo.

- Eu aceito.

Servi um pouco pra ele e dividimos no sofá.

- Sua mãe já dormiu. A única coisa que fez foi me entregar dois travesseiros e um lençol. Eis aqui a minha nova cama. – disse ele referindo-se ao sofá.

Eu ri.

- Bom, vocês “tecnicamente” não são mais casados. – disse.

- Mas eu sei que ela ainda gosta de mim...

- Como assim pai?

- Ela sorri quando eu sorrio. Isso é um sinal.

- O senhor aprendeu a ser convencido com o Lucas ou foi ao contrário?

- Lucas é um bom garoto. Tem direito de ser convencido.

- Ah, por favor! Não o deixe ouvir isso. – exclamei contrariando.

Paramos os risos e logo meu pai mudou sua expressão engraçada para algo mais sério, prestes a dizer alguma coisa importante.

- Ontem eu conversei com Daniel.

Gelei. Tremi. Fiquei indignada por aquilo estar sendo dito agora. Queria não saber e ao mesmo tempo saber.

- Ontem não, porque já passa da meia noite. Antes de ontem, na verdade. – corrigiu ele.

- Ele veio aqui? – perguntei nervosa.

- Sim, ele veio atrás de você, mas você estava na editora. – respondeu ele misturando o chá.

- E depois?

- Nós ficamos conversando sobre... Coisas de homem. Essas coisas, sabe?

- Não pai, não sei.

Ele riu e colocou a xícara sobre a mesinha de centro.

- Daniel parecia confuso. Parecia... Indeciso. Bom, eu já sabia que ele próprio costuma se contrariar, mas ele estava tão disposto a falar com você. Como se você fosse a solução para algum problema. – disse ele olhando pra mim esperando que eu compreendesse aquilo, sendo que eu estava mais confusa agora do que antes.

- Não nos falamos há algum tempo. Nem sei dizer ao certo se terminamos, mas Lucas acha que sim.  – falei.

- Não deve ouvir a opinião de ninguém além da sua própria. Se você gosta dele, espere ele acertar as coisas. Tenho certeza que com a conversa que tivemos ontem, Daniel irá tentar “mudar”.

- Oh, obrigada por ter conversado com ele e não o expulsado como pensei que fosse fazer. – disse rindo. – Obrigada mesmo. – lhe dei um beijo no rosto e saí.

 Organizei algumas coisas no quarto evitando fazer qualquer barulho e depois fui dormir. Pela primeira vez depois de vários dias eu estava cansada o suficiente para dormir de verdade.

***

O despertador toca. Eram dez horas da manhã. Um barulho vindo da sala estava incomodando mais do que o próprio despertador.

Pus o travesseiro sobre a cabeça e esperei passar. Parecia que algumas pessoas estavam lá fora, rindo, conversando. Olhei para o lado e não encontrei Lucas. Apenas sua cama bagunçada e algumas roupas em cima dela.

Levantei rapidamente seguindo a hipótese de que tínhamos visitas. Era domingo, logo isso era normal.

Ajeitei o cabelo no espelho fazendo um rabo de cavalo torto. Abri a porta do quarto e lá estavam meus primos, meus tios, meu avô paterno, a mãe de Rafael, e Rafael.

Meus olhos saltaram de susto. Pensei em retornar para o quarto, mas meus primos já haviam gritado o meu nome e todos na sala me viram.

- Diana! – exclamou minha tia. – Nossa, estávamos falando sobre você e seu livro.

- Ah... Legal. – disse tentando expor animação.

- Sente-se aqui querida. – pediu minha mãe.

- Não, eu vou tomar banho. – avisei.

Lucas olhou pra mim e depois pra Rafael. Então, ele riu e Rafael desviou os olhos brilhantes para o outro lado da sala.

Seguindo desesperadamente para o banheiro, ouvi a mãe dele sussurrar o quanto eu continuava bonita.

Lavei os cabelos apressadamente e só então lembrei-me de que eu não tinha levado roupa para o banheiro. Eu não iria sair enrolada na toalha até o meu quarto estando exposta a pessoas como as que estavam lá, então gritei para o meu “faz-tudo”.

- LUCAS!

Os passos apressados correndo pelo pequeno corredor até o banheiro me fizeram rir.

- O que foi? – sussurrou ele na porta.

- Não trouxe roupa. Pode pegar alguma coisa pra eu vestir? – pedi.

- Que roupa?

- Qualquer uma!

- Tem certeza?

Revirei os olhos e murmurei.

- Sim.

- Ok, vou pegar o saco de lixo pra você usar. – disse ele gargalhando.

- Pare de ser idiota.

- Eu já volto.

Os passos rápidos pelos corredores se repetiram mais duas vezes até ele voltar.

- Toma aqui.

Abri um pouco da porta e puxei as peças de roupa. Preciso dizer que ele escolheu uma saia? Provavelmente não. Aquela coisa escandalosa que ele trouxe pra eu usar me fez repensar que sair do banheiro de toalha não era uma má ideia.

- Ok, eu estou preferindo um saco de lixo agora. 


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