As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 41
A primeira crise.


Notas iniciais do capítulo

Trecho da música "Heaven" de Bryan Adams mencionado na fic.



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#Narrado por Diana#

É sexta-feira. Último dia da semana, pré-dia à grande prova. Na escola, o nervosismo toma conta de grande parte dos vestibulandos. Exceto de Daniel:

– Parece despreocupado. – disse a ele.

– Por que eu deveria me preocupar? É só uma prova.

– Ah, continue pensando assim querido, e você não chega a lugar algum. – replicou Flávia.

Daniel revirou os olhos e continuo comendo o lanche da escola enquanto o resto de nós discutia a respeito do local da prova.

– Di, já que nós vamos fazer a prova no mesmo lugar, que tal você dormir lá em casa hoje? Meu pai leva a gente de carro. – sugeriu Flávia.

– Hum, preciso falar com a mamãe sobre isso antes... Tipo, bem antes. – falei.

– Posso pedir pra minha mãe telefonar pra ela.

– Eu falo com ela assim que chegar em casa. Hoje eu ainda tenho a última aula do reforço. – olhei pra Daniel que não parecia feliz. – O que há, porque essa cara?

– Eu? – disse ele retoricamente. – É a mesma cara de sempre. – ele levantou-se e seguiu para o banheiro.

– Eu acho que o camarada ficou tenso. – comentou Maurício.

– Vocês estão bem, Diana? – questionou Flávia.

– Estamos.

Eu achava. Como diria Flávia: “pobre garota ingênua”.

***

Voltei pra casa um pouco mal. Na verdade, magoada com a frieza com que Daniel estava lidando com o aspirante a professor, Rafael, e ao pouco tempo que tivemos juntos essa semana. Não queria deixá-lo “de lado” ou nada do tipo. Mas se tratando do meu futuro, minhas prioridades e de mim mesma, relacionamentos ficam em segundo plano.

– Ok, Rafael é um cara bonito. Daniel tem todo o direito de sentir ciúmes. – comentou Lucas enquanto voltávamos pra casa no ônibus.

– Eu sei. Mas não dei motivo algum pra ele agir como se Rafael fosse um problema.

– Será mesmo? – questionou Lucas.

– Sim, não dei.

– Diana, hoje você falou sobre o tal livro que Rafael lhe deu por duas aulas inteiras! Explicou sobre como Rafael explicava muito bem química e como ele era inteligente e blá blá blá! – disse Lucas gesticulando uma boca com a mão.

– Não foi bem assim... – defendi-me.

– Foi sim senhora.

Ele me encarou e eu concordei que devia ter exagerado. Prometi a Lucas que iria me redimir, e já sabia como.

Chegamos em casa exaustos. Lucas ficou falando parte do caminho sobre o novo episódio da série que estava assistindo.

– Hoje a minha personagem favorita vai morrer. – comentou ele.

– E como você sabe disso? – perguntei.

– vi na internet.

– E que graça tem assistir algo que você já sabe o final?

Ele não respondeu.

Fui à cozinha onde minha mãe preparava o almoço. Ela parecia um tanto animada para quem passara o dia inteiro limpando a casa. Ela cantarolava uma música da Madonna.

– Hum... O que há? – questionei enquanto me servia um copo d’água.

– FILHA! Você não vai acreditar! – exclamou ela com um sorriso largo no rosto.

– Diga então.

– Arranjei um emprego! – disse ela ainda sorrindo.

– Nossa mãe! Isso é ótimo. Aonde?

– Sabe aquela loja de artigos de decoração lá do shopping? Então... Estavam precisando de uma vendedora.

Era estranho ficar feliz pela minha mãe ter conseguido um emprego, até porque eu queria que ela voltasse a estudar e fizesse faculdade, realizasse seu sonho. Não queria vê-la passar o resto da vida ajudando pessoas esnobes a escolherem o abajur que iria combinar na sua sala.

– Bom, espero que isso a faça feliz. – foram as minhas palavras finais antes de ir chamar Lucas para almoçar.

Lucas e eu conversávamos sobre o fato de ficamos sozinhos nas outras semanas, pois mamãe iria começar no seu novo emprego na segunda-feira. Eu não sabia cozinhar muito bem. Na verdade, eu mal sabia ligar o fogão sem queimar o dedo no fósforo ou isqueiro.

– Eu sei fazer panquecas. E macarrão. Arroz, feijão. O básico. – disse Lucas.

– Eu sei cortar pão e passar manteiga nele, se isso ajuda. – falei fazendo com que os dois rissem.

– Ora, vocês vão ter que aprender. Mesmo assim, para evitar que a casa pegue fogo, vou deixar algumas coisas preparadas para vocês. – afirmou minha mãe.

A campainha toca quando estamos terminando o almoço. Levanto-me imaginando que fosse Rafael. Porém, outra pessoa na porta me surpreende:

– Eduarda?

Ela me olha nos olhos e sua expressão é lastimável.

– Posso entrar? – pergunta ela com a voz seca.

– Eu... Eu não sei se isso é uma boa ideia. Minha mãe não conhece você. – digo murmurando.

– Mas vai conhecer. Eu preciso urgentemente conversar com você. – continuou ela.

Ouço a voz da minha mãe ao fundo chamando por mim. Ela aparece e pergunta se está tudo bem.

– Sim, está sim. – respondo.

– Quem é filha? – pergunta ela encarando Eduarda.

– É a mãe do Daniel.

Minha mãe convida-a para entrar. As duas começam um diálogo espontâneo sobre o clima frio do Rio de Janeiro. Ela pergunta se Eduarda quer almoçar conosco, mesmo sabendo que todos nós já almoçamos. Eduarda agradece ao convite, mas diz que já almoçou e que a conversa dela é comigo e se minha mãe, por gentileza, poderia nos deixar a sós.

– Claro, fique a vontade. – disse minha mãe se retirando da sala.

Sentei-me ao lado de Eduarda que apertava as mãos uma contra a outra, como se estivesse nervosa o suficiente para não conseguir conversar.

– Você quer um copo d’água? – pergunto preocupada, colocando minha mão em seu ombro, tentando acalmá-la.

– Não querida, obrigada. – responde ela. Eduarda respira fundo e então prossegue. – Eu quero que você me ajude a convencer Daniel a morar comigo.

– Como? – pergunto indignada.

– Qual o problema? Ele é meu filho.

– Ele mal sabe sobre você. Combinamos que vocês iriam se ver no aniversário dele, na semana que vem. Lembra?

– Eu sei, mas estou entrando em desespero!

– Passou dezoito anos bem. Não vai ser agora que você vai morrer. – disse.

– Diana, eu estou com câncer.

As palavras dela me sugam para outra dimensão. Como se o chão tivesse se aberto diante dos meus pés e uma força sobrenatural me puxado para longe. Não ouço nada. Não vejo nada além dos olhos encolhidos de mágoas que está diante de mim. Os de Eduarda. E vejo algumas lágrimas rolarem por aquele rosto pálido dela enquanto ela soluça a ponto de me deixar sem ar.

– Eu descobri meses antes de voltar ao Brasil. – continua ela. – É câncer de pâncreas. Está em um estágio... Um tanto mal.

– Você está fazendo algum tratamento? – pergunto.

– Estou. Mesmo assim, não acredito que vá resolver muita coisa. Daqui a alguns dias eu começo a quimioterapia.

– Eu sinto muito. – digo entre soluços, abraçando-a.

– Não sinta querida, não sinta.

Eu fiquei ali na sala, sentindo o abraço apertado de Eduarda por um tempo indeterminado. Eu não me importava da minha mãe aparecer e perguntar o que estava acontecendo. Eu me importava com o fato de Daniel estar prestes a conhecer a mãe em um momento não muito bom. Na verdade, em um momento em que filho nenhum iria querer conhecer sua mãe.

Prometi a Eduarda que iria conversar com Daniel a respeito de tudo o que eu tinha vivenciado com ela nesses dias. Não era uma garantia de que ele fosse cair em seus braços e amá-la como se ela nunca tivesse ido embora. Mas era uma garantia de que ele poderia tentar amá-la.

Quando ela foi embora, Rafael tocou a campainha vinte minutos depois. Tentei me recompor antes de ir até ele.

– Pois então, podemos estudar? – perguntei tentando ser legal.

– É claro. – ele sorriu.

***

Rafael passou o dia dando mais dicas sobre como me organizar durante a prova do que me ensinando química. Todos os conselhos dele me serviram para evitar erros mais tarde.

– Então é isso. Muito obrigada. – agradeci.

– Boa sorte amanhã, de verdade. – disse ele. – Já decidiu o que você pretende fazer?

– Eu não sei. Se ser escritora não der certo, acho que eu me jogo da ponte Rio-Niterói. – respondi ironicamente.

– Não exagere. Vai dar tudo certo. – ele levantou-se e ainda tirou outro livro da bolsa. – Esse eu não vou poder te dar porque é meu favorito. Dan Brown e suas perfeições. – ele me entregou o livro. – Quando terminar, me devolva. Ou então...

– Ou então o que? – desafiei-o.

– Ainda to pensando no que eu vou fazer. – ele riu.

Coloquei o livro sob o criado-mudo.

– E o namoro, como está? – perguntou Rafael.

– Está ótimo! – exclamou Daniel abrindo a porta em um súbito instante de pausa após Rafael fechar a boca.

Nós três nos encaramos, como se estivéssemos presos a pior situação possível. Era quase isso.

– Daniel. Você não sabe bater na porta? – perguntei calmamente, mesmo assim transpareci estar furiosa.

– Sim, eu sei. – respondeu ele.

– Olha, eu não quero que vocês briguem. Eu só perguntei se estavam bem. – disse Rafael em um ato de defesa.

– NÓS. ESTAMOS. BEM. – exaltou-se Daniel.

– Ok, ok... Rafael, desculpa por isso. Acho melhor você ir. Eu falo com você mais tarde sobre o livro. – falei tentando encerrar aquilo.

– Livro? Ah, muito legal. – continuou Daniel expressando agressividade.

Rafael recolheu a bolsa e saiu sem despedir-se de uma forma normal. Enquanto a porta de fechava atrás de Daniel, eu me recolhi decepcionada com a atitude dele.

– Que merda foi essa? – perguntei.

– você fica no quarto com um cara que, sejamos sinceros, é melhor que eu em um nível desesperador. O cara pergunta sobre a gente. Por qual motivo alguém vai perguntar isso? Provavelmente ele esperava saber que estávamos mal e se beneficiar disso.

– Daniel! Rafael é meu amigo! Na verdade, ele nem chega a ser tudo isso. Só tive aulas com ele, nada demais.

– Aulas... Tá certo. E ele te dá livros, te empresta livros...

– Dan, você está fazendo tempestade em uma gota de água. – continuei.

– Não, eu não estou.

Me aproximei de Daniel e segurei aquelas mãos geladas e ásperas, esperando que ele não negasse o meu abraço. Ele me puxou pra perto e ficou olhando nos meus olhos, como se me aguardasse falar alguma coisa.

Você é o único que eu quero. Não é difícil enxergar que todo o amor que faltava pra mim eu encontrei em você. Agora, pare com esse ciúme bobo, essa coisa exagerada. Eu não preciso olhar pra você a todo instante pra ter certeza de que isso vale a pena. Apenas uma vez na vida você encontra alguém que faz seu mundo virar. Que te coloca pra cima, quando você está mal. Nada, nem ninguém irá mudar o que você significa pra mim. Desde o início até agora. – disse. – Olhe nos meus olhos e veja bem: no dia em que eles não brilharem mais ao ver o seu sorriso, desconfie.

Daniel sorriu o sorriso mais bobo e bonito que se pode imaginar, como se as palavras tivessem despertado algo nele.

– Isso foi muito... Como é o nome daquele autor que escreveu “o amor é fogo que arde sem se ver”?

Eu ri.

– Luís De Camões. – respondi.

– Isso. Esse mesmo. – afirmou ele me beijando. – resumindo tudo, te amo. E ainda não gosto daquele cara.

***

Depois que Daniel foi embora, perdoado pelo surto de ciúmes, minha mãe fez uma série de perguntas: “o que Eduarda queria comigo”, “porque Daniel chegou zangado”, “porque Rafael saiu chateado”, “porque eu não contei a ela que Daniel tinha uma mãe”, “porque a mãe de Daniel aparecera agora”... Respondi tudo pelo fato de que ela me ameaçou.

– Meu Deus, ela tem câncer? – indagou ela horrorizada.

Lucas também parecia espantado.

– É, e Daniel não sabe que eu sei disso. Nem que eu conversei com ela. Por isso, calado Lucas.

– Mas, por que você ainda não contou a ele? – perguntou Lucas.

– Porque eu pretendo leva-la ao aniversário de Daniel. Fazer uma “surpresa”.

– Espero que não seja uma surpresa desagradável. – comentou Lucas.

– Não, não vai ser. – disse. – Mas por falar em surpresa, posso dormir na casa da Flávia hoje? O pai dela vai leva-la e busca-la de carro amanhã, na prova.

– E você me avisa agora. – repreende minha mãe.

– Por favor! Pense pelo lado positivo: você não vai acordar cedo pra me levar lá.

– Tudo bem, mas eu quero você em casa amanhã depois da prova. – concluiu ela.

– Ah! Te amo! – dei um beijo nela e fui telefonar para Flávia, avisando que iria dormir em sua casa.

***

Três crianças corriam pela sala com uma bola de futebol cada, enquanto dois puxavam a cortina da janela e o outro riscava o sofá com pincel removível. Sim, eu estava na casa da Flávia.

– Rubens, aqui! – gritava ela com o cachorro que mordia o sapato do pai.

– Cadê a sua mãe? – perguntei aflita enquanto a irmã dela puxava a minha saia.

– Ela tá no trabalho. Meu pai também.

– Você passa o dia intei... Aaaah, solta! – gritava. A garotinha estava rasgando com os dentes a minha saia.

– Judy, solta! Eu vou chamar o bicho-papão.

– Nãaao! – gritou a garotinha chorando e correndo pela casa com medo.

Ouvimos um barulho de copos quebrando no chão, vindo da cozinha.

– Ai, não! Gabriel, se você tiver quebrado outro copo, eu te mato! – exclamou Flávia saindo em disparado para a cozinha.

Respirei fundo tentando tomar controle da situação. Agarrei um dos irmãos dela que se pendurava na cortina e o coloquei no chão.

– Quer ouvir uma historinha? – perguntei dele, tentando ser legal.

– Quero! – respondeu ele levantando as mãos.

– Tudo bem, vamos lá.

Li pra ele no sofá o conto de João e Maria, chapeuzinho vermelho e o pequeno polegar. O garoto dormiu. Carreguei-o no colo enquanto ouvia Flávia gritar com os outros dois na cozinha. Coloquei o pequeno sapeca na cama e o cobri.

– Onde está o Henrique? – perguntou ela segurando as mãos dos outros dois.

– Dormindo. – respondi.

Ela nem conseguiu acreditar. Foi até o quarto e viu com seus próprios olhos.

– Que droga você fez?

Levei os outros dois pra sala e li outras histórias. Apenas a garota não dormiu. Talvez fosse a quantidade de chocolate que ela comera. Fiz uma trança nos cabelos dela e nos de Flávia, e juntas assistimos todos os filmes possíveis da Barbie.

***

No dia seguinte, o da tão esperada prova do Enem, Flávia me acordou para o café. Os pais dela ainda me agradeciam por eu ter conseguido fazer os meninos dormirem.

– isso é quase inédito. Eles nunca dormem antes das duas horas da manhã. – disse a mãe dela, dona Martha.

O pai de Flávia nos levou até o local da prova. Deu-nos dinheiro para comermos alguma coisa quando saíssemos de lá, e que iria vir nos buscar quando Flávia ligasse para ele.

– Está vendo aquela loja? Nosso ponto de encontro é lá. – avisou Flávia a mim.

– tudo bem. Boa sorte.

Entramos no prédio e seguimos em direções a nossas respectivas salas. O padrão de regras era igual ao da prova que fiz há algumas semanas. Entreguei o celular ao instrutor e me sentei na última cadeira. Dessa vez esperei acordada até a prova começar.

Ao final, saí de lá com quase três horas de duração, tendo a certeza de que fui bem.

Flávia já me esperava na frente da loja.

– Minha amiga, se você demorou assim hoje, imagina amanhã no dia da redação. – comentou ela que terminou a prova uma hora antes de mim.

Almoçamos no shopping que ficava alguns minutos dali. Escolhemos comida chinesa. Conversamos as bobagens que não discutíamos há tempos. Contei a ela sobre o surto de Daniel, e desabafei sobre Eduarda.

– O que vai falar pra ele no dia do aniversário? – perguntou ela.

– Eu realmente não sei. – respondi. – Talvez “olha aqui, sua mãe me procurou. Ela tem câncer e quer que você more com ela”.

– Isso é horrível.

– Sim, é horrível.

– Você gosta muito desse cara... Isso é percebível.

– Eu o amo. Estou disposta a fazer qualquer coisa para vê-lo bem. – afirmei.

– Diana, só tome cuidado. Às vezes, amar demais não é bom.

Aquilo não fazia sentido. Não conseguia encontrar defeito em pertencer a alguém, em amar alguém da forma mais humana. Eu esperava nunca mudar de ideia. Esperava que Flávia estivesse errada. Que o amor fosse bom, fosse bom demais. Que ele não sobrasse, nem diminuísse. Que ele apenas acrescentasse.

– Por que não é bom amar demais?

– Quando falha, machuca. E um coração partido nunca se parte igual. Alguém sempre sai pior que o outro.

– Você pensa de forma negativa demais. – repreendi.

– Não, eu sou realista. Longe dos livros, o amor é dúvida, é incerteza. Não é uma vírgula nem um ponto seguido. Quando acaba, ou você compra um novo pra ler ou não lê mais nada. – disse ela.

– Eu espero nunca precisar de um livro novo. É Daniel quem domina parte da minha vida.

Ela sorriu.

– Isso é lindo. Mas eu ainda estou com fome.



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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.



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