As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 5
O cúmulo.


Notas iniciais do capítulo

Só pra constar: a história é dividida na narração da Diana e do Daniel.



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#Narrado por Daniel#

Mais um daqueles dias cansativos e insanos. Mesma escola, pessoas diferentes e tão iguais ao mesmo tempo. Preocupadas demais com coisas fúteis. Professores que me odeiam. Colegas de classe que parecem animais domesticados. Não era isso que eu havia planejado. Pensei que pichar muros, quebrar todos os computadores da sala de informática e furar o pneu do carro da diretora fosse resolver. Mas não. Estou na mesma escola patética. Porque eles não entendem que eu não quero estudar? Essa coisa de “ser alguém na vida” não é pra mim. Não faz meu gênero.

Mas, eu não tenho a tal “moral” para mandar em mim mesmo. Isso é injusto e errado. Ninguém jamais quis saber o que realmente acontece comigo. Também não preciso dar satisfação pra quem não busca. Elas só veem o que querem.

Pelo menos a Catharina está comigo. Ela é uma boa amiga. É diferente das outras pessoas. Eu a conheço há tanto tempo. E, além disso, ela é minha vizinha. Mas sinto falta dos idiotas do Felipe e Renan. Eles conseguiram sair da escola. Eu sou tão incompetente que nem isso eu consegui. Eles também exageraram demais. Uso e porte de drogas. Não, isso é demais pra mim. Meu tio morreu por conta disso. Tenho pavor á morte. É o cúmulo pra mim.

Além da cansativa aula de hoje, chegar em casa é quase uma guerra. Provavelmente Leandro vai estar bêbado como sempre. Deveria chamá-lo de pai, mas isso é desconfortável demais pra mim. Só espero que a minha avó esteja lá. Não quero acordá-lo. Da última vez que fiz isso, ganhei um olho roxo. E ouvi-lo resmungar está fora de cogitação pra mim hoje.

Estou exatamente na rua de casa e já sinto um mal estar. Pelo menos ela está aqui, fazendo uma companhia descente. Estou com o pensamento tão longe, não sei que assunto Catharina está comentando agora. Lembro-me de termos falado sobre aquela garota com pose de metida lá da sala, Diana. Acho que o nome dela é esse. O que deu na cabeça dela em querer demonstrar interesse em me conhecer? Eu não sou social, nem quero ser. Aquele banho de água fria deve ter adiantado alguma coisa.

– Mas, afinal, o que você falou pra ela? – Perguntou Catharina.

– Algo como “tão chato e patético como você”. – Disse a ela enquanto abria um sorriso.

– Nossa, imagina a cara de pateta dela! O que será que ela queria?

– Sei lá, fazer amizades eu acho. – Respondi. – Bom, amanhã a gente se fala.

– Tudo bem.

Ela ficou parada por um tempo, me olhando. Talvez esperasse um abraço. Mas isso não faz meu gênero.

– Tchau. – Disse a ela enquanto seguia pra frente da minha casa, sem olhar para trás.

Abri a porta. Já estava ouvindo uns gritos. Era a minha avó. Provavelmente mandando o Salomão parar de roer os sapatos que via pela frente.

– Salomão, devolva! Que cachorro danado! Daniel, finalmente chegou. Prenda esse cachorro em algum lugar meu querido. Ele já comeu duas sandálias minhas hoje. Estou velha demais pra correr atrás dele.

– Tudo bem. Cadê o Leandro? – Perguntei.

– Está se arrumando para o trabalho.

Eu não acreditei em primeiro momento.

– O que? A senhora está falando sério? Ele não bebeu ontem? – Perguntei espantado.

– É Daniel, eu não bebi. – Disse uma voz saindo do corredor. Era ele.

– Nossa. O que aconteceu? – Perguntei a ele.

– A cerveja acabou. Vou comprar mais quando voltar do trabalho.

É, parecia bom demais pra ser verdade. Ele estava terminando de abotoar a camisa. Fazia dois meses que havia arranjado um novo emprego. Dessa vez eu realmente estava rezando para que ele permanecesse lá. Tudo bem, atendente de supermercado não é lá um emprego tão legal, e nem se ganha tão bem assim. Mas é o máximo que um cara como ele pode conseguir. Ele mal sabe escrever o próprio nome.

– Querido, não se esqueça de prender o cachorro. – Disse a minha avó tentando me relembrar.

– Ah, claro. Salomão vem cá! Aqui garoto. – Segurei o coitado pela coleira e o prendi dentro do meu quarto onde eu permaneci até ter certeza de que Leandro tinha ido embora.

– Daniel? – Chamava a minha avó enquanto batia na porta do quarto. – Vá tomar banho querido. Seu pai já foi embora.

– Tudo bem, já estou indo. – Respondi.

– Deixe esse cachorro aí. Não quero vê-lo roendo outro sapato.

Minha avó não era tão fã de animais. No máximo gostava de gatos. Cachorros não faziam agrado a ela. Mas também, Salomão é um tremendo e esperto cão. Roer sapatos deveria ser seu maior hobbie. Leandro também não gosta tanto assim dele. O resto de humanidade que eu tenho gasto com esse cachorro. Lembro-me de como o conheci.

Eu estava com alguns amigos, pichando alguns muros das ruas. Eles acabaram bebendo além da conta. Quando estávamos voltando pra casa, havia uma cadela que estava amamentando seus filhotes. Eu vi maldade nos olhos de todos os garotos. Provavelmente iriam fazer algo como chutá-los ou pendura-los em algum lugar alto. Ou quem sabe bater neles até a morte. Não, isso era cruel demais.

– Olha como são fofos! – Disse um dos garotos, ironizando os animais.

– Então, o que vamos fazer? – Perguntou o mais velho de nós.

Eu sabia que devia fazer alguma coisa.

– Acho melhor não nos envolvermos com isso. Alguém pode aparecer aí e nos prender. – Disse a eles.

– Deixe de ser tão medroso Daniel. Não há ninguém aqui. Ninguém se importa com esses bichos. Anda, vá até lá e divirta-se. Dou-lhe a honra de ser o primeiro. – Disse ele.

Eu caminhei até lá. Sentia uma angústia. Um medo fugaz. Não podia fazer isso. Estava praticamente implorando aos céus que acontecesse alguma coisa. E foi aí que aconteceu.

Um homem alto, e absurdamente forte apareceu no meio da escuridão, na noite mais fria que já presenciei. Ele gritou para todos nós:

– Fiquem longe desses animais seus imundos! Andem, saíam daqui agora! – Gritava aterrorizadamente.

Ele realmente espantou os outros garotos. Ele era forte demais, e ainda trazia consigo uma barra de ferro. Porém, eu fiquei lá, parado. Até que ele veio na minha direção.

– Ouvi a conversa de vocês. Você ia mesmo machucar esses animais? Que espécie de humano é você? – Perguntou ele, enquanto me olhava com uma expressão de ódio e descontentamento.

– Não, eu não ia fazer nada! Me desculpe. Eu realmente sinto muito. – Disse a ele, praticamente chorando ou implorando perdão.

– Vá embora daqui!

– Espere! Deixe-me redimir. Eu quero levar um cachorro desse aí pra casa. Eu prometo que vou cuidar bem deles.

Ele me olhou dos pés a cabeça. Provavelmente imaginando o quão fraco e tolo eu era.

– Olhe rapaz, você não me parece tão agressivo assim. Escolha um e vá embora.

Eu me abaixei e vi cada um daqueles inofensivos seres que eu não tive e jamais teria coragem de machucar. Um me chamou a atenção. Ele era o mais esperto de todos. Ele me escolheu. Era o Salomão.

– Aqui, vou levar este. – Disse a ele enquanto segurava o animal nas mãos.

– Ei garoto, prometa-me que não irá feri-lo.

– Eu prometo. Palavra de homem pra homem.

– Saía das fraldas antes de dizer que é homem rapaz! – Disse ele enquanto ria da minha cara assustada. – Agora, diga para os seus amigos ficarem longe daqui. Se eu os vir novamente, não terei piedade alguma.

– Eles não são meus amigos. Não mais.

– Ótima escolha. Já tem nome?

– Não sei. Estava pensando em chamá-lo de Salomão. – Respondi a ele.

– Que engraçado, é o nome do meu pai.

Nós começamos a rir. Ele colocou os filhotes em uma caixa e os levou. A cadela só fez acompanhar. E desapareceram.

Isso faz dois anos. Nunca mais tive contato com aqueles imundos. Foi como passei a chamá-los. Jamais pronunciei o nome deles novamente. Depois disso, conheci Felipe e Renan.

E aqui estou eu, com o resto de humanidade que tenho: ter salvado esse cachorro.

– Fique aqui Salomão, vou tomar banho.

Já passava do meio-dia. Eu só queria dormir o resto da tarde. Não há muitas coisas a serem feitas por aqui. Não tenho interesse por internet. Jogar videogame perdeu a graça pra mim. Não gosto dos garotos dessa rua. Eles são infantis demais. Se eu pudesse, passava o resto do dia debaixo do chuveiro, apenas sentindo a água escorrer da cabeça aos pés.

– Já está no banho há meia hora Daniel. – Disse a minha avó.

– Vou sair. Só mais cinco minutos.

– Tudo bem. Venha almoçar também. Assim, sem comer, vai acabar desaparecendo.

Aquela história de que a comida da vovó é sempre melhor não se encaixa nos meus padrões. Não é a melhor comida. Na verdade é uma droga, mas dá pra sobreviver. Não posso em hipótese alguma tratá-la mal. Ela já sofreu demais cuidando do Leandro quando ele tinha a minha idade. E ainda cuida dele até hoje. É essa coisa de “amor de mãe” que eu nunca vou saber. É exatamente isso. Eu não tenho mãe.

Claro, eu obviamente tenho uma, mas, quem é ela? Parei de fazer essa pergunta com dez anos. Eu sabia que jamais teria uma resposta. Então, dane-se. Se eles não podem me dar satisfação disso, por que eu deveria dar satisfação por qualquer outra coisa?

A única coisa que sei é que ela, provavelmente, não viu futuro algum ao lado de um cara como o Leandro. Então, achou melhor dar o fora enquanto tinha tempo e beleza. Não quero conhecê-la. Posso já ter encontrado ela na rua, ou no ônibus. Em qualquer lugar. Ela é uma estranha em todas as formas. Não posso dizer se ela me faz falta, afinal, nunca tive a presença dela. Mas falar dela me causa certa comoção misturado ao ódio, raiva e tantas outras coisas ruins. Por isso, vamos parar aqui.

– Você lava a louça hoje. Estou exausta. – Disse ela enquanto se levantava da mesa e seguia para o sofá. Provavelmente pra assistir sua novela favorita.

– Claro. – Peguei os pratos e os coloquei na pia.

– O que vai fazer hoje querido? – Perguntou ela.

– Não sei. O mesmo de sempre: dormir, ouvir música e passear com o Salomão mais tarde. – Respondi.

– Deveria arranjar um emprego. Ou uma namorada. – Disse ela rindo.

Também não pude conter a risada. Aquilo soava engraçado da boca dela. Na maioria das vezes, as avós não querem que seus netos namorem alguém.

– Dona Amélia, quer mesmo se livrar de mim? – Perguntei.

– Não é querer me livrar de você, mas veja bem querido: você tem dezessete anos, está no último ano e eu nunca o vi trabalhar ou então aparecer com uma garota por aqui. Exceto a tal da Catharina. Mas, eu sei que vocês não namoram, não é?

Fui em direção ao sofá e me sentei ao seu lado.

– É. Não namoramos.

– Então. O que me diz sobre isso. Você é um rapaz tão bonito! – Disse ela enquanto bagunçava o meu cabelo. – Tem que aproveitar. Não será jovem para sempre.

– Eu sei. Posso lhe garantir um emprego. Talvez no bar no Senhor Orlando... – Fui interrompido por ela.

– Em um bar? Que diabos você tem na cabeça menino! Não, aquele bar é um poço de perdição. Já basta seu pai. Se você me aparece bêbado, eu realmente não saberei o que fazer.

– Tudo bem então. O que me sugere? – Perguntei tentando buscar uma solução.

– Que tal trabalhar como atendente de pet shop? Você é louco por animais, e o dono do pet shop ali da esquina está precisando de um. Eu sei por que sou amiga do dono de lá.

Um leve sorriso apareceu no meu rosto. E foi seguido por uma boa intuição. Não que eu seja do tipo intuitivo, mas dessa vez senti algo bom me envolvendo.

– É, pode ser. Mas e quanto à senhora, vai ficar sozinha o dia inteiro.

– Você passa o dia em casa e eu mal sinto sua presença aqui.

– Nossa! Isso foi um soco no meu estômago agora! – Disse a ela ironicamente. Nós rimos. De certa forma, ela tinha razão. Eu não saia no meu quarto. Ficava ali e me sentia bem. - E, quanto é o salário? – Perguntei.

– Querido, uma coisa eu lhe garanto: dá pra levar a Catharina ao cinema. – Disse ela insinuando alguma coisa. – Agora, cale a boca, minha novela vai começar. Porque não vai dormir?

– É exatamente isso que eu vou fazer.


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