As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 12
Tudo o que você precisa saber.




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#Narrado por Diana#

Pelo visto vou chegar cedo em casa hoje. Perdi aula por conta da chuva, me atrasei, tomei um banho de um caminhão, e recebi um pedido de desculpa de Daniel.

De todas as coisas tremendas que me aconteceram até agora, essa última deve ter sido a mais intrigante pra mim. Passamos mais de uma hora esperando a chuva passar. E conversamos como se fossemos amigos de muitos anos. E eu sorri bastante hoje, como não sorria há um bom tempo.

Por incrível que pareça, o pouco tempo de conversa com Daniel me fez reconsiderar certos fatos. Eu percebi que o julguei muito mal. Isso foi errado da minha parte, mas considerando o fato dos dois terem pedido desculpas, acho que agora não tenho mais um inimigo.

Estou encharcada dos pés a cabeça. As pessoas dentro no ônibus evitavam me tocar ao máximo, e eu temia estar parecendo um monstro do pântano. Queria chegar em casa e tomar um banho e ficar horas a dentro no banheiro. Assim que chego à minha rua, encontro meu vizinho Edgar saindo de casa. Ele deve estar indo para o trabalho. Assim que ele me vê, começa a rir como Daniel, e eu já estou começando a achar graça nisso também.

– Veja só, Diana! – ele ri. – irreconhecível, sério mesmo.

– eu sei. Estou tão horrível assim? – pergunto. Ele assente com a cabeça. – então eu preciso tomar um banho agora!

– precisa mesmo! Até logo, Fiona.

Sigo em direção a minha casa, e vejo o carro do meu pai estacionado bem na frente. Como pude me esquecer! Hoje ele viria aqui em casa para finalmente termos uma conversa civilizada. Os três. Corro até a porta de casa, e bato incansavelmente nela. Apenas minutos depois lembro que a cópia da chave está na minha bolsa. Quando começo a procurá-la até que alguém abre a porta. É meu pai.

– Meu Deus! Diana, o que aconteceu? – pergunta ele preocupado.

– tomei um banho de lama de um caminhão. E perdi aula. – respondo.

Ele me olha e sorri. Eu quero abraçá-lo, mas isso não será possível agora. Estou suja e fedendo demais. Nossa! Não sei como Daniel suportou esse cheiro.

Assim que jogo a minha bolsa no canto da sala, percebo um garoto sentado no sofá. Ele deve ter uns quinze anos. Ele é alto, e muito bonito. O cabelo dele é de um castanho claro e os olhos são azuis. Isso mesmo, azul! E eu estou ficando envergonhada da minha situação na frente dele. Eu pareço um lixo! Ele me olha e sorri. Depois desvia o olhar para a minha mãe que está sentada em uma poltrona, ao lado dele.

– Oi, quem é mãe? – pergunto me referindo ao garoto. Ela se levanta e vem na minha direção.

– acho melhor você tomar um banho primeiro, e depois começamos as apresentações, tudo bem? – diz ela com uma calma fora do normal.

– Tudo bem. – digo.

Trinta minutos esfregando e lavando o corpo para tirar toda a lama e o odor nojento que estava impregnado em mim. Ainda estou achando graça da conversa que tive com Daniel. Até que foi uma coisa divertida. E acho que uma amizade pode começar agora. Mesmo assim não vale apena acelerar demais as coisas.

O que eu quero de verdade agora é descobrir quem é o camaradinha que está na minha sala.

Após trocar de roupa e finalmente estar parecendo uma pessoa normal, vou para a sala e percebo que ele e meu pai estão conversando, mas não consigo escutar sobre o que.

– então, já podemos conversar. – digo.

Minha mãe se levanta da poltrona e vem na minha direção novamente. Ela pega a minha mão e me puxa para sentar ao lado dela. Estou desconfortável com o garoto. Ele é um estranho e estou começando a desconfiar que ele vá participar da conversa. Talvez seja alguma testemunha de alguma coisa a favor do meu pai. Sei lá.

– Diana, esse é o Lucas. – diz o meu pai, me apresentando ao garoto.

Lucas me olha e então sorri absolutamente sem jeito. Ele está ficando um pouco mais assustado que eu.

– Oi, Diana. – diz ele.

Eu olho para o meu pai e em seguida para a minha mãe. Agora ela tem uma expressão triste no rosto. Ela olha para Lucas e em seguida para mim. Segura as minhas mãos e me diz algo que põe meu mundo de cabeça para baixo.

– Ele é seu irmão.

– O quê?!– pergunto perplexa.

Meu pai então passa a mão na cabeça e parece querer chorar. Lucas está tão perplexo quanto eu.

– Preciso lhe contar algumas coisas, filha. – diz ele. – Mas preciso que seja forte para ouvi-las até o final.

Eu já estou chorando, porque sei exatamente o que irei escutar dali por diante.

– Depois que eu fui para a faculdade, eu e sua mãe, nós brigamos. A distância estava dificultando demais nosso relacionamento. Eu mal conseguia ver você. E eu não conseguia ter tempo para nada além de trabalho e faculdade. – ele fez uma pausa e olhou para a minha mãe. – então, eu e sua mãe decidimos dar um tempo, até que as coisas ficassem boas novamente. Nesse meio tempo, um amigo meu me convidou para ir a uma festa. Eu fui. Nessa festa conheci uma moça, Angelina. Nos aproximamos e acabamos... Ficando juntos por um curto tempo. – as palavras dele acertaram meus pontos mais fracos, e a essa altura eu já não conseguia mais segurar o choro. – Foi apenas uma noite! Uma noite pra mudar toda a minha vida. A camisinha furou, mas ela prometeu que usaria a pílula do dia seguinte, e que isso funcionaria. Depois disso eu nunca mais soube dela. Ela nunca me procurou e eu nunca me preocupei em procurá-la. Foi apenas uma noite e não significou nada pra mim.

Eu solucei, chorei e sentia dores no peito e a minha respiração estava ficando ofegante demais. Como ele pôde? Traiu minha mãe quando eu ainda era uma criança! Ele nem pensou em mim! E fez uma coisa assim, desrespeitou toda a nossa família, e eu ainda o defendi! Eu ainda achei que ele fosse o pai herói! O cara capaz de tudo por sua família. E estava enganada... Uma decepção seguida de uma mágoa profunda e dolorosa. Eu estava acabada. E eu queria ir embora dali.

Ele começou a chorar e então percebi que Lucas também não estava se sentindo bem.

– Me desculpe, Diana! Eu sinto tanto filha! Eu não queria deixá-la assim! Me perdoe princesinha! Eu amo tanto você! – dizia ele aos prantos.

– Você... você tem noção do que isso significa pra mim? – disse a ele.

Ele não respondeu. Continuou calado. E então Lucas começou a falar.

– A minha mãe, ela voltou pra cidade natal, em Florianópolis. Lá ela descobriu que estava grávida, mas não tinha dinheiro para voltar para São Paulo. Todo o dinheiro ela usou comprando cigarros e... – ele fez uma pausa, respirou fundo e continuou. – cigarros e bebidas. Eu nasci com muitos problemas. Ela morreu quando eu tinha três anos. Ela contraiu AIDS de um cara. Eu fiquei morando com os meus avós que nunca me disseram quem era o meu pai. Cresci ouvindo eles chamarem a minha mãe de tudo o que não presta! Sabe como isso dói? Ouvir a sua família inteira chamar sua mãe de coisas horríveis? Pior ainda, ser considerado um fardo! Um bastardo. – ele começou a chorar. Eu estava ficando constrangida com a história dele, e como ele, assim como eu, sofreu represália dos avós. – Meus tios então disseram que iriam cuidar de mim. Fui morar com eles aos dez anos. O meu tio começou a ir atrás do cara que poderia ser o meu pai. Ele tinha o contato de alguns amigos da minha mãe lá em São Paulo. Um deles era o amigo do seu Carlos. O amigo que o levou para a festa. Foi quando ele soube de mim, há cinco meses.

Era tanta informação. Tanta história misturada e colada uma na outra. Eu estava ficando tonta e achava que poderia desmaiar a qualquer momento. Lucas se recompôs e procurou mais algumas palavras e continuou a história.

– Carlos só soube de mim esse ano. Na época em que eu soube do cara que poderia ser meu pai, eu não fiz questão em procurá-lo. Não queria saber dele. Meus tios disseram que eu não precisava ir atrás, que eles cuidariam de mim. – ele então voltou a chorar, e agora ele chorava mais do que eu. – E então o meu tio morreu! E a minha tia luta contra um câncer agora. E ela não pode ficar comigo. E eu estou no inferno, porque voltei a morar com os meus avós. E eles me odeiam!

As últimas palavras dele me atingiram porque eu sabia exatamente o que ele sentia. Meus avós maternos nunca quiseram saber de mim. Me odiavam. Se dependesse deles eu nem existia. E Lucas não teve a mesma sorte que eu, ele não tinha mais os avós paternos. Minha avó Helena já havia falecido e meu avô vive doente. Ele estava tão perdido e sozinho. E eu queria ajudá-lo porque nós éramos irmãos, e sentíamos a mesma dor.

– Eu fiz o exame de DNA assim que ele chegou na cidade. E ele realmente é meu filho. – disse meu pai.

Ficamos em silêncio por um bom tempo, e então meu pai continuou a falar.

– Agora eu tenho que cuidar dele. Vou assumi-lo, assim como fiz com você Diana. Mas, vou ter que sair do jornal. – disse ele.

– por quê? – perguntei.

– O jornal queria que eu e Gustavo fossemos para os Estados Unidos no próximo mês. Não posso levá-lo e eu não vou deixá-lo com os avós, de jeito nenhum! Olhe pra isso. – ele puxou o garoto e levantou a camisa dele. Havia marcas vermelhas e roxas no corpo dele. – Eles batem nele! Se eu denunciar os avós, ele vai continuar comigo de qualquer forma.

Eu olhei pra minha mãe, e ela parecia pensar em alguma coisa. Ela olhou pra mim e eu abaixei a cabeça. Continuamos calados até que minha mãe levantou-se e foi na direção de Lucas. Ela pôs as mãos no rosto dele e ele começou a chorar.

– Ei, não chore, por favor. – dizia ela. – você tem uma família agora. Uma família de verdade. – ela o abraçou, e os dois ficaram ali, por um bom tempo, chorando e compartilhando tristezas juntos. E eu estava admirando a minha mãe. E aquela cena foi uma das mais bonitas que já vi.

Ela direcionou a atenção ao meu pai. Ele estava de cabeça baixa e não conseguia olhar nos olhos dela.

– Carlos, você não precisa largar tudo desse jeito. Eu não abri mão do meu sonho pelo seu pra te ver jogar tudo fora assim. Eu cuido do garoto enquanto você termina a viagem. É até uma oportunidade para ele e Diana se conhecerem depois de tanto tempo sem saberem da existência um do outro.

Ninguém estava acreditando no que ouvia. Meu pai então olhou para ela e sorriu. Ele ficou sem reação. Não acreditando tanto quanto eu.

– Daniela, você não tem responsabilidade alguma. Você não precisa fazer isso. – dizia ele.

– Mas eu vou. Esse garoto precisa de gente que se importe de verdade com ele. E garanto que se ele quiser ficar, vai ser bem tratado. Ele não tem culpa de nada. Ele é apenas um garoto.

Meu pai foi abraçá-la, mas ela o negou.

– Isso não muda nada - disse ela - Eu ainda quero o divórcio.

Lucas levantou-se do sofá e abraçou meu pai. E antes deles saírem, ele agradeceu a minha mãe.

– Eu vou trazê-lo daqui a uma semana, qualquer coisa, me avisem.

Meu pai tentou então me abraçar, e eu o abracei. Meio sem jeito, e ainda angustiada com a história, mas ele ainda era o meu pai, e eu o amava.

– Tchau, Lucas. – me despedi do meu então irmão de outra mãe.

– Tchau, Diana.

Fui para o meu quarto e deitei na cama. Tanta coisa havia acontecido em um só dia. E eu ainda queria muito chorar. Eu me lembrei do tempo que passei com Daniel de manhã, e isso me fez sorrir. E o meu sorriso me assustou muito.

Liguei o computador e escrevi algumas coisas para complementar a história. Ela estava ficando tão interessante quanto a minha vida. Mais tarde, fui ao quarto da minha mãe e dormi ao lado dela, como eu fazia quando era criança e tinha pesadelos. Dessa vez meu pesadelo aconteceu enquanto eu estava acordada. E eu precisava do abraço dela. Eu me sentia segura lá. E nesse momento eu agradeci por ter a minha mãe.


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