As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 3
Foi um desprazer te conhecer também.




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                       O professor que havia entrado na sala ministrava aula de química. Um dos professores mais simpáticos de toda escola. Eu realmente aprendia com ele. As aulas não eram chatas, e sim divertidas. As mais interessantes aconteciam no laboratório. Porém, hoje não era o dia de irmos para lá. E o professor não estava interessado em dar aula, mas em saber quem eram os dois novos alunos. Esse era meu interesse também.

                       – Bom, não pude deixar de notar a presença de duas novas “figurinhas”. – Disse ele enquanto olhava para os dois alunos.

                       Todos se viraram para reconhecer de quem o professor estava se tratando. Os dois alunos continuaram quietos, encarando o chão.

                      – Poderiam se apresentar? – Perguntou o professor.

                      O garoto foi o primeiro. Alto, um pouco forte. Ele era atraente. Isso é algo que não se pode negar. Porém, tinha uma pose arrogante. E isso não me agradou.

                      – Eu me chamo Daniel. Eu estudava aqui pelo período da tarde.

                      O professor parecia reconhecê-lo.

                      – Ah, Daniel! Veja bem turma: este garoto que vocês terão o prazer de conviver foi transferido de turno por problemas comportamentais. – Disse o professor ironicamente. Daniel ficou ali, sentado, olhando para o rosto de reprovação do professor. – Espero que acordar cedo todos os dias valha apena pra você garoto.

                     – Eu espero isso também professor. – Replicou como se tivesse desafiando-o.

                     – Pois bem, a mocinha eu realmente não conheço. Já estudou aqui antes? – Perguntou o professor à garota. Ela era uma moça muito bonita. Cabelos longos e castanhos. Os olhos eram a sua marca. Eram verdes. Um verde tão chamativo quanto o seu nome.

                     – Me chamo Catharina. E eu nunca estudei aqui antes. – Disse ela.

                     – Pois bem Catharina. Seja bem-vinda. Espero que goste dessa escola. Eu me chamo Josué, e eu ministro a disciplina de química. Agora que estão todos apresentados, e reapresentados, vamos ao que interessa. Por hoje ser volta às aulas e tudo mais, eu preparei apenas uma lista de exercícios para serem revisados. Espero que não tenham esquecido tudo o que estudamos. – Falava ele, enquanto distribuía a lista pela sala. – Por favor, podem começar. Não percam tempo olhando para a minha beleza exótica. – Disse ele sarcasticamente enquanto todos riam.

                     Passei a aula inteira observando os dois, Catharina e Daniel, e não entendia porque estava prestando tanta atenção nos dois. Eu já tinha certeza que eles se conheciam. 

                     Enviei uma mensagem à Flavia:

                     “Então, acha que esses dois valem apena?

                     E ela respondeu:

                     “A garota não tem cara de nojenta, gostei dela. Me lembra você sabia? Só que claro, ela é mais bonita! (risos).”

                     Assim que li a mensagem, não contive o riso, e respondi:

                    “Ah, e você realmente se diz minha amiga não é? Tudo bem. E quanto ao garoto?”

                     Nesse exato momento, enquanto conversávamos escondidas pelo celular, o sinal tocou e a professora de inglês entrou na sala.

                     “O garoto parece um marginal. Sério, não gostei dele!”

                      Depois de ler a mensagem, desliguei o celular. Havia aquela lei do uso proibido de celular na sala de aula, e a nossa professora levava essa lei muito a sério.

                      – Good morning! – Cumprimentou ela a classe. – Como estão meus lindos alunos? Curtiram essas férias?

                      Muitos responderam, outros preferiram ficar calados. Eu fui uma das que ficou calada.

                       – Então, respondam-me o que fizeram nas férias com uma redação, toda na língua inglesa. Já está valendo ponto. Vamos lá, vou fazer a chamada, e se houver algum aluno novo, por favor, venha aqui comigo.

                       Os dois levantaram e seguiram até a mesa da professora. Eu aproveitei a oportunidade para enviar uma mensagem a Flávia.

                        “Marginal? (risos), você tem problemas sérios. Eu gostei dele. Acho que devemos nos enturmar com os dois.”

                        – Tudo bem turma, vamos lá, vou à secretária checar um problema e já volto. Não fiquem conversando, terminem logo a redação.

                        Comecei a escrever. Minhas férias não tinham sido nada interessantes: não viajei, não saí com ninguém, apenas fiquei em casa lendo livros. Eu gosto de ler, isso é interessante pra mim. E eu sei fazer redações, textos e poemas muito bem. Acho que esse é meu maior segredo. Ninguém sabe desse meu interesse por literatura e língua portuguesa. Nem mesmo a Flavia ou a minha mãe. Talvez meu pai saiba, porque quando eu era mais nova, antes do meu aniversário de oito anos, ele quis me dar um presente. Na época estavam lançando uma boneca absurdamente linda e cara no mercado. Toda garota queria uma. Ele então resolveu que iria me dar uma daquelas de presente. No dia em que fomos comprá-la, nós dois passamos em frente a uma livraria, velha e mal acabada. Mas eu senti o cheiro de livro velho, e aquilo me animou profundamente. Foi uma das melhores sensações que já tive.  

                          Pedi do meu pai para entrar ali naquela livraria. E assim que entramos me deparei com enormes estantes de livros, todos com aquelas capas acabadas e velhas. O senhor, dono da livraria nos atendeu, perguntou se eu já tinha lido algum livro. Até ali, os únicos que eu já tinha lido eram os contos de fadas. Ele tirou um livro da segunda estante. Chamava-se “Alice no país das maravilhas”. Eu já conhecia a história, mas ele insistiu que eu levasse aquele livro, porque nele havia muito mais história do que eu já sabia. Falei pro meu pai: “Prefiro um livro a uma boneca. Elas sempre são chatas e sem graça. Além do mais, este livro tem um cheiro muito bom pai. Aquela boneca nem cheiro têm!”. Lembro que os dois riram do que eu havia falado. No final das contas, levei o livro, que saiu muito mais barato que a boneca. E me orgulho de ter esse livro até hoje. E o melhor é que ele continua com o mesmo cheiro de sempre.

                       Assim que terminei de escrever a redação, a professora entrou na sala recolhendo as folhas com os textos.

                       – Como não vai mais dar tempo de ler os textos aqui na sala, na próxima aula eu trago eles corrigidos.

                       O sinal tocou, e uma mensagem chegou ao meu celular:

                      “Qual o seu plano? Vai mesmo se enturmar com eles? Porque se você for, não quero que me esqueça”.

                       Soltei uma gargalhada que fez todos à minha volta olharem. Até mesmo Daniel e Catharina. E antes que eu surtasse de vergonha, abaixei a cabeça e respondi a mensagem dela.

                       “Pare com isso! Você sabe que é a minha melhor amiga. E não vou me esquecer de você nunca... Agora, já tenho um plano: no intervalo vou conversar com eles. Veremos no que isso vai dar.”

                        Assim que terminei de enviar a mensagem, a professora entrou na sala. Clarissa, a melhor professora da escola. Mesmo ministrando a pior matéria do mundo (em minha opinião). Matemática. Eu já quase reprovei por causa dessa matéria. Porém, confesso que graças a essa professora, tenho aprendido o suficiente pra não fazer tão feio em um vestibular.

                       – Bom dia meus queridos alunos, se assim posso chamá-los. – Disse ela enquanto entrava na sala.

                       Todos responderam ao bom dia dela com todo aquele ânimo de quem acorda de manhã para ir à escola. Aquele ânimo que, devo confessar, eu não tenho, e nem faço questão de ter.

                      – Ah, não! O que fazes aqui Daniel?! – Perguntou a professora espantada ao ver o novato na sala.

                       Ele sorriu maliciosamente. Ele sabia que não era tão querido assim pelos professores. Era a segunda vez naquele dia que um professor se indignava com a presença dele.

                      – Fui transferido de turno. – Respondeu ele enquanto rabiscava uma folha de caderno.

                       – Pensei que depois de tudo aquilo que você fez a escola te expulsaria daqui. – Indagou ela enquanto observava atenta as expressões do rosto dele. Ele revirava os olhos, passava a mão na cabeça, batia o pé. Ignorava-a.

                      – É, mas não expulsaram. – Disse ele, enquanto olhava bem nos olhos dela.

                      Ela desviou o olhar e seguiu a atenção para Catharina.

                      – E você mocinha, não a conheço.

                      – É, sou novata também, mas vim de outra escola. – Disse ela timidamente.

                       – Nome?

                       – Catharina. – Respondeu.

                       – Seja bem-vinda. – Nesse instante a professora voltou o olhar para Daniel. – E quanto a você, espero que essa segunda chance aqui, nessa escola, valha apena.

                       Ele não respondeu. Não pronunciou uma palavra sequer. Ficou ali, de olhos fixos no rosto da professora. E assim foi a aula inteira até o sinal tocar para o intervalo.

                       Eu levantei da cadeira e Flávia veio logo atrás de mim:

                       – Aonde você vai? – Perguntou ela.

                       – Beber água, por quê?

                       – Não vai se “enturmar” com os novatos?

                       – É claro que vou, mas tudo tem seu tempo. E além do mais, estou tentando rever meus conceitos sobre ele. Ou melhor, sobre eles.

                        Assim que cheguei ao bebedouro, vi Catharina conversando com mais duas garotas, em uma mesa cheia de gente que dava pra perceber que a conhecia.

                        – Até que para uma novata, ela já conhece muita gente. – Disse Flávia.

                        – Bom, não creio tanto que ela vá querer ser nossa “amiguinha”.

                        – E o que te garante que ele vai querer ser nosso “amiguinho”?

                         Eu parei um pouco pra pensar. Ela tinha razão: um garoto problemático, estranho, quieto. Não, ela não tinha razão.

                         – Sabe o que me garante que ele vai gostar da gente? A grande força de vontade dele em ignorar idiotice.

                         – Tudo bem. Estou com você. Mas admito logo: não vou falar com ele primeiro.

                         – Ah, pare com isso!

                          – Sério, não me sinto tão confiante assim Diana. E ele me dá medo.

                          – Então, vou à sala falar com ele. Me apresento e depois te conto como foi a experiência.

                           – Certo então. Mas, sabe, ainda estou com dúvida em uma coisa.

                                       – Ah, em que Flavia?

                            – Na verdade não é uma dúvida, é uma curiosidade: O que ele fez de tão grave para quase ser expulso da escola? – Perguntou ela enquanto olhava amedrontadamente para mim.

                           – Não sei, talvez esteja na hora de descobrir. Vou lá e você, fique aqui. – Disse a ela.

                            Assim que entrei na sala, percebi que não tinha ninguém lá além de Daniel e Murilo, um dos garotos pela qual valia apena ser amigo.

                            – Oi Murilo! – Disse animadamente.

                            – Oi Diana. Como você tá? – Perguntou ele.

                            – Bem, e você?

                            – Ótimo. Acabei de conhecer o rapaz aqui. – Disse ele enquanto batia nos ombros de Daniel.

                            Deu pra perceber que ele não gostou. A expressão no rosto dele estava fria e séria. Nesse momento, o celular do Murilo tocou e ele decidiu atender lá fora, pra minha tão sonhada sorte.

                             Me sentei na cadeira da frente, sorri discretamente e perguntei:

                             – Então Daniel, como era estudar à tarde?

                             Ele me olhou, franzindo a testa e disse:

                            – Era chato, patético e absolutamente entediante, como você.

                             Meus olhos saltaram do rosto. Perdi completamente a noção do que era real e irreal. Mas eu não podia deixar assim. Apenas respondi:

                             – Ah, foi um desprazer te conhecer também!

                             Me levantei e fui para o meu lugar. Ainda cheguei a virar a cabeça para trás só pra observar a tremenda falta de educação que eu havia acabado de presenciar. Era como um tapa na cara. Não, era pior que isso. Mas também, o que eu tinha que perguntar “como era estudar à tarde”. Isso é tão patético. Pergunta sem cabimento algum. Eu estava furiosa comigo mesma. E mais furiosa ainda com ele. Está certo: não foi uma pergunta tão bem elaborada, mas custava ele responder educadamente? Tive vontade de voltar lá e perguntar se a mãe dele não havia lhe dado educação. Mas preferi me refugiar. Por enquanto.

                             O sinal tocou e logo todos estavam na sala. Flávia surgiu com um enorme sorriso no rosto, pronta pra perguntar o que tinha acontecido.

                             – E então? Como foi? – Perguntava ela com um entusiasmo que acabou assim que ela percebeu o meu estado crítico de ódio. – Pelo visto, não deu certo.

                             – Ele é um verdadeiro... Babaca! Nossa, me tratou mal. Tão mal que as palavras dele estão atravessando a minha cabeça até agora. Nunca ninguém agiu dessa forma comigo. – Sussurrei.

                             Nos olhamos, e ela riu. Pra variar.


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