As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 4
Casmurro.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/352699/chapter/4

                            – Mas de que forma Diana? – Perguntou ela curiosa com a minha reação.

                            Percebi que ele olhou discretamente para nós. Mas abaixou a cabeça assim que eu o olhei com desprezo. Voltei à atenção para Flávia. Comecei a contar tudo o que aconteceu, e ela inacreditavelmente, riu novamente.

                            – Ah, por favor, você está brincando com a minha cara não é? Como pode rir disso? – A questionei, enquanto a mesma se sentava na cadeira, ainda rindo.

                             A professora demorou a entrar na sala. Era a professora de língua portuguesa, minha matéria favorita. Ela trazia vários livros em uma caixa. Logo informou a demora.

                            – Eu estava na biblioteca, buscando os livros que iremos trabalhar nesse bimestre. Aqui estão: obras de Machado de Assis.

                            Assim que ela disse Machado de Assis, lembrei-me da última obra que li: Dom Casmurro. Casmurro era o nome certo para Daniel. Babaca era fútil demais.

                           – Alguém aqui nessa sala já leu alguma obra de Assis?

                            Eu não podia me esquecer de levantar o braço. Havia lido uma obra dele nas férias. Tinha certeza que era a única naquela sala. Mas me enganei.

                           Assim que levantei o braço, dei um súbito olhar para o lado, e lá vejo Daniel, de braço levantado também. Na verdade, seu braço não estava levantado, apenas a mão aberta, apontando para cima.

                            Surpreendi-me. Aquele garoto não tinha jeito de que lia alguma coisa. No máximo gibis.

                            – Pelo menos duas pessoas aqui tem noção do que estou falando. Digam-me, que obras você leram?

                           – Eu li ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’. – Respondeu ele.

                           – Interessante, por que escolheu essa leitura?

                          – Na verdade, não li porque quis. Fazia parte de uma recuperação. – Respondeu ele sarcasticamente.

                          – Ah, pelo menos gostou da obra? – Perguntou ela, já desanimada.

                          – Sim. Sei lá. Tinham palavras complicadas demais. Não gosto de coisas complicadas.

                          Ela riu e direcionou a atenção pra mim:

                          – E você Diana, que obra leu?

                         – Dom Casmurro. – Respondi.

                         – Nossa, é uma das minhas favoritas. Gostou?

                         – Hum-hum.

                         – Ah, ótimo. Vou usar os dois como exemplo aqui na turma. Todas as meninas irão ler ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, e os meninos irão ler ‘Dom Casmurro’. E no próximo bimestre, todos trabalharão juntos com ‘Quincas Borba’.

                        Ninguém parecia entender o que a professora havia falado. Eram tão ignorantes a ponto de não saber que essas obras abriram espaço para o Realismo no Brasil. Tinha gente que revirava os olhos, bocejava de tédio. E assim ficaram até a aula acabar. Não se interessaram pelo livro que tinham em mãos. Isso me desanimou. Deve ter desanimado a professora também.

                        Já estávamos na última aula. Era geografia. Nosso professor era o mais calmo de todos. Não se estressava, ou gritava. Ficava simplesmente ali, dando aula pra quem quisesse aprender.

                        Eu mal esperava a hora de sair daquela sala e ir para casa. Eu ainda estava tão aborrecida com Daniel. Mesmo assim, ainda tinha um problema maior em mente: meus pais. Estava decidida a ligar para o meu pai assim que a mamãe saísse de casa. Queria ouvir a voz dele, e ouvi-lo dizer a verdade. Só queria saber a verdade. Não podem me culpar por isso.

                        Finalmente acabou a aula. Arrumei as coisas lentamente e enquanto me levantava da cadeira, escutei falarem meu nome em um tom baixo, quase imperceptível. Quando meus olhos cruzaram com o de Catharina, percebi que era ela quem de mim falava. Falava para Daniel.

                       No primeiro momento eu ignorei. Já estava irritada demais, não precisava perder tempo com isso.

                       Saí da sala, e assim que atravessava o corredor, percebi que Flávia havia ficado para trás. Esperei por um tempo até que ela apareceu.

                      – Ei, pensei que já estivesse no ponto de ônibus. – Disse ela.

                      – Não, eu achei melhor te esperar. A propósito, seu pai vai vir buscar você não é?

                      – É sim. Por falar em pai, não é o seu ali? – Disse ela enquanto apontava na direção da saída.

                     Virei o corpo para trás. Meus olhos buscaram por ele até encontrá-lo. Ele estava ali, acenando, com um sorriso no rosto. Senti uma vontade de correr para os braços dele, como fazia quando eu era criança. Mas eu não podia. Todos ali iriam tirar brincadeiras de mau gosto do tipo “a filhinha do papai”.

                     – É ele mesmo! Eu vou lá com ele, você se importa de esperar seu pai aqui, sozinha? – Perguntei.

                     – É claro que não, pode ir lá! Até a amanhã.

                     Eu a abracei. Depois fui em direção ao meu pai. Não sabia se ria, ou chorava. Ou os dois ao mesmo tempo. Fazia três meses que eu não o via. Então, o abracei tão forte, até sentir que bastava. Não nos falamos até sairmos dali.

                    Chegamos em frente à escola, ele abriu a porta do carro e disse:

                    – Vou levar a princesinha pra casa hoje, tudo bem?

                    – Está bem. Só me diga onde a princesinha está. – Disse a ele, querendo provocar um mimo a mais.

                    – Veja bem, pode passar 40 anos, você ainda será a minha princesinha. Mesmo se tiver rugas. Anda, entre no carro.

                     Eu entrei, liguei o som. Ele entrou e desligou.

                     – Não. Você passa o dia ouvindo música. Hoje você só vai ouvir minha voz. Vamos conversar. Colocar pratos limpos na mesa. – Disse ele enquanto ligava o carro.

                      Aquilo era tudo o que eu precisava ouvir. Finalmente saberia o que aconteceu durante esses três meses, e o motivo do divórcio.

                      – Então, por onde posso começar pai? – Perguntei ansiosa.

                      – Pelo começo seria ótimo! – Disse ele rindo. Éramos assim, brincalhões e sarcásticos um com o outro. Era essa a relação que eu não tinha com a minha mãe.

                      – Tudo bem. Onde esteve durante três meses?

                      – Dividindo um apartamento com o Gustavo. – Disse ele. Gustavo era um amigo bem próximo da família. Eu o considerava um tio.

                      – O que aconteceu naquela noite, há três meses, quando você saiu de casa no meio da madrugada?

                      – Briguei com sua mãe. – Disse ele.

                      – Eu sei disso. Mas por quê? Que briga tão séria foi essa que levou ao divórcio?

                      – Não foi a briga que levou ao divórcio Diana. Eu e sua mãe não damos mais certo. Só isso.

                      – Não, não é isso! Não minta pra mim. Antes de vocês brigarem, dois dias antes dessa maldita briga, vocês saíram pra jantar, voltaram felizes! Vocês nunca brigaram na minha frente. Aconteceu algo, eu sei. Por que não me fala de uma vez?

                      Ele ficou calado. Eu estava mais desesperada do que nunca.

                      – Já estamos perto da sua casa. Vou deixá-la na esquina. Não quero que sua mãe saiba que eu fui lhe buscar, tudo bem?

                      – Você não respondeu minha pergunta. – Disse a ele, desapontada.

                      Ele parou o carro no final da minha rua. Virou-se para mim e disse:

                      – Diana, as coisas acontecem por algum motivo, certo? Mas, às vezes, esses motivos ficam sem explicação. Por um tempo. Pense nesse divórcio como um ciclo. Todo ciclo possui uma quebra. Talvez nessa quebra, as razões comecem a transparecer pra você, involuntariamente. Você é inteligente. Saberá o que aconteceu em pouco tempo, eu prometo.

                       – Tchau pai. – Disse a ele friamente.

                       – Tchau filha.

                      Talvez esse ciclo não tenha quebra alguma. E os pratos continuaram sujos para mim.

                       Quando estava abrindo a porta, ele exclamou:

                       – Diana, você sabe perdoar?

                       – Não posso lhe responder isso. Perdoar é um dom. A gente só sabe se tem quando precisamos usá-lo. – Disse a ele.

                      – Creio que você irá precisar.

                      Abaixei a cabeça e saí do carro. Fui andando em direção a minha casa, sem olhar para trás. Abri a porta e comecei a chorar. Ali estava eu, sem respostas. Tinha a certeza de que novamente meu pai não viria jantar comigo, ou assistir filmes até altas horas na sala.

                      Segui para a cozinha e vi um bilhete na mesa. Era da minha mãe. Ela havia ido ao supermercado. Logo voltaria.

                      Tomei um banho daquele em que a água lava o corpo e a alma. Toda essa conversa me fez esquecer por um tempo o babaca do Daniel. Ou melhor, o casmurro. Mesmo assim, as minhas preocupações familiares eram de um nível maior.

                      Saí do banho e ouvi meu celular tocar. Havia esquecido a bolsa na sala. Corri para atender e escorreguei na sala. Uma cena digna de pegadinhas de televisão.

                      – Ah, que merda! – Resmunguei.

                      Enquanto isso, meu celular continuava tocando. Eu mal conseguia levantar. Meus pés estavam escorregadios e eu havia espalhado sabão por todo o piso próximo de onde eu estava. Minha mãe chegou no exato momento em que eu estava quase ficando de pé. A expressão dela me parecia triste. Colocou as sacolas no chão e me ajudou a ficar de pé.

                      Nos olhamos e começamos a rir.

                     – Eu estava tentando atender o celular, que por sinal, parou de tocar.

                      Ela ficou calada, olhando para o chão molhado e para minha mochila.  Depois voltou os olhos pra mim. Havia algo errado, eu tinha certeza. Ela apenas disse:

                     – Vi seu pai.

                     Fitei o chão e por um momento, quase perco o equilíbrio, de novo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.