As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 2
Podemos conversar?




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/352699/chapter/2

                 “Mas a saudade é isto mesmo; é o passar e repassar das memórias antigas”. Fecho o livro “Dom Casmurro” sorrindo depois de ler essa frase. Como pôde Machado de Assis compreender tudo que se passava em minha cabeça naquele momento.

                  – Hora do almoço! – Avisa minha mãe com um grito ao lado da porta do quarto.

                 – Já estou indo. – Respondo ao aviso sem muito ânimo para almoço.

                  Levanto-me em direção à cozinha. Tudo arrumado, como tinha de ser. Mais um daqueles rituais que normalmente as famílias fazem. Almoçar.

                  – Que cara mais feia! Anda, sei que pode fazer uma cara melhor que esta. – Diz ela ao meu desânimo.

                  – É a única cara que tenho, e não sei como mudá-la. Você sabe? – Respondo a ela enquanto me sento à mesa.

                  – Sei. E sei também que isso não é forma e nem jeito de se responder para uma mãe. – Replica ela enquanto se senta à mesa.

                  – Tudo bem, desculpa. Satisfeita?

                  Começo a me servir na medida em que ela procura algo para perguntar:

                  – Diana, não entendo por que você está tão diferente ultimamente. Agindo dessa forma grosseira. Você não é assim! O que há? Vamos, me diga!

                  Engulo a seco a ultima garfada do macarrão e respondo:

                  – Faz três meses que você e o papai se separaram, e até agora nenhum dos dois me disse o motivo! Eu preciso saber por que num momento vocês se amavam, e no outro eu o vejo com uma mala indo embora. E você me prometeu que tudo iria ficar bem, mas eu devo confessar, não tem nada bem aqui mãe!

                  Ela se levanta da cadeira, recolhe seu prato e o joga com raiva na pia. O barulho me assusta pela forma agressiva que essa ação soa. Ela cruza os braços e me olha, desapontada e perdida. Saí da cozinha e vai para o quarto. E mais uma vez, fico sem resposta. Simplesmente, me sentindo um zero a esquerda da família.

                  Desarrumo a mesa rapidamente e lavando as louças, penso no que poderia ter feito eles dois se separarem. É tudo tão confuso. É como uma vida inteira jogada fora. E eu não conseguia ver nenhum dos dois longe um do outro.

                  Dirijo-me ao quarto, mas escuto o choro da minha mãe de longe. Não podia deixá-la nesse estado.

                  – Mãe, podemos conversar?- Pergunto a ela enquanto me aproximo da cama.

                  Ela se senta, enxuga as lágrimas e faz “sim” com a cabeça.

                  – Quero pedir desculpas. Acho... Eu magoei você e não quero deixá-la triste. Se esse assunto machuca você, eu não... - Sou interrompida por ela.

                  – Você tem todo o direito de saber, mas agora não é o momento certo. – Disse ela, com os olhos repletos de lágrimas.

                  – Tudo bem.

                  Nós nos abraçamos e eu me lembrei daquela noite, onde as coisas simplesmente saíram do lugar. E compreendi que era tarefa minha fazer com que tudo ficasse bem, afinal ela me amava, e eu estava sendo dura demais.

                  Ao anoitecer, comecei a preparar todas as coisas que eu levaria para a escola: livros, cadernos, canetas. De repente, meu celular toca: Era uma mensagem. Uma mensagem do meu pai. Simples e curta, ela dizia:

                  “Eu te amo filha.

                  Era tudo que eu precisava. Saber que mesmo distante, ele me amava. Comecei a discar o número dele no celular, mas desisti. Não queria falar com ele agora, e estava tarde. Precisava dormir por que o ônibus passava cedo, e eu poderia atrasar o sono se conversasse com ele. Até mesmo, não queria magoar minha mãe. Se ela me ouvisse conversando com ele, se sentiria traída. Prometi para mim mesma ligar pra ele no dia seguinte. Talvez, sem pedir para ele me contar o motivo da separação, ele contasse por sua própria vontade.

                  Coloquei o despertador no respectivo horário que ele deveria tocar. Segui para o banheiro pra tomar banho. Mas, me surpreendi com algo que ainda não havia prestado a atenção. A toalha do meu pai ainda estava no mesmo lugar que ele deixou, desde seu último banho há três meses. Aquilo me deixou transtornada: “se ela não quer nada relacionado ao meu pai, por que ainda não tirou essa toalha daqui?”.

                   Fechei a porta, e abri o armário do banheiro. Lá estava. Barbeador, creme pra barbear e desodorante masculino. Coisas dele. Como se estivessem ali aguardando a volta dele. Como se houvesse esperança para isso.

                   – Ué? Como eu não percebi isso? – Falei sozinha dentro do banheiro.

                   Fechei o armário rapidamente porque ouvi o barulho da porta do banheiro abrir.

                   – Vai tomar banho? – Perguntou ela.

                   – Vou sim, por que, você também vai?

                   – Não, já tomei banho. – Respondeu.

                   Nós nos olhamos e depois eu fingi estar olhando meu rosto no espelho. Ela continuou ali parada, olhando pra toalha dele.

                   – Mãe?

                   – Ahh, acho que tenho que sair, não é? – Perguntou.

                   – É. – O silêncio tomou conta por um breve tempo.

                   – Tudo bem então. – Disse ela enquanto saia do banheiro e fechava a porta lentamente.

                   Depois de tomar banho, me dirigi para o quarto. Precisava dormir. Já eram mais de dez horas. Não costumo ficar acordada até tarde. Os programas de tevê não me animam. Parecem todos iguais. Não gosto de novelas, nem de jornais. E meu pai é jornalista.

                   O despertador toca. O Barulho irritante daquele relógio simplesmente dava dor de cabeça. É realmente difícil tentar explicar como ele toca, mas imagine mil furadeiras elétricas ligadas ao mesmo tempo e mais mil liquidificadores batendo juntos, em sintonia. Então, esse é meu despertador que eu só não joguei fora porque foi um presente, e minha avó dizia que não se joga presente, mesmo que a gente não goste dele. A propósito, foi ela quem me deu esse despertador.

                   – Deveria desligar esse despertador e levantar dessa cama se não quiser se atrasar! – Uma voz soou vinda da porta.

                   Me virei sem ânimo algum.

                   – Bom dia pra senhora também mãe. – Respondi a ordem dela. Desliguei o despertador e segui para o banheiro.

                   Dessa vez a toalha do meu pai não se encontrava mais lá. Chequei o armário e percebi que não tinha mais nada que eu havia encontrado ontem. Só as minhas coisas e as coisas dela.

                   Após uma ducha gelada para despertar, o café da manhã para acabar com a fome.

                   – Hum, pão com queijo! – Disse faminta e com água na boca.

                   – É, acordei bem cedo e comprei o melhor queijo. – Respondeu ela.

                   Cruzei os braços e disse:

                   – Percebe-se que a senhora acordou cedo. Deu tempo até de tirar as coisas do papai do banheiro e ainda fazer esse apetitoso café. – Disse a ela com um tom de ironia adquirido pelo meu pai.

                   Ela riu. Riu não, gargalhou.

                   – E você ainda me cruza esses braços? – Disse ela. – Faça-me o favor né, Diana!

                   – Tudo bem, eu vou tomar café se não me atraso.

                   Bem rápido, engoli o queijo, mastiguei o pão, e quase me engasgo com o café.

                   – Come devagar! – Repreendeu ela.

                   – Não dá, vou me atrasar! – Disse de boca cheia. Olhei rapidamente para o relógio de parede e vi: 06h40min. – Ah não! Estou atrasada.

                   Corri para o banheiro, escovei os dentes e só a ouvia avisando:

                   – 6h42... 6h43... 6h44... 6h45.

                   – Eu já sei que estou atrasada! – Passei por ela e me dirigi à porta.

                    – Tchau pra você também! – Ela gritou.

                    Chegando ao ponto de ônibus encontrei alguns alunos que estudam na mesma escola que eu. Não sou tão comunicativa, mas decidi perguntar se o ônibus já havia passado, mesmo tendo quase a certeza que não.

                    Havia uma garota bem do meu lado, decidi perguntar a ela, mas temia incomodá-la.

                    – Com licença, pode me informar se o 312 já passou? – Perguntei totalmente sem jeito porque não costumo conversar com ninguém.

                   A garota só fez um “não” quase indecifrável com a cabeça. E eu fiz o favor de não agradecer.

                   Algum tempo depois o ônibus passou e como de costume, entrei no ônibus e passei por todo aquele ritual de passar cartão, rodar a catraca e procurar um lugar para sentar. Porém, dessa vez não havia lugar.

                   A viagem demorava uns cinco ou sete minutos. Eu estava retornando das férias escolares. Provavelmente haveria alunos novatos. Uma oportunidade de fazer novos amigos. Naquela escola, eu não podia contar com ninguém. Apenas com uma amiga de infância, que mesmo sendo irritante, me compreendia como ninguém. Talvez seja essa a missão dos amigos. Compreender-nos.

                   Assim que desci do ônibus, me deparei com um grito vindo do outro lado da rua:

                    – Diana, Diana. – Gritava sem parar alguém ainda não identificado. Ao olhar ao redor, percebi de quem se tratava tal “delicadeza” ao chamar meu nome. Era Flávia, acenando próximo ao vendedor de salgadinhos. Ela atravessou a rua para saudar a minha chegada. – Amiga, estava com tanta saudade. Parece que não nos vemos há meses! Você tá tão magra. O que aconteceu? Não tá se alimentando direito, não é? Eu sei, esse divórcio dos seus pais deve estar mexendo com seu metabolismo. Tomou café? - Ela fez uma pausa, e eu finalmente consegui falar.

                    – Como você consegue falar tão rápido assim? Mal lembro a sua última pergunta! – Exclamei em tom de despreocupação.

                    – Tudo bem, eu estou ótima também. – Disse ela em tom irônico. – Só fiquei preocupada com você. Os amigos se preocupam uns com os outros. – Ela me olhou, parecia chorar por dentro. Me arrependi e a abracei.

                     – Oh, desculpa maninha. Não quis fazer por mal. Só que não dormi tão bem noite passada.

                     – Sei. E então, o que você fez nas férias?

                      – Eu terminei de ler Dom Casmurro. E tentei conversar com meus pais também pra tentar entender esse divórcio repentino. Mas, nada feito. Nenhum dos dois abriu a boca pra falar nada. Nem uma pista.

                      – Sinto muito por tudo isso que tá acontecendo com você. Eu me coloco no seu lugar às vezes. Imagino os meus pais se divorciando, e me bate um desespero. Ainda mais eu, com dois irmãos mais novos, que ainda nem saíram das fraldas.

                      Flávia tinha razão. É difícil pensar que um dia você não vai mais ter seu pai em casa. Ou sua mãe. Ela tem dois irmãos, um de dois anos e um recém-nascido. Quando soube que meus pais tinham se divorciado, ficou com tanto medo do mesmo acontecer com os pais dela que fez promessa para todo tipo de santo. Mas, quando essas coisas têm de acontecer, não adianta promessa, ou nada do tipo. Elas acontecem e pronto. E nós temos que nos conformar.

                      O portão da escola abriu, seguimos para a sala, e lá estavam nossos colegas. Somos o tipo de garotas que não se enturmam com a galera. Ficamos quietas. E assim somos felizes. Não é questão de ser “antissocial”. É por que nossa tentativa de fazer amigos não foi tão agradável assim. A maioria deles são verdadeiros idiotas. E eu, particularmente, não gosto de perder tempo com gente assim. Admito que eu seja idiota sim, mas só com gente que vale apena. Por exemplo, a Flávia.

                       Logo, todos estavam na sala, sentados, fazendo aquela baderna que todos os adolescentes costumam fazer. Contando o que fizeram e para onde foram nas férias. Minha turma deveria ser a mais madura da escola. Porém, é a mais infantil que se possa imaginar.

                       – Pelo menos estamos no último ano, e só faltam seis meses pra tudo isso acabar. – Disse à Flavia.

                       – Você tem razão. Olhe pra esse pessoal. Tem gente de dezessete anos, dezoito anos e o mais velho, de dezenove parece meu irmão de dois anos. E maioria aqui ainda não se deu conta que tudo isso logo vai acabar.

                       – Sabe de uma coisa, acho que por mais estranho que possa parecer, eles sabem sim que tudo isso logo vai acabar. Só estão aproveitando enquanto há tempo. A maioria aqui vai se desencontrar. Seguir caminhos diferentes.

                        – Então, está na hora de aproveitarmos algo também não acha? – Pergunta ela, enquanto eu observo dois alunos novatos entrarem na sala. Uma garota e um garoto. Admito: ele me chamou a atenção.

                        – Novatos. – Avisou Erick, nosso colega de classe. O único com quem ainda conversávamos algumas besteiras. Depois dele, só mais três naquela sala valiam apena.

                        Os dois alunos novos entraram. Eles ficaram um tempo em pé. Algo me dizia que eles se conheciam. Tinham uma grande intimidade na forma como se olhavam. Depois que o professor entrou na sala, ambos se sentaram próximo de mim.

                       Meu celular vibrou. Era uma mensagem:

                       “Lembra: está na hora de aproveitarmos algo também, não acha?”.

                       Olhei ao redor da sala até novamente encontrar os dois novatos. Tentei não sorrir, porque eu tinha acabado de ter uma ideia.

                       “Sim, você tem razão.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.